Pode o condomínio proibir locação por temporada através da utilização do AirBNB?

mar 17, 2018

Síndicos e moradores diariamente discutem sobre as mais variadas questões em condomínios. E algo ultimamente muito debatido em alguns condomínios é sobre a utilização do imóvel residencial para locação por temporada, através de sites e aplicativos, como o AirBNB. Mas afinal, pode o condomínio proibir que o proprietário utilize seu imóvel para a locação por temporada? Bom, antes de responder à questão acima é preciso entender o que a lei entende por locação por temporada. E para isto é preciso observar o art. 48 da lei 8.245/91:
Art. 48. Considera se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
Portanto, grosso modo a locação por temporada é aquela de até 90 (noventa) dias e sem prazo mínimo. É preciso, ainda, observar o que diz o Código Civil sobre o direito do proprietário de um imóvel, vejamos:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Trata-se do direito do uso, do gozo, de fruição e de disposição. Ou seja, o proprietário do imóvel tem o direito, por exemplo, de alugar o imóvel e receber os alugueis. Ademais, a Constituição Federal garante, em seu art. 5º, XXII o direito de propriedade. Portanto, em que pese o condomínio possuir áreas comuns, que devem se sujeitar a regras da coletividade de moradores, os apartamentos ou casas, áreas estas consideradas privativas, sujeitam-se ao direito de propriedade de cada proprietário. É claro que sua utilização deve ser feita com bom senso, de forma a não ofender direito alheio. Não se pode, por exemplo, extrapolar no barulho em horários inapropriados de forma a prejudicar o vizinho. Ultrapassada a questão acima, é preciso entender por que razão alguns condomínios pretendem proibir a utilização da propriedade dos condôminos para a locação por temporada. E uma reflexão a ser feita é: por que não existe semelhante proibição na locação tradicional? Afinal, a única diferença dentre elas é o fator tempo. A primeira é por até 90 (noventa) dias, enquanto que para a última não existe esta limitação. Em geral, o argumento referente à proibição da locação por temporada é a questão da segurança. A utilização destes imóveis por temporada leva a uma alta rotatividade de pessoas nos condomínios, o que pode prejudicar a segurança destes locais. E a discussão sobre o tema já chegou aos tribunais brasileiros. O Superior Tribunal de Justiça, em 2017, decidiu que o condomínio não pode proibir a locação por temporada, tendo em vista que prevista em lei, confira:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.174.291 – SE (2017/0240403-5) RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE AGRAVANTE : CONDOMÍNIO RESIDENCIAL CLUBE ATALAIA ADVOGADO : ROBERTO BALDO CUNHA E OUTRO (S) – SE000046B AGRAVADO : TEREZA CRISTINA CERQUEIRA DA GRACA ADVOGADO : PATRÍCIA TAVARES DE OLIVEIRA E OUTRO (S) – SE003532 AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. LOCAÇÃO POR PRAZO INFERIOR A 30 (TRINTA) DIAS. OMISSÃO DO TRIBUNAL ESTADUAL QUANTO AO CUMPRIMENTO DO REGIMENTO INTERNO E DA CONVENÇÃO COLETIVA, QUE FAZEM LEI ENTRE OS CONDÔMINOS, OS QUAIS NÃO SE OPÕEM A NORMA LEGAL. QUESTÃO OPORTUNAMENTE SUSCITADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA NOVO JULGAMENTO DOS DECLARATÓRIOS. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO (…) In casu, verifico que a utilização dos apartamentos para locação por temporada é uma prática corriqueira e legal, inclusive com previsão no artigo 48 da Lei 8.145/91. (…) Ora, muito bem ponderou o magistrado a quo: (…) o Código Civil assegura aos proprietários o direito de gozar de seus bens. Igualmente, a lei de locações determina que os aluguéis temporários possuem prazo máximo de noventa dias (art. 48). Diante dessas circunstâncias, convém perceber que a norma regimental encontra-se em expresso descompasso com a legislação, pois ao estabelecer apenas um prazo máximo para os alugueis por temporada, a norma, a contrario sensu, autoriza tal instituto por qualquer prazo inferior a este. É evidente o silêncio eloquente do legislador, pois poderia ter estabelecido prazo mínimo, mas contentou-se em apenas ditar o prazo máximo para essa modalidade de contrato.”(…) Desta maneira, não há nenhuma ilegalidade o fato da autora/agravada promover a locação do seu apartamento a pessoas estranhas ao condomínio por curto período de tempo. Inexistente, portanto, plausibilidade nas alegações do recorrente, razão pela qual impõe-se manutenção da decisão agravada. (…) (STJ – AREsp: 1174291 SE 2017/0240403-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 24/11/2017)
Ainda sobre o entendimento de nossos tribunais, no final de 2016, o Tribunal de São Paulo concedeu tutela antecipada para que um morador pudesse locar seu apartamento para determinada temporada. O condomínio na ocasião tentava impedir. Na decisão, a Relatora salientou que, desde que resguardados os direitos à segurança e sossego dos demais condôminos, “não há justificativa plausível para restringir o exercício do direito de propriedade do agravante sobre sua unidade condominial” (TJSP, AI 2215036-11.2016.8.26.0000, julgado em 06/12/16). Apesar dos entendimentos acima, o Tribunal de Pernambuco, em 2016, entendeu a questão de outra forma, vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. LOCAÇÃO POR TEMPORADA DE CÔMODOS EM APARTAMENTO. VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. EDIFÍCIO EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL. USO NOCIVO DA PROPRIEDADE. UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL DE MANEIRA PREJUDICIAL À SEGURANÇA, SOSSEGO E BEM ESTAR DOS DEMAIS CONDÔMINOS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Hipótese em que a ré/agravante promove a locação de cômodos de seu apartamento a pessoas estranhas ao condomínio por curto período de tempo (dias, semanas), mediante veiculação de anúncios e propagandas em sites da internet, com a alteração do nome do condomínio para “ART SUÍTES HOME BOA VIAGEM BEACH”. Tal atividade denota prática nitidamente comercial, destinando o apartamento da agravante a espécie de hospedaria/albergue, o que é vedado pela convenção condominial, que atribui caráter exclusivamente residencial do edifício e veda a destinação diversa das suas unidades imobiliárias. 2. Nos termos do art. 1.333 do Código Civil, a convenção de condomínio é obrigatória a todos os titulares de unidades imobiliárias no edifício. Já o art. 1.336, IV, apregoa que é dever do condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”. (…) (TJ-PE – AI: 4295245 PE, Relator: José Fernandes, Data de Julgamento: 08/06/2016, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/07/2016)
Portanto, verifica-se que a questão não é decidida de forma pacífica em nossos tribunais. Com a licença da palavra, o entendimento correto não seria pela proibição da locação por temporada nos condomínios, mas pela regulamentação desta prática em suas convenções e regimentos internos, com regras claras e rígidas sobre a questão. Assim, o proprietário não teria seu direito de propriedade maculado e o condomínio poderia evitar futuros conflitos com os condôminos. É preciso observar, ainda, que à partir do momento que o condomínio estabelecer tais regras, é preciso que o proprietário, ao anunciar seu imóvel em sites e aplicativos de locação, deixe bem claro as regras aplicáveis no condomínio.  

