A usucapião da laje de bem público

out 17, 2018

I – O DIREITO DE LAJE Com finalidade de regularizar moradias irregulares, em especial as favelas brasileiras, com a entrada em vigor da Lei 13.465/17 surge o abrasileirado Direito de Laje. O Direito de Laje, ou o chamado direito real de laje trouxe a possibilidade da regularização da “laje” no registro imobiliário. Neste sentido, pode-se conceituar este novo direito como
“a nova lâmina de propriedade criada através da cessão, onerosa ou gratuita, da superfície superior ou inferior de uma construção (seja ela sobre o solo ou já em laje) por parte do proprietário (ou lajeário) da mesma, para que o titular do novo direito possa manter unidade autônoma da edificação original” (FARIAS, 2018)
Pois bem, desde a entrada em vigor da Lei nº 13.465/17 escreveu-se bastante sobre o Direito Real de Laje. E dentre as principais discussões, a questão de sua natureza jurídica (se direito real sobre coisa própria ou se direito real sobre coisa alheia) e a diferenciação do direito de laje e o condomínio edilício. No entanto, o presente e breve artigo, tem a finalidade de debater sobre a possibilidade ou não da usucapião do direito de laje de imóvel público. Trata-se te uma questão pontual, levando-se em conta os institutos da usucapião e do direito real de laje. Diante da objetividade e do foco do presente artigo, não serão debatidos temas outros, como análise aprofundada da legislação específica ou questões outras como as disposições entre os proprietários da laje e da construção-base. II – A POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DA LAJE Ultrapassada questão introdutória, quanto à possibilidade da usucapião, reconheceu-se, de maneira inédita, a usucapião da laje. A questão foi decidida na 26ª Vara Cível da Comarca de Recife/PE, publicada em 14 de julho de 2017. A decisão reconheceu o direito de laje da usucapiente sobre imóvel originário que pertencia ao seu pai, por meio de uma cessão negocial, conferindo-lhe, expressamente, o direito de usar, gozar, dispor e reivindicar o direito a que faz jus. Inclusive, é possível o ajuizamento de ação de usucapião sobre a laje mesmo que sobre ela existam algum gravame, como uma hipoteca, anticrese ou alienação fiduciária sobre bem imóvel. Quanto a usucapião do direito de laje, fica evidente que a posse mansa e pacífica, com ânimo de dono pelo tempo previsto em lei faz com que o interessado obtenha para si a propriedade daquele bem. Portanto, caso determinada pessoa resida na laje (no segundo andar) de uma residência, cumpridos os requisitos para usucapião, é plenamente possível que esta pessoa adquira para si a propriedade da laje. III – DA USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO Usucapião, para melhor compreensão do tema, em desatenção a técnica e ao juridiquês comumente utilizados no direito, ocorre quando determinada pessoa possui para si um bem de forma pacífica e sem interrupção, por um determinado tempo (vide requisitos legais). E quando essa posse exercida não é reclamada por terceiros. Como exemplo cite-se o caso de determinada pessoa que se apossou de um imóvel e nele reside há anos e, durante este tempo, não surgiu nenhum interessado reclamando deste imóvel. Pois bem, visto o que é a usucapião, é de se contextualizar a usucapião da laje de um imóvel público. Imagine-se que determinada pessoa reside na laje de um bem público (do Município, por exemplo. Esta pessoa reside neste local há bastante tempo. Após todo este tempo essa pessoa procura um advogado e questiona sobre a possibilidade de “regularizar” sua propriedade através da usucapião. E é neste ponto que a discussão fica interessante, pois em que pese o senso comum (ao menos, entre os profissionais do direito) da impossibilidade da usucapião de bem público, parte da doutrina entende que seria possível usucapir a laje de bem público. Maiores detalhes a seguir. IV – DA POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DA LAJE DE BEM PÚBLICO Aqueles que defendem a possibilidade da usucapião de imóvel público o fazem com base nos seguintes argumentos (FARIAS, 2018): a) o Direito Real de Laje é um Direito Autônomo e independente da propriedade (ao contrário daqueles que entendem que o direito de laje é um direito real sobre coisa alheia); b) não haverá a perda de titularidade do bem público, pois a sentença que reconhecer a aquisição originária da laje bipartirá o direito real: a propriedade da coisa originariamente construída permanecendo com o Poder Público e a titularidade da laje com o usucapiente; c) O STF já reconheceu a usucapião da enfiteuse de bens públicos (Recurso Especial nº 218.324), na medida em que a titularidade da coisa permanece com o poder público, razão pela qual seria viável o mesmo raciocínio com a laje. d) a possibilidade da usucapião lajeária de bens públicos pode se prestar a um importante papel na regularização fundiária de morarias irregulares em áreas urbanas e rurais; e) A própria lei dá a entender a possibilidade, no art. 1.510-A, §1º do Código Civil: “o direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base”; V – DA IMPOSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO DA LAJE DE BEM PÚBLICO Lado outro, existem aqueles que defendem que a usucapião da laje de bem público não seria possível. E o fazem com base nos seguintes argumentos (COUTO, 2018): a) Se a laje é um tipo de propriedade, o que se está adquirindo é, exatamente, a propriedade (da laje) de um bem público; b) Existe uma proibição constitucional da usucapião de bem público (art. 183, §3º, CF/88); c) Existe proibição no Código Civil (art. 102, CC); d) a interpretação deve seguir a lógica de que se a propriedade de bem público não pode ser usucapida, não o pode também seu direito real. Se não se pode usucapir o maior, também não se poderá usucapir o menor. e) O fato de existirem decisões do STF reconhecendo a usucapião do domínio útil de terras públicas não possibilita a dedução de possibilidade de adquirir a laje por esta via. No caso da enfiteuse, o que se está adquirindo é um direito real sobre coisa alheia (domínio útil). Essas enfiteuses foram regularmente constituídas, de modo que o Estado anuiu com a criação do direito real a favor do particular. VI – AFINAL, É POSSÍVEL USUCAPIR A LAJE DE BEM PÚBLICO? Não obstante os argumentos utilizados pela doutrina que entende pela possibilidade da usucapião da laje de bem público, persiste no ordenamento a vedação. O instituto do direito de laje é novo no país, tendo surgido em 2017. Razão pela qual é preciso tempo para que as discussões concernentes ao instituto  amadureçam no poder judiciário e na doutrina. BIBLIOGRAFIA: FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito de Laje. 2. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião Extrajudicial. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.

