Como autenticar documentos digitais no cartório?

jun 09, 2021

O leitor habitual deste BLOG provavelmente conhece a predileção deste autor por temas ligados à tecnologia. Sobretudo àqueles que se relacionam com o universo jurídico, notadamente o Direito Notarial e Registral Imobiliário.

A pandemia do coronavírus, como por vezes explicitado neste espaço, fomentou ainda mais a utilização da tecnologia no universo jurídico. Não bastassem os processos eletrônicos, que já são de conhecimento de boa parte dos advogados, o funcionamento dos cartórios e questões relacionadas à documentação passaram por uma evolução significativa na utilização da tecnologia.

I – Breve histórico da utilização da tecnologia no âmbito dos cartórios

Trazendo um breve histórico da matéria, desde o ano de 2001 a legislação reconhece aos documentos eletrônicos com certificação digital a mesma presunção de veracidade que o Código Civil atribuiu a documentos físicos, em relação a seus signatários. O que ocorreu, à época, com a Medida Provisória nº 2.200, reeditada pelas Medidas Provisórias números 2.200-1 e 2.200-2, respectivamente em 27 de julho e 24 de agosto de 2001.

Conforme o art. 10, §1º da MP 2.200-2, as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas – Brasil) presumem-se verdadeiros entre os signatários.

Já no ano de 2006, a Lei Federal nº 11.382 trouxe a chamada penhora on-line, passando a permitir as penhoras de numerário e averbações de penhoras de imóveis e móveis por meio eletrônico (art. 837, Código de Processo Civil).

Em 2015, o Provimento nº 47 do Conselho Nacional de Justiça criou a obrigatoriedade de haver, em cada Estado e no Distrito Federal, Centrais de Serviços Eletrônicos Compartilhados (SREI) para fins de intercâmbio de documentos entre os Registros de Imóveis, o Poder Judiciário, a Administração Pública e os usuários.

Mais recentemente, em 2019, com o Provimento 89 do Conselho Nacional de Justiça, houve a regulamentação do Código Nacional de Matrículas, o Sistema de Registros Eletrônicos de Imóveis e o Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado (SAEC).

Até aqui, dentro do universo dos cartórios, percebe-se que a maior evolução tecnológica foi a dos cartórios de registro de imóveis.

Com a publicação, em 20 de março de 2020, do Provimento 91 do CNJ (normativa que tratou da suspensão ou redução do atendimento presencial ao público pelas serventias extrajudiciais) e a publicação dos Provimentos 92 e 93, passou a ser possível o envio eletrônico dos documentos necessários para a lavratura de registros de nascimentos e de óbito no período de emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN).

 Ato contínuo, com os Provimentos números 94 e 95, o Conselho Nacional de Justiça trouxe à baila a questão do funcionamento dos serviços notariais e de registro durante o período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da infecção humana pelo novo Coronavírus.

Nesta oportunidade, regulamentou-se a possibilidade de os oficiais dos Registros de Imóveis recepcionarem os chamados títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, encaminhados digitalmente, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados.

Em seguida, com o Provimento nº 97 o Conselho Nacional de Justiça regulamentou os procedimentos de intimação nos tabelionatos de protestos de títulos visando a redução dos riscos de contaminação com o novo vírus. O Provimento nº 98 dispôs sobre os pagamentos dos emolumentos através dos meios eletrônicos, dentre os quais boleto bancário, cartão de crédito e débito, etc.

Já o Provimento nº 99 prorrogou a vigência dos Provimentos números 91, 93, 94 95 e 97 para o prazo do dia 31 de maio de 2.020. Prazo este mais uma vez prorrogado para 14 de junho pelo Provimento nº 101, do dia 27 de maio de 2.020. E, ainda, prorrogado para 31 de dezembro de 2.020 pelo Provimento nº 105 do CNJ.

Diante da movimentação do Conselho Nacional de Justiça, possibilitando e regulamentando a recepção pelos Cartórios de Registro de Imóveis de títulos nato-digitais e digitalizados, alguns Estados começaram a regulamentar os atos notariais à distância. Citem-se como exemplo o Estado de São Paulo, com o já revogado Provimento nº 12/2020, e Minas Gerais, com a já revogada Portaria nº 6.405/CGJ/MG, que instituiu o Projeto-Piloto para a recepção de requisições e para a realização de atos notariais e de registro, em meio digital.

Ocorre que, mais recentemente, foi publicado o Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou em âmbito nacional os atos notariais à distância, revogando todas as normativas a ele anteriores, por força de seu art. 38.

Com a vinda do Provimento nº 100 do CNJ, passou-se a permitir a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, oportunamente criado e mantido pelo Colégio Notarial do Brasil.

Verificado o breve histórico acima, percebe-se que, dentre todas as serventias extrajudiciais, a que mais demorou a se desenvolver no campo da tecnologia foi o Tabelionato de Notas.

II – A recente virada tecnológica do Tabelionato de Notas

Embora tendo uma evolução tecnológica tardia, atualmente existe fundamento jurídico para vários serviços de maneira eletrônica nos Tabelionatos de Notas, a exemplo da possibilidade de lavratura de escrituras públicas à distância (vide a regulamentação do Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça). Portanto, é possível comprar e vender imóveis, se divorciar, assinar procurações públicas e até fazer um inventário, tudo sem sair de casa.

