Como o síndico deve lidar com a violência doméstica nos condomínios?

ago 21, 2020

O Brasil ocupa, em matéria de violência doméstica contra a mulher, o desonroso quinto lugar entre os países mais violentos do globo. Em 2019, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou pesquisa com dados recolhidos pelo Instituto Datafolha dando conta de que 1,6 milhão de mulheres sofreram espancamento durante o ano de 2018. Desse contingente, 76,4% das vítimas conheciam o agressor e 42% dos crimes ocorreram em ambiente doméstico.

O trecho acima é parte da justificação do Projeto de Lei nº 2.510, de 2.020, de autoria do Senador Luiz do Carmo (MDB/GO).

O projeto tem o condão de, em resumo, conferir a atribuição de os síndicos comunicarem às autoridades competentes situações de violência doméstica ocorridas no interior das unidades habitacionais ou da área comum do condomínio.

Assim, o presente artigo pretende trazer pontos relevantes do artigo, com a mesma didática daquela comumente utilizada neste blog.

I – Os casos práticos

Diversos são os casos práticos de violência doméstica que se encontram no dia a dia dos condomínios. Diante desses casos, muitas vezes os síndicos, com receio de denunciarem, deixam de fazê-lo.

No entanto, diante dos números apresentados no início do texto, o Projeto de Lei se faz relevante.

II – O que diz o Projeto de Lei?

Caso o Projeto se transforme efetivamente em Lei, as atribuições do síndico serão aumentadas, para também comunicar as autoridades competentes os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ocorridos nas áreas comuns ou no interior das unidades habitacionais, de que tenha conhecimento.

Além disso, os condôminos, locatários ou possuidores terão o dever de não utilizar a unidade habitacional de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais condôminos e, ainda, a comunicar ao síndico ou administrador as situações de violência doméstica e familiar contra a mulher de que tenham conhecimento, ainda que no interior das unidades habitacionais.

III – O que ocorre se houver violação ao projeto?

Segundo o PL, a violação aos deveres ou vedações estipuladas na lei e na convenção (a convenção do condomínio deve ser observada) sujeitará o infrator ao pagamento de multa de até 10 vezes o valor atribuído ao condomínio.

Além disso, poderá responder criminalmente. Afinal, o PL altera, ainda, o Código Penal, pois cria um aumento de pena no crime de omissão de socorro quando: a pessoa a quem é devido o socorro é mulher em situação de violência doméstica.

IV – O condômino que souber da violência doméstica é obrigado a denunciar ao síndico?

O PL altera o art. 1.336 do Código Civil, de forma que estabelece que o condômino ou possuidor que não cumprir os deveres então estabelecidos (dentre eles, o de comunicar ao síndico as situações de violência doméstica das quais tenha conhecimento) pagará multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, independentemente das perdas e danos que se apurarem.

Em regra a Assembleia deliberará sobre a cobrança da multa aos condôminos.

Portanto, caso qualquer condômino, ainda que locatário, tenha conhecimento de violência doméstica dentro das unidades ou, ainda, na área comum do condomínio, deve ele formalizar a denúncia ao síndico. Para que o síndico, por sua vez, o faça às autoridades competentes.

V – O que devem fazer os síndicos enquanto o projeto não se torna lei?

A prática de violência doméstica no âmbito domiciliar e condominial é recorrente, desde residenciais populares a residenciais luxuosos. Recomenda-se que o síndico, com discrição, denuncie o ato às autoridades competentes.

O coronavírus e os condomínios: o que pode ser feito?

