O que acontece se o condomínio ficar inadimplente?

fev 11, 2019

Com relação a temática de dívidas de condomínio, muito se debate sobre a inadimplência do condômino para com o condomínio. Ou seja, aquele condômino que para de pagar o condomínio. É sabido que este pode vir a perder seu imóvel em razão da inadimplência das taxas condominiais. Situação diversa é aquela em que o próprio condomínio deixa de pagar suas despesas. Imagine que o síndico, como representante legal do condomínio, deixe de pagar algumas despesas do próprio condomínio. Neste caso, o que pode acontecer? É sobre esse assunto que o presente artigo pretende tratar, a seguir. O que ocorre quando há inadimplência a um credor? Quando uma empresa ou uma pessoa física fica inadimplente, é sabido que o credor pode cobrar a dívida na justiça. Sendo assim, o patrimônio da pessoa inadimplente deve responder pela dívida. Leia-se, se houver dinheiro em conta pode-se, através de decisão judicial, bloquear e penhorar estes valores. O mesmo ocorre com bens móveis (automóveis, por exemplo) ou imóveis (apartamentos, casas, lojas, etc). Em caso de inadimplência de um condômino é possível, ainda, que este condômino perca seu imóvel, uma vez que a obrigação de pagar o condomínio é obrigação propter rem. O que é obrigação propter rem A obrigação propter rem é aquela que acompanha a coisa. Diz-se própria da coisa. A taxa condominial é propter rem na medida em que o imóvel (a coisa) deve responder pela dívida. Ou seja, quando existe um atraso no pagamento das taxas condominiais, a coisa deve responder. Outro exemplo de obrigação propter rem é a responsabilidade por dano ambiental. Quando uma pessoa, possuidora de um lote, faz intervenção em área de preservação permanente e logo em seguida vende este lote a um terceiro, este responderá pelo dano. Isto porque a própria coisa deve responder. Mas é preciso esclarecer se o condômino pode vir a perder seu imóvel ainda que se trate de bem de família. O que é bem de família? O bem de família pode ser convencional ou legal. O bem de família convencional é aquele escolhido pela família para ser seu bem protegido. Para tanto, é preciso que o interessado lavre uma escritura pública em um cartório de notas visando gerar a inalienabilidade e impenhorabilidade. Já o bem de família legal é aquele em que a Lei nº 8.009/90 estabelece que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”. Existem ressalvas legais. Dentre as exceções cite-se o contido no art. 3º, IV da Lei 8.009/90:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
Assim, o bem de família não pode ser utilizado como argumento para evitar a perda do imóvel por débitos relativos ao imóvel, como as taxas condominiais. Portanto, ainda que se trate de bem de família, regra geral o imóvel responde pelos débitos condominiais. Ou seja, se ficar sem pagar condomínio, pode vir a perder o imóvel para quitar essas despesas. Mas afinal, o que pode ocorrer quando o condomínio fica inadimplente? Situação diferente daquela tratada acima é quando o próprio condomínio fica inadimplente. Imagine-se um condomínio inadimplente com despesas com o jardineiro ou despesas trabalhistas de um porteiro ou zelador, por exemplo. Neste caso, quando o condomínio fica inadimplente com dívidas de terceiros, o que pode ocorrer? Por óbvio, seguindo a lógica, devem ser penhorados bens e dinheiro do patrimônio do próprio condomínio. Exatamente. Mas e se o condomínio não possuir dinheiro ou patrimônio algum, como fica esta situação? Em recente decisão o Superior Tribunal de Justiça entendeu que quando o condomínio deixa de pagar valor devido a terceiro, a natureza da obrigação propter rem das dívidas condominiais pode justificar o redirecionamento de uma execução para os proprietários das unidades individuais, mesmo se o imóvel for bem de família e ainda adquirido depois da sentença que reconheceu o débito. Explique-se. Se o condomínio não possuir patrimônio para responder pela dívida, esta cobrança pode ser redirecionada para os próprios condôminos. Assim, os imóveis dos condôminos deverão responder pela dívida do condomínio. No caso da decisão do STJ, o argumento de que o imóvel seria bem de família não foi suficiente para evitar a penhora. Reconheceu-se exceção à regra do bem de família, contido na Lei 8.009/90. Segundo a própria decisão,
“Em função do caráter solidário das despesas de condomínio, a execução desse valor pode recair sobre o próprio imóvel, sendo possível o afastamento da proteção dada ao bem de família, como forma de impedir o enriquecimento sem causa do condômino inadimplente em detrimento dos demais”
No caso específico desta decisão, fora ajuizada uma ação contra o condomínio. O condomínio inadimplente, por sua vez, não possuía patrimônio para quitar as dívidas. Razão pela qual o STJ autorizou que a cobrança pudesse ser redirecionada aos condôminos, na medida de suas frações ideais. Veja-se a decisão:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO POR DANOS A TERCEIRO. OBRIGAÇÃO DO CONDÔMINO PELAS DESPESAS CONDOMINIAIS, NA MEDIDA DE SUA COTA-PARTE. FATO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE. DÍVIDA PROPTER REM. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. LEI N. 8.009/1990, ART. 3º, IV. 1. Constitui obrigação de todo condômino concorrer para as despesas condominiais, na proporção de sua cota-parte, dada a natureza de comunidade singular do condomínio, centro de interesses comuns, que se sobrepõe ao interesse individual. 2. As despesas condominiais, inclusive as decorrentes de decisões judiciais, são obrigações propter rem e, por isso, será responsável pelo seu pagamento, na proporção de sua fração ideal, aquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária ou seja titular de um dos aspectos da propriedade (posse, gozo, fruição), desde que tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio, ainda que a dívida seja anterior à aquisição do imóvel. 3. Portanto, uma vez ajuizada a execução em face do condomínio, se inexistente patrimônio próprio para satisfação do crédito, podem os condôminos ser chamados a responder pela dívida, na proporção de sua fração ideal. 4. O bem residencial da família é penhorável para atender às despesas comuns de condomínio, que gozam de prevalência sobre interesses individuais de um condômino, nos termos da ressalva inserta na Lei n. 8.009/1990 (art. 3º, IV). 6. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1473484 RS 2014/0185636-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 21/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2018)
Portanto, em resposta ao questionamento que dá título ao presente artigo, quando o condomínio não puder pagar pela dívida que possui, é obrigação dos próprios condôminos, na medida de suas frações ideais.