Entenda o projeto de lei do "distrato" de imóveis

jun 10, 2018

Recentemente, jornais de todo o país noticiaram a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 1220-A/2015, que visa disciplinar a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano. O texto original foi alterado, tendo como Relator o deputado José Stédile. O presente artigo pretende trazer ao leitor as inovações que o projeto de lei visa introduzir na legislação. Mas, claro, sem a pretensão de esgotar o tema. E para facilitar a compreensão, favorecendo a didática do leitor, as modificações trazidas pelo Projeto de Lei serão abaixo indicadas, em tópicos:
  • Atraso de 180 dias: O primeiro destaque é para a questão do prazo de 180 dias, que o incorporador tem de carência para a entrega do imóvel. O texto prevê que caso esteja expresso no contrato, de forma clara e destacada, a possibilidade do atraso de 180 dias pelo incorporador, este fato não ocasionará a resolução do contrato por parte do adquirente, nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador. Questão esta, aliás, que já vinha sendo pacificada pela justiça. O que fez a lei foi deixar claro este entendimento.
  • Atraso superior a 180 dias com resolução do contrato: caso haja atraso superior aos 180 dias previstos, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, ele pode resolver o contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida em contrato. Tudo, em até 60 (sessenta) dias corridos da resolução. Devendo ainda ser corrigidos, na forma da lei.
  • Atraso superior a 180 dias sem resolução do contrato: caso a entrega do imóvel demore além dos 180 dias e não haja resolução do contrato por parte do adquirente, será a ele devida, na entrega do imóvel, indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, de maneira corrigida. Mas note que isto só ocorrerá para o adquirente adimplente.
  • Multa: A lei prevê, ainda, que a multa acima indicada não pode se acumular com a multa aplicada em caso de resolução do contrato.
  • Distrato ou resolução por inadimplemento: A lei acrescenta também o art. 67-A na lei de incorporação imobiliária, que estabelece que caso seja desfeito o contrato, mediante distrato ou resolução por inadimplemento total de obrigação do adquirente, haverá devolução de quantias por ele pagas, atualizadas, que serão deduzidas da integralidade da comissão de corretagem e, ainda, haverá penalidade no pagamento de 25% da quantia efetivamente paga.
  • Aluguel e encargos sobre o imóvel: E em função do período em que a unidade imobiliária esteve à disposição do adquirente, ele deverá ainda arcar com os impostos incidentes sobre o imóvel e as cotas condominiais e contribuições devidas a associação de moradores, e também ao valor correspondente ao período que usufruiu do imóvel a título de aluguel. E, ainda, demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas em contrato.
  • Compensação: Os débitos do adquirentes e as deduções acima demonstradas poderão ser pagos mediante compensação com a quantia a ser restituída.
  • Patrimônio de afetação: quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente. A lei prevê que, neste caso, a pena de 25% estabelecida possa chegar em até 50% da quantia paga.
  • Incorporação sem regime da afetação: caso a incorporação não esteja submetida ao regime de afetação, após as deduções admitidas, se houver remanescente a ser ressarcido ao adquirente, será realizado em parcela única, após o prazo de 180 dias do desfazimento do contrato.
  • Revenda da unidade: caso ocorra a revenda da unidade antes dos prazos estabelecidos (de 30 dias e de 180 dias), o valor remanescente devido ao adquirente será pago em até 30 (trinta) dias, devendo ser corrigido com base no índice estabelecido em contrato, aquele estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel.
  • Contratos firmados em estandes de venda/fora da sede do incorporador: A lei estabelece o prazo de 7 dias para que o adquirente se arrependa da compra, caso tenha sido realizada em estandes de venda e fora da sede do incorporador. Situação em que todos os valores eventualmente antecipados, bem como a comissão de corretagem, sejam devolvidos. Mas para que o adquirente tenha este direito, ele deve demonstrar este fato através de carta registrada com aviso de recebimento. Neste ponto, importante destacar que no Código de Defesa do Consumidor existe previsão semelhante para produtos adquiridos fora do estabelecimento comercial.
  • Condições diferentes mediante acordo: A lei permite que as partes possam estabelecer diferentes condições daquelas previstas na lei, mediante instrumento de distrato.
  • Resolução por fato imputado ao adquirente: Neste ponto, a lei cria regras para o ressarcimento de valores pagos pelo adquirente, estabelecendo alguns descontos, como valores correspondentes à eventual fruição do imóvel pelo adquirente (limitando a 1% ao mês sobre o valor atualizado do lote definido em contrato); montante devido por cláusula penal e despesas administrativas (incluindo-se arras ou sinal), limitando a um desconto de 10% do valor atualizado do contrato; encargos moratórias; débitos sobre impostos contribuições condominiais, associativas ou outras do tipo; comissão de corretagem, desde integrada ao preço do lote;
  • Prazo para o pagamento da restituição: A lei estabelece o prazo de até 12 parcelas mensais, para o pagamento da restituição a que se refere o tópico acima. O prazo inicial está descrito caso a caso na lei.
  • Nova venda: Após o “distrato” com o adquirente, somente será feito o registro de contrato de nova venda se ficar comprovado o início da restituição ao antigo adquirente, exceto se as partes houverem pactuado expressamente de forma diversa em distrato por elas assinado.
O projeto de lei passou na Câmara de Deputados. Agora está pendente de apreciação pelo Senado Federal. Caso a lei seja finalmente aprovada, as incorporadoras e os adquirentes terão regras mais claras a serem aplicadas aos negócios imobiliários. A esperança é de que haja maior segurança jurídica nas relações entre as partes, muito embora possam existir novas interpretações pelo poder judiciário.      