mar 21, 2020

Evidente que o mundo tem enfrentado situação delicadíssima com a pandemia do coronavírus. Até o momento de divulgação deste artigo, segundo dados oficiais, os números chegam a 905 infectados e 12 mortos, somente no país (números oficiais, coletados aqui). Diante disso, governos têm fechado fronteiras, proibido eventos públicos e cultos, fechado praças, parques e até praias. Tudo no sentido de coibir aglomerações, pois até o momento o que se sabe é que o isolamento social é a medida mais eficaz para combater a disseminação do vírus. Na seara condominial, alguns condomínios têm tomado decisões drásticas, como a proibição de utilização de suas áreas comuns pelos moradores (conforme noticiado aqui). Outros optam por manter a utilização das áreas comuns e criar regras mais restritivas de sua utilização. No presente artigo serão abordadas algumas questões sobre como os condomínios podem agir no sentido de minimizar a contaminação com o Covid-19. Poderia o condomínio proibir a utilização II – Quais cuidados podem ser tomados nos condomínios? Antes de entrar no mérito da possibilidade ou não de fechamento das áreas comuns dos condomínios, atenta-se para algumas medidas que podem ser tomadas:
  1. suspensão por prazo indeterminado da utilização do Salão de Festas para eventos;
  2. permissão de utilização da churrasqueira coletiva apenas para uso dos moradores, sem qualquer tipo de convidado externo, para membros apenas de uma mesma família;
  3. suspensão, por prazo indeterminado, da utilização de personal traning na academia de ginástica;
  4. obrigação de todos os usuários da sala de ginástica da limpeza pré e pós uso dos equipamentos com álcool gel, inclusive pontos de abertura e fechamento da porta, janelas e persianas;
  5. recomendação de não utilização do parquinho, casinha e compartilhamento de brinquedos pelas crianças;
  6. recomendação de evitar contato entre os moradores nas áreas de lazer permitidas e uso, preferencialmente, por membros de uma mesma família de cada vez;
  7. entrada pela portaria sempre com utilização de álcool gel;
  8. qualquer entrega (exceto as remessas por postagem) deverá ser retirada pelo próprio morador na entrada da portaria. Importante higienizar (com álcool gel) as embalagens dos produtos antes de leva-los para os apartamentos.
  9. a utilização de palitos de dentes para chamar o elevador;
  10. Manter todos os ambientes com as janelas abertas, para ventilação;
  11. Se algum morador apresentar os sintomas, ligar para o 156 (cidade de São Paulo) ou procurar um pronto socorro/atendimento médico.
II – Pode o condomínio proibir a utilização de sua área comum? Quanto a proibição da utilização das áreas comuns pelos condôminos, primeiro passa-se a verificar questões pontuais da legislação. Quanto aos deveres dos condôminos, atente-se para aquele previsto no art. 1.336, IV do Código Civil, segundo o qual:
São deveres do condômino: dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
O Código Civil é claro que os condôminos não podem utilizar a edificação de modo prejudicial. Neste mesmo sentido é o art. 1.277 do Código Civil, que se encontra no capítulo que trata dos direitos de vizinhança. Este último, permite a qualquer vizinho que faça cessar as interferências prejudiciais  à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam. Quanto às competências do síndico, vale verificar que ele deve “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores” (art. 1.348, V do Código Civil). Portanto, o síndico é responsável pela conservação e guarda das partes comuns. Em se tratando do fechamento das áreas comuns dos condomínios, antes de qualquer medida sugere-se a realização de uma assembleia virtual, com a observância do respectivo quórum (verificar convenção do condomínio e, em sua omissão, o Código Civil) para que a questão seja votada. Em não sendo possível a solução pela medida acima, embora a questão seja controversa, firma-se aqui o entendimento da possibilidade de o síndico fechar áreas comuns que gerem aglomeração de pessoas, como piscinas, quadras esportivas, academias de ginásticas, salões de festas, etc. O fundamento da medida está estampado em todos os jornais do país. Os números não param de crescer e a responsabilidade pela prevenção é de todos. A questão da proibição de utilização das áreas comuns obviamente ainda chegará ao poder judiciário. Com isso, haverá a criação de jurisprudência acerca da matéria. Até lá, recomenda-se sempre o bom senso.    

Posso protestar a quota condominial?

nov 11, 2019

Existem, no país, milhares de pessoas que residem em condomínios. Essas milhares de pessoas pagam – ou ao menos têm de pagar – mensalmente a chamada quota condominial. Isto porque o condomínio custeia suas despesas através da arrecadação mensal de seus condôminos, os moradores. Ocorre que muitas vezes os condôminos ficam devedores das quotas condominiais, de forma que os síndicos têm de se utilizar de alguns recursos para o recebimento desses valores. Dentre esses recursos, pergunta-se: Pode o síndico levar a protesto a quota condominial?  Passa-se a tratar deste tema a seguir. I – O que é protesto? Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o que afinal é o protesto de um título e para o que serve esse protesto. Pois bem, assim como existem o SERASA e o SPC para, digamos, auxiliarem os credores no recebimento de seus créditos não quitados, existe o cartório de protesto de títulos. O protesto é uma forma de comprovar a inadimplência de uma determinada pessoa, seja física ou jurídica. De forma que quando alguém está inadimplente, ao invés de o credor procurar a justiça, ele pode recorrer aos cartórios de protestos. Para saber mais sobre o protesto, veja um artigo que escrevi clicando aqui. Estando com o nome protestado, o devedor fica impedido de praticar diversos atos, como um financiamento imobiliário, por exemplo.

