Quando existe isenção do lucro imobiliário?

nov 17, 2021

No Brasil, a negociação de imóveis é cheia de pormenores e regras. Dentre esses pormenores, talvez uma das maiores dúvidas entre aqueles que compram e vendem imóveis seja sobre a isenção do lucro imobiliário. Afinal, o que todos querem é reduzir os custos com as negociações imobiliárias.

Neste sentido, o presente artigo pretende tratar, de forma didática, de quando é possível se obter isenção no pagamento de imposto de renda sobre o lucro imobiliário (também conhecido como ganho de capital).

Se o leitor desconhece o significado desse imposto, o remeto a um artigo que já escrevi neste espaço. Basta clicar aqui.

Ultrapassada a questão introdutória acerca do imposto, passa-se a tratar especificamente das isenções. Afinal, quando o vendedor pode se livrar do pagamento do imposto?

I – Bens e direitos de pequeno valor

A primeira hipótese é aquela relativa aos bens de pequeno valor. Se a venda for efetuada por valor igual ou inferior a R$ 440.000,00, desde que seja o único imóvel do vendedor (residencial ou comercial) e não tenha ocorrido nenhuma transação desse tipo nos últimos 5 anos, há isenção.

Há isenção também quando o ganho de capital for inferior a R$ 35.000,00.

II – Utilização do produto da venda de um imóvel para aquisição de outro em 180 dias

Outra hipótese de isenção do imposto de renda é aquela prevista no art. 39 da Lei 11.196/2005 e no art. 2º, §11, I, da Instrução Normativa 599/2005 da Receita Federal, veja-se:

Art. 39. Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País

Note que a lei traz como requisitos: a) pessoa física residente no país; b) venda de imóveis residenciais; c) que haja, no prazo de 180 dias da venda, a aplicação do produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no país.

Sendo assim, aquele que pretende vender seu imóvel residencial para adquirir outro imóvel residencial está isento do tributo, caso o faça em 180 dias.

Daí, pode surgir uma dúvida: existe isenção quando o interessado vende seu imóvel residencial para quitar financiamento realizado anteriormente à venda?

Apesar de a norma do art. 2º, §11, I da Instrução Normativa trazer interpretação no sentido de que a isenção não se aplicaria quando o produto da venda fosse utilizado com o objetivo de quitar débito remanescente de aquisição a prazo de imóvel residencial já possuído pelo alienante, o STJ firmou o entendimento de que “É ilegal a restrição estabelecida no art. 2º, §11, I da Instrução Normativa SRF 599/2005”.

Veja decisão a este respeito:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1882009 – SP (2021/0120483-5) DECISÃO Trata-se agravo de LUIS ALBERTO LOBOISSIERE AMBRÓSIO da decisão que inadmitiu recurso especial interposto, com base na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim ementado (e-STJ fl. 602/603): DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA – IRPF. GANHO DE CAPITAL PELA VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL. PARCELA UTILIZADA NA QUITAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL RESIDENCIAL ADQUIRIDO ANTERIORMENTE. ARTIGO 39 DA LEI 11.196/2005. NORMA DE ISENÇÃO. APLICABILIDADE. ILEGALIDADE DO ARTIGO 2º, § 11, I, DA IN RFB 599/2005. 1. O mandado de segurança, constitucionalmente deferido para tutelar direito líquido e certo do impetrante, demonstrável de plano por prova pré-constituída apresentada juntamente com a petição inicial, é incompatível com instrução ou dilação probatória. Não configura nulidade a preservação pelo Juízo do rito célere do mandado de segurança, rejeitando a juntada de documentos no curso da tramitação, que exigiriam contradita da autoridade impetrada e tumulto processual atentatório à natureza especial do procedimento mandamental. 2. A parcela de ganho de capital da venda de imóvel, utilizada na quitação de financiamento de outro imóvel anteriormente adquirido, não se sujeita à incidência do imposto de renda, nos termos do artigo 39 da Lei 11.196/2005, sendo ilegal o artigo 2º, § 11, I, da IN RFB 599/2005, ao estabelecer restrição não prevista em lei, inovando indevidamente a ordem jurídica. […]

(STJ – AREsp: 1882009 SP 2021/0120483-5, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Publicação: DJ 22/09/2021)

Portanto, a restrição trazida pela instrução normativa não pode ser considerada. De modo que o produto da venda do imóvel residencial pode ser utilizado para quitação de financiamento de imóvel adquirido anteriormente.

Não se pode falar, também, de necessidade de o titular do direito ter somente um único imóvel. Afinal, a própria lei assegura que, em caso de venda de mais de um imóvel, o prazo a ser considerado (para a contagem dos 180 dias) será relativo ao primeiro negócio praticado.

De toda forma, recomenda-se sempre que se procure um advogado especializado na área para auxiliar o vendedor ou o comprador do imóvel.

Quando é devido o ITBI? O que muda com a decisão do STF?

fev 24, 2021

I – Introdução

O ITBI (imposto de transmissão inter vivos) é um imposto cobrado pelos Municípios nas operações de transferência de bens imóveis. Portanto, grosso modo, é o tributo que se paga ao Município quando ocorre, por exemplo, uma compra e venda.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1294969, com repercussão geral (Tema 1124), decidiu que:

O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro

O acórdão que concluiu pela ementa acima concluiu sobre a impossibilidade de se exigir o recolhimento do ITBI nas operações de promessa de venda e compra e cessão de direitos.