No entanto, sem maiores divagações importa em tratar da possibilidade de autenticação de documentos digitais, questão da qual se atenta no tópico seguinte.

III – A autenticação de documentos digitais

Certamente o leitor já passou pela experiência de ir até um Tabelionato de Notas e pedir ao funcionário para autenticar determinado documento físico – lembre-se que autenticação de documento não é o mesmo que o reconhecimento de firma (da assinatura).

Com a evolução tecnológica dos Tabelionatos de Notas, agora é possível também realizar a autenticação de documentos digitais.

O Provimento nº 100 do Conselho Nacional de Justiça regulamentou a Central Notarial de Autenticação Digital (CENAD), que já está disponível no e-Notariado, gerido pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), entidade que reúne os Cartórios de Notas do país.

É possível autenticar o documento originariamente físico – caso em que o cartório digitaliza o documento – ou o documento digital. De modo que, após o documento ser autenticado pela Cenad, ele poderá ser enviado eletronicamente a órgãos públicos e a outras pessoas, tendo o mesmo valor que o documento original.

IV – Como autenticar documentos digitais no cartório?

Para autenticar documentos digitais é preciso que o interessado procure um Tabelionato de Notas e envie o documento por e-mail (caso o original seja digital). Se o documento a ser autenticado for impresso, deve-se levá-lo ao cartório para que seja digitalizado e autenticado.

Realizada a autenticação notarial, a plataforma gera um registro com os dados do responsável pela autenticação, data e hora de sua assinatura e código de verificação. O interessado receberá do responsável pela autenticação um arquivo PDF assinado digitalmente pelo cartório. Toda essa operação é assegurada pela tecnologia Blockchain.

Como funcionam as escrituras públicas à distância?

jun 05, 2020

A pandemia do Coronavírus trouxe uma verdadeira revolução no âmbito dos cartórios. Se antes havia uma expectativa de que, futuramente, teríamos ambientes on-line para a prática de atos notariais, atualmente essa questão se tornou realidade.

A situação de calamidade pública trazida pelo vírus adiantou o avanço da legislação, de forma que já é possível que Cartórios de Notas de todo o país pratiquem atos à distância. E isso passou a ser possível após a edição do Provimento nº 100 pelo Conselho Nacional de Justiça, no dia 26/05/2020. Normativa que regulamentou os atos notariais à distância.

Neste sentido, o presente artigo pretende demonstrar de maneira didática a possibilidade de lavratura de escrituras públicas e outros atos à distância. Ou seja, sem que seja necessário que o interessado se desloque ao cartório.

I – Atos notariais à distância

Inicialmente, para efeito de entendimento, os atos notariais são aqueles atos praticados pelo tabelião de notas. A título de exemplo, são as escrituras públicas de compra e venda de imóvel, escrituras de permuta, atas notariais, reconhecimentos de firmas, procurações públicas, etc.

II – Como fazer o ato notarial à distância?

Os atos notariais eletrônicos deverão ser realizados exclusivamente através da plataforma e-Notariado, no link: www.e-notariado.org.br.

Para que o interessado comece a praticar atos notariais à distância, é preciso que ele se dirija a um tabelionato de notas credenciado como Autoridade Notarial com seu documento de identidade e comprovante de endereço. Assim, será emitido gratuitamente seu certificado digital e-notariado. O certificado ficará no celular do interessado.

Assim, o serviço de atos notariais à distância não depende de obtenção de certificados em tokens, como são aqueles dos advogados, contadores e empresários (ICP-Brasil). Será utilizado exclusivamente o certificado do e-notariado.

Uma vez realizado o cadastro, tabelião de notas e a parte se encontrarão em videoconferência para a prática do ato, que dependerá de alguns requisitos.

III – Os requisitos do ato notarial eletrônico

O Provimento trouxe alguns requisitos para o ato notarial eletrônico (art. 3º). São eles:

  1. videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico;
  2. concordância expressada pelas partes com os termos do ato notarial eletrônico;
  3. assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado;
  4. assinatura do Tabelião de Notas com a utilização do certificado digital ICP-BRasil;
  5. uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital.

A gravação por videoconferência realizada entre o tabelião e a parte, segundo o parágrafo único do art. 3º, deve conter necessariamente a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião, o consentimento das partes e a concordância da escritura pública, o objeto e o preço pactuado do negócio, a declaração da data e horário da prática daquele ato e a declaração indicativa do livro, página e do tabelionato em que está sendo lavrado o ato notarial.

Esses requisitos são de grande importância, uma vez que deve haver consentimento na prática dos atos, bem como a correta identificação das partes.

IV – Outras questões relevantes

a) a Matrícula Notarial Eletrônica (art. 12 e seguintes do Prov. 100 CNJ)

A normativa federal criou a MNE (matrícula notarial eletrônica). Trata-se de chave de identificação individualizada que facilitará a unicidade e rastreabilidade da operação eletrônica praticada.

b) O acesso de usuário externo para conferência de autenticidade (art. 9º, §2º)

O e-notariado permitirá o acesso de usuários externos, desde que previamente cadastrados, para conferir a autenticidade de ato que tenham interesse

c) a questão da territorialidade do tabelião

Para efeitos de atos eletrônicos junto aos tabelionatos de notas, deve-se considerar competente aquele tabelionato da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente.

Sendo que o adquirente poderá escolher qualquer tabelionato de notas do Estado para a lavratura do ato (art. 19, §2º).