Airbnb: sua regulamentação é necessária?

maio 14, 2019

O mundo mudou. Trata-se de uma das frases e ideias mais clichês da atualidade. Mas é a mais pura verdade: o mundo mudou! A maneira como as pessoas se relacionam e a maneira que os serviços a elas são prestados atualmente diferem completamente de como isso era feito em tempos nem tão longínquos assim. Atualmente, se você quer assistir a um filme você acessa a netflix, sem sair de casa; se você quer agendar uma viagem, você acessa seu aplicativo do Airbnb; se pretende contratar qualquer serviço, tenha certeza que há sempre um aplicativo à sua disposição. Diante desta situação e tendo em vista o mercado imobiliário no Brasil, surge a necessidade de debater especificamente acerca da locação por temporada através de aplicativos, como o Airbnb. Sendo assim, este artigo abordará questões jurídicas acerca da locação por temporada, como a necessidade ou não de sua regulamentação e outras questões polêmicas sobre este instigante assunto. Inicialmente, evitando-se entrar abruptamente no assunto, é preciso delinear um contexto histórico sobre o início da upstart AirBNB. Em 2007, Brian Chesky e Joe Gebbia iniciaram o projeto do então AirBed & Breakfast – popularmente conhecido como AirBNB – como um jeito de pagar o aluguel. O que eles não imaginavam é que haveria uma crescente no negócio que hoje se tornou um gigante. Tudo começou basicamente quando Chesky se mudara para San Francisco, tendo perguntado a Gebbia se aquele poderia alugar o sofá da casa deste por 500 dólares mensais, em vez de pagar pelo quarto todo. Foi também nesta época que Gebbia mandou a Chesky o e-mail que mudaria sua vida, em que escreveu:
“Pensei numa maneira de ganhar uns trocados – transformar o nosso apartamento num bed and breakfast para designers – oferecendo aos jovens designers que venham à cidade um lugar para passar a noite durante os quatro dias do evento, complementado com Wi-Fi, um pequeno escritório, colchão de dormir e café da manhã todos os dias. Rá!”
Desde então, apesar de turbulências relativas a todos os negócios, o AirBNB viveu uma crescente no mercado. Esta crescente foi tão rápida, que em 2010 o AirBNB já contava com quase 85 mil usuários, 12 mil propriedades cadastradas e 3.234 cidades em mais de 126 países. Em 2018, estes números chegaram a mais de 60.000.000 de hóspedes, 1,5 milhão de hospedagem em mais de 34 mil cidades e 191 países. No entanto, assim como outras upstarts, o negócio de Chesky e Gebbia esbarrou, em todo o mundo, em questões regulatórias acerca do setor hoteleiro e questões de responsabilidade civil. Um dos problemas surgiu quando uma anfitriã, que fornecia seu apartamento como compartilhamento no AirBNB teve seu imóvel em São Francisco roubado e vandalizado por um hóspede que o alugara por uma semana pelo AirBNB. Essa anfitriã criticou severamente o AirBNB nas redes sociais. Esta situação causou tanto alvoroço na época que o assunto se transformara em trending topic no twitter. No que concerne aos problemas regulatórios, estes talvez sejam de maior conhecimento do público em geral. A administração pública das cidades, ao longo do tempo, começou a perceber o crescimento do aplicativo de compartilhamento de casas e começou a se manifestar. A título de exemplo, citem-se as dificuldades do aplicativo em cidades como Washington, Nova Iorque, Berlim, Barcelona e Paris. Desta forma, surgem dúvidas acerca da experiência vivida com o AirBNB, que passam por questões como a responsabilidade civil do AirBNB perante seus anfitriões, a natureza jurídica da relação entre os clientes, os anfitriões e o AirBNB, a incidência ou não de impostos nestas propriedades, dentre questões outras. Visando solucionar algumas omissões que existem na locação por aplicativos, há no congresso dois projetos de leis federais, conforme será demonstrado a seguir. Atualmente, o Projeto de Lei 2.474/2019, de autoria do Senador de Ângelo Coronel, pretende modificar a Lei do Inquilinato – Lei 8.245/91, inserindo, dentre outros dispositivos, o seguinte:
Art. 50-A. É vedada a locação para temporada contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios edilícios de uso exclusivamente residencial, salvo se houver expressa previsão na convenção de condomínio prevista no art. 1.333 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
Ou seja, caso seja este projeto aprovado, a regra nos condomínios será da proibição da utilização de aplicativos para a locação por temporada, exceto se estiver expressamente disposto na convenção do condomínio. Uma situação que modifica completamente a regra atual. A de que não há vedação, salvo se previsto em convenção de condomínio. Aliás, esta é uma outra questão polêmica. Pode o condomínio proibir a locação pelo aplicativo AirBNB? Quando acaba o direito de o proprietário usar sua propriedade e quando começa o direito da coletividade de condôminos ditar regras acerca da matéria? Sobre este tema, você pode visualizar um artigo específico que escrevi, clicando aqui (“Pode o condomínio proibir locação por temporada através da utilização do AriBNB?). Voltando a questão dos projetos de lei sobre a matéria, existe também o Projeto de Lei do Senado nº 748/2015, de autoria do Senador Ricardo Ferraço, cujo texto pretende também alterar a Lei do Inquilinato no sentido de que não descaracterizam a locação por temporada o “oferecimento de imóveis residenciais para locação, em todo ou em parte, por meio de sítios eletrônicos ou aplicativos”. Trata-se de um projeto mais maleável que o outro, em que pretende tratar a locação do AirBNB como locação por temporada, regulamentado pela Lei do Inquilinato. Ambos os projetos, atualmente, encontram-se arquivados, tendo em vista o final da legislatura de 2018. Mas nada impede que sejam retomados ou que novos projetos como estes sejam iniciados. Ainda, no que concerne a regulamentação do AirBNB no país, é preciso lembrar que do ponto de vista das cidades,  Caldas Novas regulamentou a matéria, especialmente no que concerne a sujeição de pagamento de impostos municipais e a sujeição à lei do inquilinato. Trata-se da Lei Complementar 99/2017, segundo a qual o proprietário do imóvel oferecido por aplicativo
“deve informar ao fisco municipal, preferencialmente através de plataformas específicas on-line de comunicação, o recolhimento da taxa anual de funcionamento e do imposto sobre o serviço de qualquer natureza, decorrentes da prestação remunerada de seus imóveis residenciais”
Com efeito, trata-se de uma inovação, vez que o Município de Caldas Novas foi o primeiro a regulamentar a questão no âmbito municipal. Outra cidade que o regulamentou foi Ubatuba/SP, com a edição da Lei nº 4050/17, que se aplica a hospedagens por período igual ou inferior a 45 dias. E tanto a legislação de Ubatuba quanto a legislação de Caldas Novas estabelecem que a locação por temporada devem ser autorizada na convenção de condomínio, no mesmo sentido que pretende o projeto de lei federal nº 2.474/2019, como já explicitado acima. Por fim, acredita-se que é interessante uma regulamentação, no entanto esta deveria ser após muito debate sobre a matéria. Afinal, se trata de matéria controvertida, uma vez que divide opiniões. FONTES: O autor retirou informações de: Livro: As upstarts, Como a Uber, o Airbnb e as Killer Companies do Novo Vale do Silício Estão Mudando o Mundo, de Brad Stone; Artigo: Desafios Regulatórios do Caso Airbnb: a intervenção do estado no modelo econômico colaborativo, de Jordana Viana Payão e Jonathan Barros Vita. Disponível em: http://seer.upf.br/index.php/rjd/article/download/7855/4802/