Daí, fica o questionamento: o que muda com a decisão do Supremo? E afinal, quando pode ser cobrado o ITBI? Esses questionamentos serão colocados em seguida.

I – O que é ITBI?

Se você está acostumado a comprar imóveis provavelmente já teve a obrigação de pagar esse tributo.

O ITBI está previsto na Constituição Federal no art. 156, II, cujo texto se transcreve:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

Assim, cada Município possui sua legislação que trata sobre a cobrança do ITBI. Mas a Constituição Federal deixa claro que esse imposto incide quando ocorre a transmissão “entre vivos”, por ato oneroso (ou seja, que produza vantagens e obrigações para ambas as partes), de direitos reais sobre imóveis.

Portanto, o ITBI é devido na compra e venda de imóvel, mas não só. Trata-se de um imposto pago ao Município, conforme estabelece a legislação daquele Município.

II – O que é fato gerador de um tributo?

Sem pretender um aprofundamento na questão tributária, é necessário esclarecer o que é fato gerador. Como o próprio nome indica, fato gerador é ocorrência de uma situação que dá ensejo a obrigação de cobrar o tributo. Em outras palavras, é aquilo que gera a obrigação do pagamento do tributo.

III – A prática do ITBI nas cessões de direitos e na lavratura de escritura pública de venda e compra

Muitas vezes ocorre de o verdadeiro proprietário do imóvel (aquele que possui seu nome no registro, que chamaremos de Ricardo) realizar um contrato particular de promessa de compra e venda para determinada pessoa (que chamamos de Maria) e essa, sem registrar o imóvel em seu nome, realizar uma cessão de direitos através de contrato para um terceiro (chamaremos de João).

Neste caso, quando João vai ao cartório de notas para lavrar a escritura pública para, finalmente, passar o imóvel para seu nome, o tabelião exige o recolhimento do ITBI nas duas operações (bitributação). Tanto na transmissão de Ricardo para Maria, quanto na de Maria para João.

Já na lavratura de escritura pública de venda e compra, mesmo sem existir cessão de direitos, a praxe é o tabelião de notas exigir a quitação previa do ITBI. De modo que na prática tem ocorrido de o imposto ser exigido antes mesmo de seu fato gerador, que é o registro.

O tabelião procede desta forma por alguns motivos: a) primeiro, porque é dever do notário fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que deve praticar (art. 30, XI Lei nº 8.935/94), de modo que ele é responsável por isso; b) segundo, porque ele deve observar a lei. Sobretudo a lei Municipal, que muitas vezes exige o recolhimento; c) terceiro, ele o faz em observância à cadeia dominial do imóvel.

IV – A decisão do STF e sua repercussão nas serventias extrajudiciais

No tópico anterior, tratou-se da prática acerca do recolhimento do ITBI nos Municípios. Ocorre que, no julgamento cujo acórdão fora publicado dia 19/02/2021, o STF redefiniu claramente que o fato gerador do tributo somente se dá com a transmissão da propriedade, o que ocorre mediante o registro. Na decisão ficou claro também que não se pode cobrar o tributo na cessão de direitos.

A decisão do STF não surpreende, afinal:

a) o próprio art. 1.245 do Código Civil é enfático ao estabelecer que “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”;

b) antes da referida decisão do STF existiam jurisprudências esparsas confirmando que foi, agora, reafirmado pelo supremo.

Desta forma, questiona-se: como os notários vão se portar diante da jurisprudência do supremo?

Diante dessa questão, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) publicou a Nota Técnica nº 01/2021, sobre a tese firmada pelo STF, cuja conclusão se transcreve:

Desse modo, o IRIB ESCLARECE e RECOMENDA aos registradores imobiliários do país, respeitada obviamente a sua independência jurídica, que continuem observando a legislação local em vigor (princípio da legalidade estrita), especialmente as leis tributárias do município e normas das egrégias Corregedorias-Gerais da Justiça, até que as mesmas se adequem à tese firmada pelo STF, se for o caso.

Portanto, apesar da tese firmada pelo STF, considerando que os notários e registradores têm de respeitar a lei e considerando que as legislações Municipais ainda não sofreram modificação, acredita-se que a situação na prática será mantida.

No entanto, diante dessa tese e considerando a repercussão da temática, espera-se que os Municípios adequem suas legislações e, ainda, que os Estados se manifestem através de provimentos acerca da cobrança do ITBI nessas operações. Só aí é que os notários e registradores se sentirão motivados a trabalharem de forma diversa.

V – Conclusão

A tese firmada pelo STF certamente acarretará inúmeras movimentações no sentido de serem mudadas a regra do jogo. Afinal, é sensato que associações e institutos representativos de classe se unam para que o que fora firmado se torne prática no mercado imobiliário. Se o itbi só é devido com o registro, não há motivo de as legislações Municipais manterem a exigência (diga-se, inconstitucional) do recolhimento do imposto nas cessões de direitos e, ainda, antes do registro do título no cartório de registro de imóveis.

A questão é delicada e ainda repercutirá em diversas classes. Aguardemos o desenrolar da matéria no âmbito dos Municípios e das normas de serviços das corregedorias.