Como funciona a parceria para loteamento?

ago 12, 2020

O mercado imobiliário, apesar de sua oscilação, está em alta. Sobretudo a questão dos loteamentos. Diversas empresas têm realizado loteamentos para a venda de terrenos a adquirentes. O mercado está aquecido, as construtoras estão investindo e os corretores têm se dedicado na venda desses imóveis.

No caso dos loteamentos, por vezes empresas procuram proprietários de terras para a realização de uma parceria. Grosso modo, a empresa e o proprietário da terra (seja ele pessoa física ou pessoa jurídica) ajustam entre si um contrato, que pode estar formatado de diversas formas, para a venda desses lotes a futuros adquirentes.

Assim, merece atenção a formatação desse negócio entre o proprietário da terra e a empresa que executará o loteamento. Qual seria a formatação ideal que atendesse a ambos? No presente artigo, serão trazidas algumas das formatações possíveis na relação entre o proprietário da terra e a empresa.

I – Contrato de Parceria

a) Como funciona?

Talvez a modalidade mais usual e tradicional do mercado seja o contrato de parceria. Neste instrumento, o proprietário da terra e a empresa executora celebram uma parceria. De modo que não há a transmissão da propriedade para a empresa. A propriedade continua em nome do proprietário originário e a empresa toma todas as iniciativas para o loteamento em nome do proprietário.

Nesta modalidade, o proprietário e a empresa executora partilham lucros e receitas.

b) Quais as vantagens e desvantagens para as partes?

Uma das vantagens para o proprietário é que não há a transferência do imóvel a empresa parceira. De forma que, havendo a inadimplência do loteador, o proprietário pode resolver o contrato e dar continuidade ao loteamento com terceiro.

Outra vantagem para o proprietário da terra é que não há custo com a transmissão da terra, tais como imposto de transmissão e emolumentos. E, ainda, há a distribuição de receita entre as partes e a tributação obedecerá o regime de cada uma delas.

Há, porém, desvantagens nessa modalidade. Dentre elas, para o proprietário, estão eventuais riscos de o proprietário ser acionado judicialmente por omissão na aprovação, execução e vendas do loteamento. Outra desvantagem para o proprietário é, no caso de desfazimento do contrato com o loteador, de o próprio proprietário ter de conduzir, por si ou por terceiros, a continuidade das obras.

Como desvantagem para o loteador cita-se o surgimento de apontamento em nome do proprietário que possa inviabilizar o empreendimento, com o bloqueio da matrícula e recebíveis.

c) Garantias

Em regra, como não há transferência da propriedade para o loteador, não se exige garantia. No entanto, nada impede que as partes, com total liberdade de negociação, estabeleçam garantia para o negócio.

d) Tributação

A questão deve ser tratada em vista do Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação – CST da SRF nº 15/1984.

O parecer examina “a forma de tributação aplicável à hipótese de uma associação entre um proprietário de uma área de terras com uma pessoa jurídica para a prática de operação imobiliária, à qual assistirá executar e promover o empreendimento de loteamento, e cuja receita operacional consiste na participação proporcional no preço de venda das unidades imobiliárias, segundo um percentual convencionado entre as partes”.

II – A constituição de uma Sociedade de Propósito Específico entre as partes

a) Como funciona?

Outra formatação viável é a escolha pela constituição de uma SPE entre o loteador e o proprietário da terra. Trata-se de alternativa quando uma das partes tem receio de executar a parceria.

Pelo proprietário, pode haver receio de que a manutenção da propriedade em seu nome possa gerar problemas ambientais, criminais, civis, trabalhistas ou fiscais decorrentes das obras do loteamento. Já pelo loteador, o receio pode ocorrer na eventual existência de apontamento em nome do proprietário que o prejudique, bloqueando os lotes ou causando a constrição de recebíveis.

Na utilização dessa formatação, recomenda-se a realização de um acordo de quotistas, com previsão das regras aplicáveis e responsabilidades.

b) Quais as vantagens e desvantagens para as partes?

Dentre as vantagens dessa formatação, destaca-se a “separação” dos lotes do patrimônio de ambos, de modo que eventual problema envolvendo os sócios tem menor chance de afetar a sociedade. Outra questão é a administração e contabilidade profissionais, relativas ao loteamento. De modo que haja tratamento unificado quanto a essas questões. E com uma sociedade única regulando as relações entre loteador e proprietário, eventuais cessões de recebíveis e securitizações ficam mais simples.

