Como fugir do georreferenciamento de imóveis rurais?

fev 19, 2022

Se você chegou aqui, provavelmente está diante da seguinte situação: precisa vender seu imóvel ou, ainda, precisa realizar alguma questão relativa a seu imóvel e, portanto, precisa realizar o georreferenciamento do imóvel. Sendo ou não sendo esta sua situação, o presente artigo tratará sobre o chamado georreferenciamento e trará, talvez, uma saída para postergar sua realização.

Antes de entrar na questão, ressalto que não existe fórmula mágica. Mas com o profundo conhecimento da legislação e o conhecimento sobre o tema, além da prática notarial e registral, é possível solucionar questões de maneira mais simplificada.

Pois bem. Passamos ao tema de maneira didática, como de costume, para que haja a correta compreensão do leitor.

I – O que é georreferenciamento de imóvel?

O georreferenciamento de imóvel é basicamente um procedimento para definição da forma, dimensão e localização do imóvel, através de levantamento topográfico.

O chamado “geo” foi criado para que fossem eliminadas falhas de levantamentos topográficos antigos, como a sobreposição de áreas junto aos cartórios de registro de imóveis. Essa situação gerava muitas discussões jurídicas e uma certa insegurança aos proprietários.

Portanto, a Lei 10.267 de 2001, alterando alguns dispositivos de outras legislações, trouxe a necessidade da realização do georreferenciamento nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais.

Seu regulamento (Decreto 4.449/2002) trouxe, portanto, a obrigatoriedade do procedimento conforme o tamanho da área. Assim, a cada dia que passa, mais imóveis têm de se submeter ao geo, a saber:

Já vigente para imóveis acima de 250 hectares;

Já vigente para os imóveis com área entre 100 a menos de 250 hectares;

20/11/2023 para os imóveis com área de 25 a menos de 100 hectares;

20/11/2025 para os imóveis com área inferior a 25 hectares.

Dessa forma, se você está lendo esse artigo no ano de 2.022 e se seu imóvel tem entre 25 e 100 hectares, você ainda não está obrigado realizar o geo. Se seu imóvel já tem mais de 100 hectares, já deve realizar o procedimento.

II – Como funciona o georreferenciamento?

De maneira prática, para a realização do procedimento é preciso procurar um profissional técnico (profissional especializado em topografia rural). Esse profissional elaborará uma planta e um memorial descritivo e submeterá a questão ao INCRA.

Para que o procedimento ocorra, é necessário que a planta seja assinada pelos confrontantes diretos (art. 9º, §6º, Dec. 4449/02). Ou seja, aqueles proprietários vizinhos diretos do imóvel que está sendo georreferenciado.

E é justamente a necessidade das assinaturas que, muitas vezes, atrasa sobremaneira o procedimento. Porque enquanto a planta não é completamente assinada pelos confrontantes, ela não entra no cartório de registro de imóveis.

III – É possível a realização do geo sem a assinatura dos confrontantes?

Embora o Decreto 4449/02 tenha trazido a necessidade de anuência dos titulares de direito real confrontantes do imóvel para a realização do geo, a Lei 13.838/2019 alterou a Lei de Registros Públicos para dispensar a anuência dos confrontantes nos casos de desmebramento, parcelamento e remembramento de imóveis rurais.

A questão é instigante, mas como o objetivo do presente artigo não é o aprofundamento da referida dispensa, a questão não será tratada aqui.

Passo, então, ao questionamento que dá o título do artigo.

IV – Como fugir do georreferenciamento?

Verificado todo o contexto acima, existe uma forma de o proprietário “fugir” da realização do georreferenciamento.

O proprietário do imóvel cujo tamanho (no caso do ano de 2022, mais de 100 hectares) já seja exigido o georreferenciamento não conseguirá se aproveitar dessa fuga. Portanto, se este é seu caso, o georreferenciamento é obrigatório.

No entanto, para aquele proprietário de imóveis menores, é possível se utilizar desta fuga. A questão, em uma leitura rasa, pode parecer óbvia. Afinal, se não está no prazo, não há fuga. Apenas não estaria no prazo.

No entanto, há aqueles casos em que o imóvel possui 150 hectares e possui vários coproprietários. Neste caso, se seu Zé das Couves é dono de 12 hectares dentro de um todo (em uma única matrícula), ele não poderia vender seu imóvel a terceiros, uma vez que o registrador de imóveis deve considerar o tamanho total da gleba para interpretar a lei do geo.

Assim, seu Zé das Couves não conseguirá registrar a compra e venda da área de 12 hectares dentro de uma gleba de 150 hectares. Ainda que seja possível lavrar essa escritura, o cartório de registro de imóveis apresentará uma nota devolutiva (um documento explicando que não é possível registrar a compra e venda) exigindo a realização do georreferenciamento.

Mas neste caso, seu Zé da Couves consegue fugir do chamado georreferenciamento. Como? Através da estremação do imóvel. Sob qual fundamento? Para efeitos de estremação de imóvel, há recomendação de que o cartório de registro de imóveis deve considerar o tamanho do imóvel a ser estremado, e não o tamanho do todo (conforme enunciado nº 39 do Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais).

V – O que é estremação?

A estremação (com “S” mesmo) é um procedimento extrajudicial (portanto, não há necessidade de ir para a justiça) em que o proprietário em condomínio pode separar sua parte da matrícula em condomínio. Já escrevi sobre esse tema em meu blog, aqui (embora o artigo esteja desatualizado, consegue explicar bem o procedimento).

Nesta situação, se uma matrícula possui 15 coproprietários, um deles pode realizar uma estremação para sair dessa matrícula. Oportunidade em que se cria uma nova matrícula para esse coproprietário. Daí, seu imóvel será uma matrícula separada com um tamanho inferior àquele da matrícula maior.

No caso de seu Zé das Couves, ele sairia de uma matrícula de 150 hectares para uma matrícula de 12 hectares. Estaria, portanto, fora do prazo para o georreferenciamento. O que o possibilitaria de vender o imóvel sem que o cartório de registro de imóveis exija o procedimento.

VI – A estremação é possível em todo o Brasil?

Você pode estar se questionando que no seu Estado não haveria regulamentação para a estremação. Afinal, a estremação nasceu no Rio Grande do Sul e, atualmente, não possui regulamentação em todos os Estados da Federação.

No entanto, com a entrada em vigor da Lei 13.465/17 e a vinda da Reurb (também já escrevi sobre isso aqui), é possível sim a realização da estremação. Só que neste caso o procedimento passaria necessariamente pelo Município e pelo Cartório de Registro de Imóveis. Ficando a questão, assim, submetida a uma análise mais pormenorizada da legislação municipal.

VII – Conclusão

O tema comentado acima não está nítido na legislação. Portanto, não se trata de questão simples de ser realizada. Assim, se faz relevante procurar um profissional especialista na área para que os procedimentos sejam corretamente conduzidos e haja êxito na regularização.

Fellipe Duarte é advogado especialista e com atuação exclusiva em Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG, subseção Juiz de Fora; co-autor das obras “O direito notarial e registral em artigos, vol IV”, Editora YK e “Atos eletrônicos em notas e registros”, do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

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