Averbação pré-executória: seus bens podem ser bloqueados sem ordem judicial?

jan 12, 2018

Recentemente foi publicada uma notícia no jornal Valor Econômico (acesse a notícia neste link: http://www.valor.com.br/legislacao/5253021/uniao-podera-bloquear-bens-sem-ordem-judicial), segundo a qual a União poderá bloquear bens sem que seja proferida ordem da justiça. A notícia foi compartilhada nas redes sociais e causou intensas discussões. A notícia publicada diz respeito à publicação a Lei nº 13.606/18, que institui o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A lei é de ordem tributária e existe espaço para debate de sua integralidade. No entanto, no presente e breve artigo pretende-se ater ao procedimento da  “averbação pré-executória”, criado pelo art. 25 da referida lei, que insere o art. 20-B na Lei 10.522/02. Vamos a ele:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados

§ 3o  Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

I – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres; e

II – averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.”

Grosso modo, se o tributo não for pago, a Procuradoria da Fazenda Nacional poderá averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora. Ou seja, o imóvel do proprietário, neste caso, se tornaria indisponível, bloqueado. Sem que fosse possível, portanto, sua venda.

Observe que o bloqueio seria por iniciativa da Procuradoria, de modo que ocorreria sem a prévia ordem da justiça. Ou seja, antes mesmo de o proprietário se manifestar em defesa.

Ainda na notícia do jornal Valor Econômico, o procurador Saboia Xavier alega que o procedimento é legal, pois os dispositivos são uma complementação do que prevê o art. 185 do Código Tributário Nacional. E que os efeitos da inscrição em dívida ativa podem ser definidos por lei ordinária, como é o caso deste instrumento.

Lado outro, é preciso esclarecer que existem princípios constitucionais que não podem ser desrespeitados, como o direito de propriedade, o devido processo legal, a razoabilidade e proporcionalidade, dentre outros. Ora, a constrição do patrimônio sem ao menos oportunizar a defesa do contribuinte, neste caso, seria grave afronta à constituição.

Tendo em vista que a legislação é recente, há que se aguardar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade visando a suspensão da aplicação deste dispositivo. Ocorrendo ou não a suspensão da aplicação da norma, vamos acompanhar os próximos acontecimentos.