Pode o condomínio proibir locação por temporada através da utilização do AirBNB?

mar 17, 2018

Síndicos e moradores diariamente discutem sobre as mais variadas questões em condomínios. E algo ultimamente muito debatido em alguns condomínios é sobre a utilização do imóvel residencial para locação por temporada, através de sites e aplicativos, como o AirBNB. Mas afinal, pode o condomínio proibir que o proprietário utilize seu imóvel para a locação por temporada? Bom, antes de responder à questão acima é preciso entender o que a lei entende por locação por temporada. E para isto é preciso observar o art. 48 da lei 8.245/91:
Art. 48. Considera se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
Portanto, grosso modo a locação por temporada é aquela de até 90 (noventa) dias e sem prazo mínimo. É preciso, ainda, observar o que diz o Código Civil sobre o direito do proprietário de um imóvel, vejamos:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Trata-se do direito do uso, do gozo, de fruição e de disposição. Ou seja, o proprietário do imóvel tem o direito, por exemplo, de alugar o imóvel e receber os alugueis. Ademais, a Constituição Federal garante, em seu art. 5º, XXII o direito de propriedade. Portanto, em que pese o condomínio possuir áreas comuns, que devem se sujeitar a regras da coletividade de moradores, os apartamentos ou casas, áreas estas consideradas privativas, sujeitam-se ao direito de propriedade de cada proprietário. É claro que sua utilização deve ser feita com bom senso, de forma a não ofender direito alheio. Não se pode, por exemplo, extrapolar no barulho em horários inapropriados de forma a prejudicar o vizinho. Ultrapassada a questão acima, é preciso entender por que razão alguns condomínios pretendem proibir a utilização da propriedade dos condôminos para a locação por temporada. E uma reflexão a ser feita é: por que não existe semelhante proibição na locação tradicional? Afinal, a única diferença dentre elas é o fator tempo. A primeira é por até 90 (noventa) dias, enquanto que para a última não existe esta limitação. Em geral, o argumento referente à proibição da locação por temporada é a questão da segurança. A utilização destes imóveis por temporada leva a uma alta rotatividade de pessoas nos condomínios, o que pode prejudicar a segurança destes locais. E a discussão sobre o tema já chegou aos tribunais brasileiros. O Superior Tribunal de Justiça, em 2017, decidiu que o condomínio não pode proibir a locação por temporada, tendo em vista que prevista em lei, confira:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.174.291 – SE (2017/0240403-5) RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE AGRAVANTE : CONDOMÍNIO RESIDENCIAL CLUBE ATALAIA ADVOGADO : ROBERTO BALDO CUNHA E OUTRO (S) – SE000046B AGRAVADO : TEREZA CRISTINA CERQUEIRA DA GRACA ADVOGADO : PATRÍCIA TAVARES DE OLIVEIRA E OUTRO (S) – SE003532 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. LOCAÇÃO POR PRAZO INFERIOR A 30 (TRINTA) DIAS. OMISSÃO DO TRIBUNAL ESTADUAL QUANTO AO CUMPRIMENTO DO REGIMENTO INTERNO E DA CONVENÇÃO COLETIVA, QUE FAZEM LEI ENTRE OS CONDÔMINOS, OS QUAIS NÃO SE OPÕEM A NORMA LEGAL. QUESTÃO OPORTUNAMENTE SUSCITADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA NOVO JULGAMENTO DOS DECLARATÓRIOS. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO (…) In casu, verifico que a utilização dos apartamentos para locação por temporada é uma prática corriqueira e legal, inclusive com previsão no artigo 48 da Lei 8.145/91. (…) Ora, muito bem ponderou o magistrado a quo: (…) o Código Civil assegura aos proprietários o direito de gozar de seus bens. Igualmente, a lei de locações determina que os aluguéis temporários possuem prazo máximo de noventa dias (art. 48). Diante dessas circunstâncias, convém perceber que a norma regimental encontra-se em expresso descompasso com a legislação, pois ao estabelecer apenas um prazo máximo para os alugueis por temporada, a norma, a contrario sensu, autoriza tal instituto por qualquer prazo inferior a este. É evidente o silêncio eloquente do legislador, pois poderia ter estabelecido prazo mínimo, mas contentou-se em apenas ditar o prazo máximo para essa modalidade de contrato.”(…) Desta maneira, não há nenhuma ilegalidade o fato da autora/agravada promover a locação do seu apartamento a pessoas estranhas ao condomínio por curto período de tempo. Inexistente, portanto, plausibilidade nas alegações do recorrente, razão pela qual impõe-se manutenção da decisão agravada. (…) (STJ – AREsp: 1174291 SE 2017/0240403-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 24/11/2017)
Ainda sobre o entendimento de nossos tribunais, no final de 2016, o Tribunal de São Paulo concedeu tutela antecipada para que um morador pudesse locar seu apartamento para determinada temporada. O condomínio na ocasião tentava impedir. Na decisão, a Relatora salientou que, desde que resguardados os direitos à segurança e sossego dos demais condôminos, “não há justificativa plausível para restringir o exercício do direito de propriedade do agravante sobre sua unidade condominial” (TJSP, AI 2215036-11.2016.8.26.0000, julgado em 06/12/16). Apesar dos entendimentos acima, o Tribunal de Pernambuco, em 2016, entendeu a questão de outra forma, vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. LOCAÇÃO POR TEMPORADA DE CÔMODOS EM APARTAMENTO. VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. EDIFÍCIO EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL. USO NOCIVO DA PROPRIEDADE. UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL DE MANEIRA PREJUDICIAL À SEGURANÇA, SOSSEGO E BEM ESTAR DOS DEMAIS CONDÔMINOS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Hipótese em que a ré/agravante promove a locação de cômodos de seu apartamento a pessoas estranhas ao condomínio por curto período de tempo (dias, semanas), mediante veiculação de anúncios e propagandas em sites da internet, com a alteração do nome do condomínio para “ART SUÍTES HOME BOA VIAGEM BEACH”. Tal atividade denota prática nitidamente comercial, destinando o apartamento da agravante a espécie de hospedaria/albergue, o que é vedado pela convenção condominial, que atribui caráter exclusivamente residencial do edifício e veda a destinação diversa das suas unidades imobiliárias. 2. Nos termos do art. 1.333 do Código Civil, a convenção de condomínio é obrigatória a todos os titulares de unidades imobiliárias no edifício. Já o art. 1.336, IV, apregoa que é dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”. (…) (TJ-PE – AI: 4295245 PE, Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 08/06/2016, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/07/2016)
Portanto, verifica-se que a questão não é decidida de forma pacífica em nossos tribunais. Com a licença da palavra, o entendimento correto não seria pela proibição da locação por temporada nos condomínios, mas pela regulamentação desta prática em suas convenções e regimentos internos, com regras claras e rígidas sobre a questão. Assim, o proprietário não teria seu direito de propriedade maculado e o condomínio poderia evitar futuros conflitos com os condôminos. É preciso observar, ainda, que à partir do momento que o condomínio estabelecer tais regras, é preciso que o proprietário, ao anunciar seu imóvel em sites e aplicativos de locação, deixe bem claro as regras aplicáveis no condomínio.