Posso perder minha laje?

set 24, 2018

O presente artigo foi motivado por uma dúvida de um inscrito em meu canal do youtube (aliás, se você não conhece meu canal, acesse www.youtube.com/DicasDireito) sobre a possibilidade da perda da propriedade de sua laje por usucapião. Para a compreensão de qualquer leitor, antes de qualquer explanação é preciso esclarecer o que vem a ser a usucapião. A usucapião ocorre quando alguém adquire a propriedade de um bem por manter sobre ele sua posse mansa e pacífica. Ou seja, caso determinada pessoa possua como sua a posse (resida em um imóvel, por exemplo) de um bem, por determinado tempo e sem que ninguém reclame, ela pode adquirir este bem para si, através da usucapião. Ultrapassada esta questão introdutória, é preciso esclarecer o que é o Direito Real de Laje. O Direito real de laje foi inserido na legislação através da Lei nº 13.465/17. Esta lei criou o instituto do Direito de Laje visando a regularização de imóveis irregulares, sobretudo as favelas. É a possibilidade de que o titular da laje obtenha para si a propriedade da laje, independentemente da propriedade da construção-base. Portanto, agora é possível que aquele que reside na laje adquira para si a propriedade somente daquela laje, sendo que não necessariamente terá de ser o proprietário da construção-base. É importante, no entanto, que a entrada da laje seja independente da entrada da construção-base. O direito de laje está descrito no art. 1.510-A do Código Civil, vejamos:
“O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.
E há diversas situações em que pessoas deixam parentes, amigos ou até terceiros residirem na laje de suas residências. Nestes casos aconselha-se que este “empréstimo” da laje, ou sua locação (sendo o caso) sejam formalizados por escrito. Isto porque a justiça entende que é possível que o titular da laje adquira sua propriedade através da usucapião. Em decisão de 2017, na época considerada inédita no país, a justiça determinou o seguinte (Processos números 0027691-84.2013.8.17.0001 e 0071376- 44.2013.8.17.0001, do TJ-PE):
“Por outro lado, observo que a casa 743-A foi construída na superfície superior da casa 743, de modo que a pretensão de aquisição da propriedade mais se coaduna ao direito de laje, previsto no art. 1.510-A do Código Civil, que assim dispõe: Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. dcm 5 Desta feita, tendo havido a cessão do Sr. José Carlos da Silva da casa 743-A em favor da sua filha, Ladyane, autora da segunda ação, devidamente registrada em cartório, há que ser reconhecido o seu direito de laje, devendo o bem possuir registro próprio e dele podendo a autora usar, gozar e dispor“.
Portanto, é possível que aquele possui a posse sobre uma determinada laje adquira para si a propriedade. Como também é possível que o proprietário de toda a residência perca a laje, caso perca sua posse para terceiro e este, preenchidos os requisitos legais, entre com usucapião sobre a laje. Assim, reitera-se que, caso o proprietário pretenda emprestar a laje para um parente ou amigo, o ideal é que formalize este empréstimo através de um contrato de comodato ou, caso venha alugar aquela laje, o faça por meio de um contrato de locação, por escrito.    

