dez 04, 2018
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“a nova lâmina de propriedade criada através da cessão, onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de uma construção (seja ela sobre o solo ou já em laje) por parte do proprietário (ou lajeário) da mesma, para que o titular do novo direito possa manter unidade autônoma da edificação original” (FARIAS, 2018)Pois bem, desde a entrada em vigor da Lei nº 13.465/17 escreveu-se bastante sobre o Direito Real de Laje. E dentre as principais discussões, a questão de sua natureza jurídica (se direito real sobre coisa própria ou se direito real sobre coisa alheia) e a diferenciação do direito de laje e o condomínio edilício. No entanto, o presente e breve artigo, tem a finalidade de debater sobre a possibilidade ou não da usucapião do direito de laje de imóvel público. Trata-se te uma questão pontual, levando-se em conta os institutos da usucapião e do direito real de laje. Diante da objetividade e do foco do presente artigo, não serão debatidos temas outros, como análise aprofundada da legislação específica ou questões outras como as disposições entre os proprietários da laje e da construção-base. II – A POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DA LAJE Ultrapassada questão introdutória, quanto à possibilidade da usucapião, reconheceu-se, de maneira inédita, a usucapião da laje. A questão foi decidida na 26ª Vara Cível da Comarca de Recife/PE, publicada em 14 de julho de 2017. A decisão reconheceu o direito de laje da usucapiente sobre imóvel originário que pertencia ao seu pai, por meio de uma cessão negocial, conferindo-lhe, expressamente, o direito de usar, gozar, dispor e reivindicar o direito a que faz jus. Inclusive, é possível o ajuizamento de ação de usucapião sobre a laje mesmo que sobre ela existam algum gravame, como uma hipoteca, anticrese ou alienação fiduciária sobre bem imóvel. Quanto a usucapião do direito de laje, fica evidente que a posse mansa e pacífica, com ânimo de dono pelo tempo previsto em lei faz com que o interessado obtenha para si a propriedade daquele bem. Portanto, caso determinada pessoa resida na laje (no segundo andar) de uma residência, cumpridos os requisitos para usucapião, é plenamente possível que esta pessoa adquira para si a propriedade da laje. III – DA USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO Usucapião, para melhor compreensão do tema, em desatenção a técnica e ao juridiquês comumente utilizados no direito, ocorre quando determinada pessoa possui para si um bem de forma pacífica e sem interrupção, por um determinado tempo (vide requisitos legais). E quando essa posse exercida não é reclamada por terceiros. Como exemplo cite-se o caso de determinada pessoa que se apossou de um imóvel e nele reside há anos e, durante este tempo, não surgiu nenhum interessado reclamando deste imóvel. Pois bem, visto o que é a usucapião, é de se contextualizar a usucapião da laje de um imóvel público. Imagine-se que determinada pessoa reside na laje de um bem público (do Município, por exemplo. Esta pessoa reside neste local há bastante tempo. Após todo este tempo essa pessoa procura um advogado e questiona sobre a possibilidade de “regularizar” sua propriedade através da usucapião. E é neste ponto que a discussão fica interessante, pois em que pese o senso comum (ao menos, entre os profissionais do direito) da impossibilidade da usucapião de bem público, parte da doutrina entende que seria possível usucapir a laje de bem público. Maiores detalhes a seguir. IV – DA POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DA LAJE DE BEM PÚBLICO Aqueles que defendem a possibilidade da usucapião de imóvel público o fazem com base nos seguintes argumentos (FARIAS, 2018): a) o Direito Real de Laje é um Direito Autônomo e independente da propriedade (ao contrário daqueles que entendem que o direito de laje é um direito real sobre coisa alheia); b) não haverá a perda de titularidade do bem público, pois a sentença que reconhecer a aquisição originária da laje bipartirá o direito real: a propriedade da coisa originariamente construída permanecendo com o Poder Público e a titularidade da laje com o usucapiente; c) O STF já reconheceu a usucapião da enfiteuse de bens públicos (Recurso Especial nº 218.324), na medida em que a titularidade da coisa permanece com o poder público, razão pela qual seria viável o mesmo raciocínio com a laje. d) a possibilidade da usucapião lajeária de bens públicos pode se prestar a um importante papel na regularização fundiária de morarias irregulares em áreas urbanas e rurais; e) A