“Única esperança” da construção civil, MP dos distratos ainda gera controvérsia

jan 17, 2018

Por: Paula Zogbi SÃO PAULO – Durante os meses de julho e agosto de 2017, noticiou-se que o governo estava “prestes” a fechar uma proposta de regulamentação de distratos imobiliários, ou seja, desistência de compra ou venda de imóvel na planta. Para a infelicidade das empresas do setor de Construção Civil, que aguentaram a paulada de uma taxa de distratos de 41% no consolidado de 2016, o ano virou novamente e até agora essa regulamentação não vingou. Segundo dados da Abrainc e da Fipe, incorporadoras brasileiras gastaram R$ 1,1 bilhão para renegociar 44.233 distratos em 2016, valor superior ao prejuízo líquido total de R$ 717 milhões contabilizados pelas construtoras de capital aberto no mesmo período. Incorporadoras passaram por meses de “venda negativa” durante a crise, quando o número de distratos superava o de vendas. Esta matéria faz parte do guia Onde Investir 2018. Para ver nosso conteúdo completo, clique aqui. Promessa para uma das indústrias mais atingidas pela crise econômica brasileira, a MP deveria padronizar a porcentagem retida pelas empreiteiras em casos de desistência por parte dos compradores. Fala-se na retenção de taxa de corretagem mais mais 50% do valor pago pelo consumidor até a data de desistência, respeitando até 10% do valor total do contrato – ou 30%, respeitando 5% do total, em caso de imóveis dentro dos parâmetros do Minha Casa, Minha Vida. Isso mesmo quando todas as parcelas estiverem em dia. Em casos de inadimplência, prevê-se retenção de 50% do total pago pelo consumidor que não cumprir com as parcelas por mais de 6 meses e 30% em atrasos entre 3 e 6 prestações. A lei também pretende definir uma multa padrão caso haja atraso na entrega e o prazo para devolução dos valores já pagos pelos consumidores. Embora não exista hoje uma legislação que regulamente esse tipo de quebra de contrato, a jurisprudência atual normalmente limita as perdas dos consumidores a porcentagens entre 10% e 25% do valor pago até o momento da desistência, de acordo com advogados especializados na área imobiliária. Esses valores valem também para casos de inadimplência, pois o STJ entende que é um direito do consumidor receber de volta o restante do dinheiro pago. Paula Farias, sócia do escritório Paula Farias Advocacia e especialista em direto imobiliário, acredita que aplicação da MP seria “empurrão” importante para a retomada do crescimento da indústria de Construção Civil. “Sozinha, ela não é suficiente, mas é um grande passo para ajudar esse setor, que viu um nível de distratos de 51% dos imóveis comprados entre agosto de 2016 e agosto de 2017”, opina. Para Meyer Joseph Nigri, fundador e presidente do conselho da Tecnisa, deixar de publicar essa MP traria consequências serão desastrosas para o país. “Se não for aprovada, daqui alguns anos teremos uma crise pior que essa que passou”, dispara o executivo. “Com uma retenção de 10% [do valor pago], uma queda de 10% nos preços dos imóveis já torna interessante para o comprador distratar sem motivo [para comprar com desconto]”, explica. Dessa forma, as empreiteiras acabam obrigadas a vender as unidades com desconto de até 70% ou parar as obras, o que gera desemprego e aprofunda a crise. Vai sair? Agosto, momento em que a MP estava mais encaminhada, foi justamente o mês de rejeição da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara dos Deputados. A segunda denúncia foi barrada em outubro. Para a advogada, essa turbulência política, somada à pressa em aprovar outras pautas, como as reformas trabalhista e da previdência, foram cruciais para que a MP dos distratos acabasse postergada. Ainda assim, ela e os demais especialistas na área acreditam na aplicação das regras muito em breve. “Já houve um alinhamento entre os ministérios da Fazenda, Planejamento e Justiça. Entretanto, vivemos em um momento político conturbado e isso faz com