Quanto as desvantagens, pode-se citar a necessidade de pagamento de imposto de transmissão e custos com a transferência do terreno. Cite-se, ainda, a responsabilidade solidária dos sócios perante terceiros em caso de dívidas ou questões advindas da execução da obra e venda.

Há, ainda, a necessidade de transferência de quotas do capital social para ajustar participação entre as partes.

c) Garantias

Nesta modalidade, é comum que o proprietário da terra exija uma garantia do loteador. Isto ocorre porque o proprietário integraliza o terreno no capital social da empresa antes mesmo do registro do loteamento.

d) Tributação

A tributação com os recebíveis ocorre dentro da própria sociedade, de forma que na distribuição aos sócios não há necessidade de nova tributação.

III – A constituição de uma Sociedade em Conta de Participação

a) Como funciona?

Nesta formatação, que tem sido cada vez mais aceita e utilizada, se constitui uma SCP figurando o loteador como sócio ostensivo e o proprietário como sócio participante (anteriormente chamado de sócio oculto).

Nesta sociedade, “perante terceiros” aparece o sócio ostensivo, como se não houvesse sócio participante. De forma que terceiros contratam apensa com o ostensivo.

Como a SCP não tem patrimônio próprio, a transferência do terreno para a sociedade ocorre como dação em pagamento ao patrimônio da sociedade.

b) Quais as vantagens e desvantagens para as partes?

Dentre as vantagens desta modalidade, destaca-se, para o proprietário, a mitigação total da responsabilização de problemas perante terceiros envolvendo a realização do loteamento. Há, ainda, o benefício de que o nome do proprietário não estará envolvido no loteamento, eis que sócio participante.

Do ponto de vista do loteador, não haverá o risco de bloqueio da matrícula em virtude de óbices oriundos do nome do proprietário.

Das desvantagens, destacam-se os custos com a transferência do terreno (imposto, emolumentos, etc); a realização de distribuição ao sócio participante apenas dos lucros, e não de recebíveis. Para o proprietário, destaca-se condições comerciais mais limitadas para não desvirtuar a natureza da sociedade em conta de participação.

c) Garantias

Nada impede que haja a estipulação de uma garantia, como a obrigação de contratação de seguro garantia de obras pela sociedade em conta de participação constituída pelo loteador.

d) Tributação

Toda a receita é tributada na sociedade, de modo que não há nova tributação na distribuição de dividendos ao sócio ostensivo.

IV – Outras formatações

Há, ainda, outras formatações como a escolha da utilização de consórcio entre loteador e proprietário. No consórcio, a relação entre as partes é regrada através do Termo de Constituição e do Regulamento Interno.

Antes da escolha pelo consórcio, é preciso analisar a higidez das potenciais empresas consorciadas. Sendo que, em determinadas situações, o consórcio pode apresentar riscos.

V – Qual a melhor formatação, enfim?

Não há como selecionar a melhor formatação. O que se deve fazer é analisar as características e peculiaridades de cada uma delas para adequação ao caso concreto. De modo que deve haver ampla negociação entre as partes, para que a formatação do empreendimento se dê de maneira transparente e que atenda a ambos os interesses.

Assim, através de uma consultoria jurídica especializada e de tratativas transparentes entre as partes é possível que todos saiam ganhando com o empreendimento.