própria lei dá a entender a possibilidade, no art. 1.510-A, §1º do Código Civil: “o direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base”; V – DA IMPOSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DA LAJE DE BEM PÚBLICO Lado outro, existem aqueles que defendem que a usucapião da laje de bem público não seria possível. E o fazem com base nos seguintes argumentos (COUTO, 2018): a) Se a laje é um tipo de propriedade, o que se está adquirindo é, exatamente, a propriedade (da laje) de um bem público; b) Existe uma proibição constitucional da usucapião de bem público (art. 183, §3º, CF/88); c) Existe proibição no Código Civil (art. 102, CC); d) a interpretação deve seguir a lógica de que se a propriedade de bem público não pode ser usucapida, não o pode também seu direito real. Se não se pode usucapir o maior, também não se poderá usucapir o menor. e) O fato de existirem decisões do STF reconhecendo a usucapião do domínio útil de terras públicas não possibilita a dedução de possibilidade de adquirir a laje por esta via. No caso da enfiteuse, o que se está adquirindo é um direito real sobre coisa alheia (domínio útil). Essas enfiteuses foram regularmente constituídas, de modo que o Estado anuiu com a criação do direito real a favor do particular. VI – AFINAL, É POSSÍVEL USUCAPIR A LAJE DE BEM PÚBLICO? Não obstante os argumentos utilizados pela doutrina que entende pela possibilidade da usucapião da laje de bem público, persiste no ordenamento a vedação. O instituto do direito de laje é novo no país, tendo surgido em 2017. Razão pela qual é preciso tempo para que as discussões concernentes ao instituto amadureçam no poder judiciário e na doutrina. BIBLIOGRAFIA: FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito de Laje. 2. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.
“O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.E há diversas situações em que pessoas deixam parentes, amigos ou até terceiros residirem na laje de suas residências. Nestes casos aconselha-se que este “empréstimo” da laje, ou sua locação (sendo o caso) sejam formalizados por escrito. Isto porque a justiça entende que é possível que o titular da laje adquira sua propriedade através da usucapião. Em decisão de 2017, na época considerada inédita no país, a justiça determinou o seguinte (Processos números 0027691-84.2013.8.17.0001 e 0071376- 44.2013.8.17.0001, do TJ-PE):
“Por outro lado, observo que a casa 743-A foi construída na superfície superior da casa 743, de modo que a pretensão de aquisição da propriedade mais se coaduna ao direito de laje, previsto no art. 1.510-A do Código Civil, que assim dispõe: Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. dcm 5 Desta feita, tendo havido a cessão do Sr. José Carlos da Silva da casa 743-A em favor da sua filha, Ladyane, autora da segunda ação, devidamente registrada em cartório, há que ser reconhecido o seu direito de laje, devendo o bem possuir registro próprio e dele podendo a autora usar, gozar e dispor“.Portanto, é possível que aquele possui a posse sobre uma determinada laje adquira para si a propriedade. Como também é possível que o proprietário de toda a residência perca a laje, caso perca sua posse para terceiro e este, preenchidos os requisitos legais, entre com usucapião sobre a laje. Assim, reitera-se que, caso o proprietário pretenda emprestar a laje para um parente ou amigo, o ideal é que formalize este empréstimo através de um contrato de comodato ou, caso venha alugar aquela laje, o faça por meio de um contrato de locação, por escrito.
“desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários”.Completa a decisão que
“sob esta ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração de prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião (…)”.Portanto, em resposta ao questionamento inicial, ainda que o imóvel seja objeto de herança, se um dos herdeiros exercer a posse exclusiva, preenchidos os requisitos da lei, é possível que ele adquira para si a propriedade do bem. Muitas vezes, questões de herança e partilha de bens podem ser resolvidas rapidamente entre as partes. É possível até que a solução seja extrajudicial, diga-se, no cartório. Diante disso, recomenda-se que o interessado regularize sua situação o quanto antes, o que fará com que o herdeiro elimine uma grande preocupação de sua vida. Caso não seja possível abrir o inventário, enquanto a questão da herança não for solucionada, recomenda-se que os herdeiros aluguem o imóvel ou firmem um empréstimo (comodato), fato que certamente evitará futuras discussões acerca da propriedade.