Questão que gera muitas dúvidas é sobre a possibilidade ou não de os herdeiros sacarem dinheiro na conta do falecido após o óbito. Vez ou outra os herdeiros se deparam com essa situação. O presente artigo, portanto, tem o condão de esclarecer um pouco essa questão.
I – A abertura de inventário com o óbito
Com o óbito, se a pessoa deixou bens é necessário, para a transmissão desses bens aos herdeiros, da abertura do inventário com a partilha dos bens. E o numerário então existente na conta do falecido deve, necessariamente, ser mencionado no inventário, para a partilha.
Sendo assim, sobre esse montante também deverá ser calculado o imposto de transmissão (ITCD). O cálculo do imposto dependerá da legislação de cada Estado, pois é o Estado que o regulamenta.
Há situações, no entanto, em que é possível que os herdeiros obtenham acesso ao numerário em conta bancária através de um processo de alvará judicial. O que costuma ser aceito quando o falecido não deixou bens, mas somente um resíduo de numerário em conta bancária.
II – O saque da conta bancária conjunta após o óbito do falecido – do ponto de vista da instituição bancária
Outra questão que pode surgir é sobre a possibilidade de saque da conta bancária conjunta do falecido. Para melhor compreensão, note que existem dois tipos de contas bancárias: a) conta solidária; b) conta não solidária.
A primeira é aquela que pode ter movimentação com a assinatura de um dos co-titulares. Já a segunda, para que ocorra saques, é preciso que todos os co-titulares assinem.
No que diz respeito às regras bancárias, se um dos co-titulares for o falecido, a instituição bancária não obstará o saque, pela natureza da conta.
Já se a conta bancária é não solidária, ou ainda se a conta for somente do titular que houver falecido, será necessária a abertura de inventário (ou nomeação de inventariante) para o saque.
III – O saque da conta bancária conjunta após o óbito do falecido – do ponto de vista do direito sucessório
Apesar de ser possível o saque de conta conjunta solidária, em que um dos cotitulares é o falecido e o outro, muitas vezes, o herdeiro, deve-se ter a seguinte cautela. Se o saque não respeitar o direito sucessório de todos os herdeiros, aquele ou aqueles que se beneficiaram do saque poderão sofrer a cobrança judicial dos demais herdeitos.
Há precedente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que se deve respeitar o direito sucessório. Veja-se o Recurso Especial nº 1.836.130:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO.
INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. CONTA
CORRENTE BANCÁRIA COLETIVA E SOLIDÁRIA. SOLIDARIEDADE
ESTABELECIDA APENAS ENTRE OS CORRENTISTAS E A INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. INAPLICABILIDADE A TERCEIROS. CONSTRIÇÃO DE VALORES DE
COTITULAR EM VIRTUDE DO INADIMPLEMENTO DE NEGÓCIO CELEBRADO
PELO OUTRO COTITULAR. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DO COTITULAR
ATINGIDO DE PROVAR A PROPRIEDADE EXCLUSIVA DE VALORES. APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA DA PRESUNÇÃO DE COTITULARIDADE IGUALITÁRIA SE
IMPOSSÍVEL A COMPROVAÇÃO. EXTENSÃO DO ENTENDIMENTO PARA A
HIPÓTESE DE FALECIMENTO DE UM DOS COTITULARES. RESPEITO AO
DIREITO SUCESSÓRIO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. NECESSIDADE DE
INCLUSÃO NO INVENTÁRIO E NA PARTILHA. PENA DE SONEGADOS.
COMPROVAÇÃO DE DOLO, FRAUDE OU MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA NA HIPÓTESE.
1- Ação ajuizada em 03/11/2016. Recurso especial interposto em
17/09/2018 e atribuído à Relatora em 06/03/2019.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve omissões
relevantes no acórdão recorrido; (ii) se, falecendo um dos cotitulares de
conta corrente conjunta, o saldo existente deve ser objeto de inventário e de
partilha entre os herdeiros e, se a resposta for positiva, se deve ser aplicada
a pena de sonegados ao cotitular que não colacionou o referido valor.