II – Condômino inadimplente. Posso protestar sua quota condominial?

Ultrapassada a questão inicial sobre protesto, passa-se a responder a pergunta que dá título a este artigo. Afinal, se um condômino está inadimplente, pode o síndico levar esta quota condominial a protesto?

Inicialmente, para que um título seja levado a protesto, o título precisa ser certo, líquido e exigível. Mas o que significa isso?

Bom, a liquidez pode-se dizer que está ligada a perfeita definição do que é devido, sobretudo em relação ao valor quantitativo. De forma que o título deve conter o valor exato que é devido. Quanto a certeza, refere-se à existência da prestação que se quer ver realizada. Já no que tange a exigibilidade, é de dizer que é exigível aquela obrigação da qual não restam dúvidas de que pode ser cobrada. Há exigibilidade quando o pagamento não depende de termo ou condição e nem está sujeito a outras limitações.

No que diz respeito as quotas condominiais, o Novo Código de Processo Civil inovou ao trazer, como título executivo extrajudicial (art. 784, X, NCPC):

o crédito referente às contribuições ordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas

Além disso, no Estado de São Paulo a temática foi regulamentada pelo Código de Normas, no item 20.7:

Para protesto do crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, o Condomínio deverá apresentar planilha, assinada pelo síndico, na qual conste a especialização do crédito condominial , convenção do condomínio para comprovação da previsão das contribuiçÕes ordinárias ou extraordinárias ou a aprovação destas em assembleia geral, bem como a indicação do nome, endereço e CPF ou CNPJ do condômino-devedor

Portanto, as quotas condominiais, observados os requisitos da lei, são sim passíveis de protesto.

III- Quais os documentos devem ser apresentados?

Os seguintes documentos devem ser apresentados ao Tabelião de Protestos:

  • Convenção de condomínio para comprovar a previsão das contribuições ou a aprovação em assembleia geral;
  • Planilha de débitos atualizada
IV – Cautelas no protesto das quotas condominiais Diante do risco de um protesto indevido, é muito importante que o condomínio observe algumas cautelas antes do protesto das quotas condominiais do condômino-inadimplente. Algumas cautelas:
  • Quanto a responsabilidade dos débitos condominiais. São inúmeras as controvérsias relacionadas a identificação do condômino, sobretudo diante dos costumes nacionais de, em regra, não levar a registro os títulos de propriedade. De forma que eventualmente, o aviso de protesto poderia ser endereçado a quem não é o responsável pelo débito condominial;
  • Existe grande possibilidade de o protesto ser sustado judicialmente em decorrência de impugnação dos valores levados ao protesto;
V – Como o condomínio pode se utilizar da Convenção de Condomínio para tornar o protesto das quotas condominiais mais eficaz e mais seguro? Pode-se, através da Convenção de Condomínio, tornar a cobrança extrajudicial dos condôminos-devedores mais célere e eficaz. E isto pode ser feito ao se inserir, na convenção do condomínio, disposições claras quem indiquem a quem deverá ser dirigido o protesto (ao compromissário comprador, ao cessionário, etc). Pode-se, ainda, constar na Convenção os requisitos para que as quotas-condominiais sejam levadas a protesto. Situações que dariam maior segurança tanto ao condômino-devedor quanto ao condomínio. VI – Conclusão: posso ou não levar a protesto? Sim, as quotas condominiais podem ser levadas a protesto. No entanto, é certo de que o condomínio, ao fazê-lo, tem de tomar as devidas cautelas, conforme explicado acima. Mesmo com eventual modificação da convenção de condomínio com o fim de facilitar a cobrança extrajudicial, recomenda-se cautela para que sejam evitadas futuras ações judiciais que possam retardar ou prejudicar o procedimento.