A criação do condomínio de lotes: entenda o que mudou com a Lei 13.465/17

dez 30, 2017

Nos tempos idos, com o crescimento das cidades ouvia-se muito falar nos “condomínios fechados”, que inclusive continuam existindo e seguem em plena ascensão no Brasil. Outrora, o termo “condomínio fechado” era considerado atécnico, como será analisado a seguir. Isto porque quando se dizia “condomínio fechado”, queria-se efetivamente referir ao chamado loteamento. Um loteamento, nos termos do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79 é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos e prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. As vias e espaços públicos são transferidos à titularidade do Município (art. 22 da Lei 6.766/79). Ademais, voltando ao termo atécnico “condomínio fechado”, é preciso entender também o que é condomínio. Tendo em vista que o termo menciona esta palavra. Vejamos. Existem três formas de condomínio em nosso ordenamento jurídico: o voluntário, o necessário e o edilício. E neste ponto vamos tratar especificamente do condomínio edilício, regulamentado pela Lei 8.245/91. Aí, cada condômino possui a propriedade exclusiva da unidade privativa e cada unidade recebe matrícula própria no cartório de registro de imóveis. É o famoso prédio de apartamentos em que grande parte da população vive, que possui sua unidade privativa (o apartamento) e a área comum, cuja fração ideal do solo é de titularidade do condômino. Neste caso não há vias públicas, grosso modo todo o prédio é do particular (condôminos, cada qual com sua parte). Portanto, o chamado “condomínio fechado” não é condomínio edilício, mas na verdade loteamento, pois o que realmente ocorre na prática é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação. Ou seja, cada lote é uma unidade de propriedade individual. E como as vias são públicas, normalmente o Município concede o uso exclusivo das áreas públicas daquele empreendimento aos proprietários de lotes. E confere à associação formada pelos moradores a competência para gerir a “coisa comum”que, diga-se, é de propriedade pública, mas com uso cedido ao particular. Com esta realidade, a figura do popularmente conhecido “condomínio fechado” ficou de fora da correta regulamentação do direito, já que não existia na legislação uma regulamentação específica. O que por um bom tempo gerou insegurança jurídica, pois muitos cartórios, corregedorias estaduais e municípios não reconheciam esta figura. Além disso, houve controvérsia ao se atribuir ao proprietáriodo lote a obrigatoriedade na cobrança da taxa de associação, por serviços prestados. O que, fazendo um paralelo com o condomínio edilício, seria a taxa condominial. Quanto a isto, o STJ decidiu poucas vezes e de maneira não unânime. Acompanhe os julgados:
CIVIL. LOTEAMENTO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. O proprietário de lote não está obrigado a concorrer para o custeio de serviços prestados por associação de moradores, se não os solicitou. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp: 444931 SP 2002/0067871-2, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 12/08/2003, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 06.10.2003 p. 269RJADCOAS vol. 52 p. 68) Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de pagamento. – O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes.(STJ – AgRg no REsp: 490419 SP 2003/0007665-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/06/2003, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: –> DJ 30/06/2003 p. 248)
No entanto, em julgamento no âmbito da sistemática de recursos repetitivos, o STJ definiu que “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram“(REsp 1439163/SP). Diante de toda a problemática acima apresentada, o legislador criou a Lei número 13.465/17, uma verdadeira colcha de retalhos que modificou diversas legislações afetas ao Direito Imobiliário. Dentre as quais, houve a criação do chamado Condomínio de Lotes e Loteamento de Acesso Controlado. Houve, portanto, a inserção do art. 1.358-A no Código Civil brasileiro, segundo o qual

Art. 1.358-A.  Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

Na verdade, o chamado condomínio de lotes nada mais é do que um desdobramento do condomínio edilício vertical (o de casas) de que tratava o art. 8º da Lei nº 4.591/2017. Mas esta modalidade não cria lotes, mas unidades imobiliárias vinculadas a uma fração ideal do solo e das áreas comuns. Essas unidades autônomas consistem necessariamente em construções existentes, e não em lotes avulsos.

Já o novo dispositivo inserido na lei civil passa a permitir a criação de um condomínio composto por lotes, que estarão necessariamente vinculados a uma fração ideal das áreas comuns na proporção a ser definida no ato da instituição. Ou seja, na prática as vias e áreas comuns não serão de propriedade do município, e sim de propriedade privada, pertencendo aos titulares do lote na proporção de sua respectiva fração ideal.

O que naturalmente acabará com a discussão acerca da compulsoriedade no pagamento da taxa de associação, tendo em vista que neste caso haverá a instituição de condomínio, de forma que serão cobrados de cada particular taxas condominiais, e não aquela taxa de associado acima referida.

Como se não bastasse, foi criada também a figura do “loteamento de acesso controlado”, art. 2º, parágrafo 8º da Lei 6.766/79, vejamos:
§ 8o  Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.
Já esta figura consiste no parcelamento em que resultam lotes sob forma de imóveis autônomos, e não como unidades condominiais. O que possibilitará a instalação de portarias nas ruas com o controle da entrada de pessoas e veículos, a depender de ato administrativo do município. Com as novidades trazidas pela legislação, espera-se que algumas antigas discussões sejam pacificadas e deve-se aguardar o amadurecimento da aplicação das novas figuras.