que a aprovação do tema seja um pouco mais demorada”, concorda Luiz Antonio França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), uma das entidades que participaram das discussões preliminares do texto. Ele acredita que a regulação tem potencial de “diminuir o risco jurídico existente na incorporação”, incentivando “maior volume de investimentos por parte dos incorporadores e contribuindo para a efetivação de um processo de retomada no setor”. Nigri, da Tecnisa, tem segurança de que a legislação seja publicada ainda no primeiro semestre – mais especificamente, até fevereiro. “Hoje, conversando com as autoridades, percebo que está todo mundo muito consciente da necessidade de rever essas regras. Nenhum país do mundo tem uma legislação que permita os distratos como no Brasil”, afirma. “Na maioria dos casos, ele [quem desiste da compra na planta] perde tudo o que pagou e ainda tem que responder por perdas e danos”. Na opinião do executivo, o ideal para o Brasil também seria acabar com os distratos de uma vez por todas, “mas me parece difícil aprovar isso, mas acho difícil porque teria que mudar o código de defesa do consumidor”. Defesa do consumidor As regras apresentadas ao longo de 2017 não agradaram associações de defesa do consumidor. Em nota pública, a MPCON (Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor) repudiou as normas previamente divulgadas para distratos em território brasileiro por as considerar injustas do ponto de vista da parte mais vulnerável da transação: o consumidor. Além da associação, assinaram tal nota a CONDEGE (Comissão de Defesa do Consumidor), a Associação Brasileira de PROCONS e a BRASILCON (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor). “Tais disposições não apenas transferem todo o risco do negócio ao consumidor como também viram do avesso todo o entendimento jurisprudencial já consolidado, estabelecendo vantagem manifestamente excessiva ao fornecedor”, escreveram as associações na nota conjunta. Elas observam que o cliente teria que arcar com custos mesmo quando não têm condições de manter uma negociação que iniciaram meses antes, ao passo que a incorporadora reteria parte mais robusta do valor pago e “ainda receberia [o imóvel] livre e desembaraçado para novamente oferta-lo à venda por preço integral”. Para a advogada Farias, é pouco provável que construtoras ajam de má fé frente ao consumidor, já que precisam fechar contratos no futuro. “Se fizerem algo muito desproporcional, [os clientes] podem ficar com medo de comprar”, justifica. “O comprador não pode, de maneira nenhuma, sair mais prejudicado que a construtora”, ressalta. Para França, da Abrainc, o consumidor que deve ser colocado em primeiro lugar é o “que não distrata, que muitas vezes podem ter frustrado o sonho da casa própria mesmo estando em dia com suas obrigações”. Nigri concorda. Na Tecnisa, aproximadamente 5% dos distratos ocorrem por perda de emprego e 0,4% devido a problemas de saúde. “Ou seja, menos de 5,5% das pessoas distratam por real necessidade”. Ele ainda lembra que clientes de baixa renda, por entrarem com financiamento com o banco logo no ato da compra, raramente entram nessa conta. Para a construtora, os demais distratos significam “devolução do dinheiro com inflação e juros de 12% ao ano, além de termos que revender com enorme desconto: o prejuízo é de bilhões de reais”, diz. Não obstante, associações argumentam que o consumidor que distrata, caso perca muito do dinheiro já investido em um imóvel que não pode mais pagar, “perde duas vezes”, já que “perde metade do que pagou por um imóvel que a construtora vai vender novamente”. “Não obstante o crescimento da atividade econômica deva ser constantemente estimulado, esse estímulo não pode instrumentalizar-se na viabilização de confiscos abusivos de valores pagos por consumidores que sofrem até mais fortemente dos efeitos dessa mesma situação econômica”, acrescenta o documento. Fonte:  Infomoney