A criação do condomínio de lotes: entenda o que mudou com a Lei 13.465/17

dez 30, 2017

Nos tempos idos, com o crescimento das cidades ouvia-se muito falar nos “condomínios fechados”, que inclusive continuam existindo e seguem em plena ascensão no Brasil. Outrora, o termo “condomínio fechado” era considerado atécnico, como será analisado a seguir. Isto porque quando se dizia “condomínio fechado”, queria-se efetivamente referir ao chamado loteamento. Um loteamento, nos termos do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79 é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos e prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. As vias e espaços públicos são transferidos à titularidade do Município (art. 22 da Lei 6.766/79). Ademais, voltando ao termo atécnico “condomínio fechado”, é preciso entender também o que é condomínio. Tendo em vista que o termo menciona esta palavra. Vejamos. Existem três formas de condomínio em nosso ordenamento jurídico: o voluntário, o necessário e o edilício. E neste ponto vamos tratar especificamente do condomínio edilício, regulamentado pela Lei 8.245/91. Aí, cada condômino possui a propriedade exclusiva da unidade privativa e cada unidade recebe matrícula própria no cartório de registro de imóveis. É o famoso prédio de apartamentos em que grande parte da população vive, que possui sua unidade privativa (o apartamento) e a área comum, cuja fração ideal do solo é de titularidade do condômino. Neste caso não há vias públicas, grosso modo todo o prédio é do particular (condôminos, cada qual com sua parte). Portanto, o chamado “condomínio fechado” não é condomínio edilício, mas na verdade loteamento, pois o que realmente ocorre na prática é a subdivisão de glebas em lotes destinados à edificação. Ou seja, cada lote é uma unidade de propriedade individual. E como as vias são públicas, normalmente o Município concede o uso exclusivo das áreas públicas daquele empreendimento aos proprietários de lotes. E confere à associação formada pelos moradores a competência para gerir a “coisa comum”que, diga-se, é de propriedade pública, mas com uso cedido ao particular. Com esta realidade, a figura do popularmente conhecido “condomínio fechado” ficou de fora da correta regulamentação do direito, já que não existia na legislação uma regulamentação específica. O que por um bom tempo gerou insegurança jurídica, pois muitos cartórios, corregedorias estaduais e municípios não reconheciam esta figura. Além disso, houve controvérsia ao se atribuir ao proprietáriodo lote a obrigatoriedade na cobrança da taxa de associação, por serviços prestados. O que, fazendo um paralelo com o condomínio edilício, seria a taxa condominial. Quanto a isto, o STJ decidiu poucas vezes e de maneira não unânime. Acompanhe os julgados:
CIVIL. LOTEAMENTO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO POR SERVIÇOS PRESTADOS. O proprietário de lote não está obrigado a concorrer para o custeio de serviços prestados por associação de moradores, se não os solicitou. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – REsp: 444931 SP 2002/0067871-2, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 12/08/2003, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 06.10.2003 p. 269RJADCOAS vol. 52 p. 68) Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de pagamento. – O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes.(STJ – AgRg no REsp: 490419 SP 2003/0007665-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/06/2003, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: –> DJ 30/06/2003 p. 248)
No entanto, em julgamento no âmbito da sistemática de recursos repetitivos, o STJ definiu que “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram“(REsp 1439163/SP). Diante de toda a problemática acima apresentada, o legislador criou a Lei número 13.465/17, uma verdadeira colcha de retalhos que modificou diversas legislações afetas ao Direito Imobiliário. Dentre as quais, houve a criação do chamado Condomínio de Lotes e Loteamento de Acesso Controlado. Houve, portanto, a inserção do art. 1.358-A no Código Civil brasileiro, segundo o qual

Art. 1.358-A.  Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

Na verdade, o chamado condomínio de lotes nada mais é do que um desdobramento do condomínio edilício vertical (o de casas) de que tratava o art. 8º da Lei nº 4.591/2017. Mas esta modalidade não cria lotes, mas unidades imobiliárias vinculadas a uma fração ideal do solo e das áreas comuns. Essas unidades autônomas consistem necessariamente em construções existentes, e não em lotes avulsos.

Já o novo dispositivo inserido na lei civil passa a permitir a criação de um condomínio composto por lotes, que estarão necessariamente vinculados a uma fração ideal das áreas comuns na proporção a ser definida no ato da instituição. Ou seja, na prática as vias e áreas comuns não serão de propriedade do município, e sim de propriedade privada, pertencendo aos titulares do lote na proporção de sua respectiva fração ideal.

O que naturalmente acabará com a discussão acerca da compulsoriedade no pagamento da taxa de associação, tendo em vista que neste caso haverá a instituição de condomínio, de forma que serão cobrados de cada particular taxas condominiais, e não aquela taxa de associado acima referida.

Como se não bastasse, foi criada também a figura do “loteamento de acesso controlado”, art. 2º, parágrafo 8º da Lei 6.766/79, vejamos:
§ 8o  Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.
Já esta figura consiste no parcelamento em que resultam lotes sob forma de imóveis autônomos, e não como unidades condominiais. O que possibilitará a instalação de portarias nas ruas com o controle da entrada de pessoas e veículos, a depender de ato administrativo do município. Com as novidades trazidas pela legislação, espera-se que algumas antigas discussões sejam pacificadas e deve-se aguardar o amadurecimento da aplicação das novas figuras.