3- Não há violação aos arts. 1.022, I e II, e 1.025, ambos do novo CPC, na
hipótese em que todas as questões relevantes suscitadas são enfrentadas
pelo acórdão, ainda que contrariamente aos interesses da parte.
4- Na conta corrente bancária coletiva e solidária, cada cotitular possui o
direito de movimentar a integralidade dos fundos disponíveis, sendo que a
solidariedade se estabelece apenas entre os correntistas e a instituição
financeira mantenedora da conta, mas não em relação a terceiros.
Precedentes.
5- O cotitular de conta corrente conjunta não pode sofrer constrição em
virtude de negócio jurídico celebrado pelo outro cotitular e por ele
inadimplido, podendo, nessa hipótese, comprovar os valores que compõem o patrimônio de cada um e, na ausência ou na impossibilidade de prova nesse
sentido, far-se-á a divisão do saldo de modo igualitário. Precedentes.
6- Esse mesmo entendimento deve se aplicar na hipótese de superveniente
falecimento de um dos cotitulares da conta corrente conjunta, na medida
em que a atribuição de propriedade exclusiva sobre a totalidade do saldo ao
cotitular remanescente representaria grave ofensa aos direitos sucessórios
dos herdeiros necessários, de modo que a importância titularizada pelo
falecido deverá, obrigatoriamente, constar do inventário e da partilha.
7- Não sendo possível esclarecer a autoria, a propriedade e a origem dos
aportes realizados na conta corrente conjunta, deverá incidir a presunção de
que o saldo existente na conta corrente ao tempo do falecimento pertencia
a ambas as partes em igualdade de condições, razão pela qual o valor deve
ser dividido em quotas-parte idênticas.
8- Considerando que a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que
a aplicação da pena de sonegados pressupõe a prova de dolo, fraude ou
má-fé, com ressalva pessoal de entendimento desta Relatora, não se afigura
razoável a aplicação da referida penalidade na hipótese em que a autoria,
propriedade e origem dos recursos existentes na conta corrente conjunta
mantida pelo autor da herança é duvidosa.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, com inversão da
sucumbência.
Portanto, uma das análises a ser feita é se esse montante a ser sacado respeita o direito de todos os sucessores.
IV – A questão relativa ao ITCD em Minas Gerais
Como já foi mencionado, o imposto de transmissão causa mortis é regulamentado por cada Estado. De modo que, caso a caso, deve-se fazer uma leitura da legislação estadual.
No caso de Minas Gerais, o Decreto nº 43.981/2005 estabelece isenção do imposto sobre a “remuneração oriunda da relação de trabalho ou a rendimento de aposentadoria ou pensão não recebido em vida pelo de cujus da fonte pagadora”. (art. 5º Decreto 43.981/2005). Sendo que, para o caso acima, não deve se considerar os saldos individuais de FGTS ou PIS/PASEP; restituições relativas a imposto de renda e demais tributos e verbas trabalhistas de caráter indenizatório.
Portanto, é importante que se saiba qual a natureza do numerário existente na conta corrente do de cujus, para que o co-titular da conta bancária tenha mais tranquilidade de realizar o saque frente ao Estado.
V – Conclusão
Se o falecido deixou numerário em conta bancária, a instituição bancária impedirá os herdeiros de realizarem o saque, salvo: a) se houver a nomeação de inventariante ou a abertura de inventário; b) se houver decisão judicial autorizando o saque.
Já se a conta for conjunta, sendo o falecido um dos cotitulares, o outro titular poderá sacar o numerário, em sendo a conta solidária. Só há duas preocupações para tanto: a) verificar se o montante é isento de ITCD, sob pena de se estar fraudando o Estado; b) verificar se os direitos dos sucessores estão sendo respeitados, sob pena de o beneficiário do saque ser cobrado judicialmente.
Na dúvida, é sensato que o interessado procure um advogado especializado para uma melhor avaliação.