Como a lei da ficha limpa pode proteger seu condomínio?

jan 03, 2019

Nos últimos anos, com a evidente corrupção dos governantes do país, a população brasileira clamou pela aprovação de uma legislação que impedisse a candidatura de corruptos ao governo. O que fez com que milhares de assinaturas fossem recolhidas e apresentadas na Câmara dos Deputados, em setembro de 2009. Época em que se iniciou, por iniciativa popular, a tramitação de um importante projeto de lei, que finalmente se tornou a conhecida Lei da Ficha Limpa, a Lei Complementar nº 135/2010, que alterou a Lei de Inelegibilidade, de 1990. Com a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa, restringiu-se a entrada de algumas figuras ao poder. De forma que a lei impediu, por exemplo, que um candidato condenado a um crime contra a economia popular disputasse as eleições. A lista de crimes pelos quais os candidatos são impedidos de entrar no poder é maior, abarcando também crimes como o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais; lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, dentre outros. Assim, é evidente que esta legislação foi de extrema relevância para o país. Explicada a lei da ficha limpa, a questão que este artigo pretende trazer é sobre a possibilidade (ou impossibilidade) de aplicação da Lei da Ficha Limpa nos Condomínios. Afinal, é possível trazer estas regras inseridas na Lei da Ficha Limpa para o condomínio, de forma a impedir que síndicos com, digamos, “Ficha Suja” se elejam? Do ponto de vista prático, levando-se em conta a proteção do condomínio, há que se analisar duas situações distintas. A primeira é aquela em que o síndico tem praticado atos de irregularidade ou não tem administrado o condomínio de forma conveniente. A segunda situação a ser pensada é aquela em que os condôminos pretendem criar regras para que futuros síndicos não sejam “ficha suja”. Ambas serão tratadas em tópicos a seguir. I – Síndico que pratica irregularidades no cargo Se o síndico do condomínio tem agido de maneira a cometer irregularidade ou não tem administrado o condomínio de forma conveniente, é possível que os próprios condôminos o destituam. Ou seja, o síndico pode ser retirado de seu cargo. Para maiores informações, é preciso analisar o art. 1.349 do Código Civil, veja-se:
A assembléia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.
Agora veja-se o que explicita o art. 1.348, §2º:
O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembléia, salvo disposição em contrário da convenção.
Note que deve ser convocada uma assembleia especificamente para o fim de destituição do síndico (ou para transferência de poderes, na forma do parágrafo 2º acima). Note, ainda, que para tanto é necessário o voto da maioria absoluta de seus membros. Ou seja, para a aprovação da medida é preciso de o primeiro número inteiro superior à metade dos participantes. No entanto, antes é preciso verificar o que diz o texto da Convenção sobre a destituição do síndico. Mas é importante que o síndico tenha seu direito de defesa garantido, de forma que esta decisão seja uma decisão justa. II – A criação de regras para impedir síndicos “Fichas Sujas” de se candidatarem Como se sabe, a Convenção do condomínio é o documento que “faz lei” entre os condôminos. Ou seja, em regra antes é preciso observar as cláusulas da convenção para, só então, caso sejam omissas, se observar o Código Civil. E com o fim de trazer regras que impeçam síndicos “fichas sujas” a ocuparem este relevante cargo, é possível que a Convenção estabeleça requisitos para que um pretenso candidato a síndico ocupe o cargo. De forma que é possível, por exemplo, inserir na Convenção do Condomínio cláusulas que exijam que o candidato não tenha sido condenado por crimes contra a economia popular ou contra o sistema financeiro, por exemplo. As possibilidades que podem ser inseridas na Convenção com a intenção de efetivamente “proteger” a administração do condomínio, tomando emprestada a idéia da Lei da Ficha Limpa, são inúmeras. Assim, interessante verificar o rol dos impedimentos da Lei da Ficha Limpa para adequar cada hipótese a vida condominial. No entanto, para inserir estas regras na Convenção do Condomínio é preciso de aprovação em Assembleia. Segundo o art. 1.351 do Código Civil, é preciso que 2/3 dos condôminos votem a este respeito. Necessário, pois, que os condôminos discutam cada hipótese em assembleia, sempre visando a proteção do alto numerário que o síndico tem como dever administrar. Por fim, tendo em vista que a convenção do condomínio é, efetivamente, uma legislação – com aplicação prática de termos jurídicos e uma redação técnica – é evidente a importância da assessoria de um profissional especialista na área. Sobretudo, para que a legislação em questão traga a segurança esperada na vida condominial.