Posso perder minha laje?

set 24, 2018

O presente artigo foi motivado por uma dúvida de um inscrito em meu canal do youtube (aliás, se você não conhece meu canal, acesse www.youtube.com/DicasDireito) sobre a possibilidade da perda da propriedade de sua laje por usucapião. Para a compreensão de qualquer leitor, antes de qualquer explanação é preciso esclarecer o que vem a ser a usucapião. A usucapião ocorre quando alguém adquire a propriedade de um bem por manter sobre ele sua posse mansa e pacífica. Ou seja, caso determinada pessoa possua como sua a posse (resida em um imóvel, por exemplo) de um bem, por determinado tempo e sem que ninguém reclame, ela pode adquirir este bem para si, através da usucapião. Ultrapassada esta questão introdutória, é preciso esclarecer o que é o Direito Real de Laje. O Direito real de laje foi inserido na legislação através da Lei nº 13.465/17. Esta lei criou o instituto do Direito de Laje visando a regularização de imóveis irregulares, sobretudo as favelas. É a possibilidade de que o titular da laje obtenha para si a propriedade da laje, independentemente da propriedade da construção-base. Portanto, agora é possível que aquele que reside na laje adquira para si a propriedade somente daquela laje, sendo que não necessariamente terá de ser o proprietário da construção-base. É importante, no entanto, que a entrada da laje seja independente da entrada da construção-base. O direito de laje está descrito no art. 1.510-A do Código Civil, vejamos:
“O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.
E há diversas situações em que pessoas deixam parentes, amigos ou até terceiros residirem na laje de suas residências. Nestes casos aconselha-se que este “empréstimo” da laje, ou sua locação (sendo o caso) sejam formalizados por escrito. Isto porque a justiça entende que é possível que o titular da laje adquira sua propriedade através da usucapião. Em decisão de 2017, na época considerada inédita no país, a justiça determinou o seguinte (Processos números 0027691-84.2013.8.17.0001 e 0071376- 44.2013.8.17.0001, do TJ-PE):
“Por outro lado, observo que a casa 743-A foi construída na superfície superior da casa 743, de modo que a pretensão de aquisição da propriedade mais se coaduna ao direito de laje, previsto no art. 1.510-A do Código Civil, que assim dispõe: Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. dcm 5 Desta feita, tendo havido a cessão do Sr. José Carlos da Silva da casa 743-A em favor da sua filha, Ladyane, autora da segunda ação, devidamente registrada em cartório, há que ser reconhecido o seu direito de laje, devendo o bem possuir registro próprio e dele podendo a autora usar, gozar e dispor“.
Portanto, é possível que aquele possui a posse sobre uma determinada laje adquira para si a propriedade. Como também é possível que o proprietário de toda a residência perca a laje, caso perca sua posse para terceiro e este, preenchidos os requisitos legais, entre com usucapião sobre a laje. Assim, reitera-se que, caso o proprietário pretenda emprestar a laje para um parente ou amigo, o ideal é que formalize este empréstimo através de um contrato de comodato ou, caso venha alugar aquela laje, o faça por meio de um contrato de locação, por escrito.