Como fazer um testamento durante a pandemia?

maio 12, 2020

O ano de 2.020 trouxe ao mundo a pandemia do coronavírus. E com a pandemia, veio à tona grande insegurança com relação ao futuro, seja na saúde pública (ou na própria saúde), seja na economia. No dia da publicação desse texto a mídia já noticia mais de 11 mil mortos, somente no Brasil. Com tanta incerteza com relação ao futuro e com tantos óbitos, sobretudo de idosos, uma contribuição relevante que pode ser feita é levar às pessoas o conhecimento acerca da possibilidade de realização de um testamento de urgência. Afinal, em se tratando a pandemia de situação emergencial, a lei permite que o testador realize um testamento sem maiores burocracias. Neste sentido, o presente artigo tem o condão de informar e tratar de alguns aspectos do chamado testamento emergencial. A questão será, a seguir, tratada em tópicos. I – O QUE É UM TESTAMENTO? Um testamento é basicamente o ato mediante o qual uma pessoa dispõe de seus bens para depois de sua morte. Através de um testamento o interessado pode indicar quem ficará com o que. Se aquela casa ficará para um terceiro ou para alguém específico da família, etc. Em regra, um testamento exige diversas formalidades legais, sem as quais ele pode até ser invalidado no futuro. No entanto, existe uma situação em que a Lei permite com que o interessado elabore um testamento de próprio punho, sem maiores formalidades legais. Mas para isso é preciso que alguns requisitos mínimos sejam observados. Trata-se do testamento emergencial, que será tratado no tópico seguinte. II – TESTAMENTO EMERGENCIAL? O testamento emergencial está descrito no art. 1.879 do Código Civil, veja-se:
Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
Veja que a lei exige que seja realizado o testamento em circunstâncias excepcionais e que essas circunstâncias sejam declaradas na cédula.  Portanto, a circunstância excepcional deve ser declarada expressamente pelo testador. Diante dessa necessidade, no passado era difícil a aplicação prática desta modalidade de testamento, mesmo porque essas circunstâncias excepcionais deveriam ser comprovadas no processo para o convencimento do juiz. Como exemplo, cite-se julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Testamento emergencial e providências do art. 1.879 do CC – Para que o juiz confirme documento subscrito de próprio punho, sem testemunhas, como sendo testamento particular celebrado em condições excepcionais e que dispensariam as formalidades legais, será preciso provas cabais de que existiam motivos para esse procedimento, o que não foi produzido pelos interessados – Cerceamento de defesa não configurado, mantida a r. sentença de extinção [art. 267,1, do CPC] – Cédula (folha de agenda) que não descreve a excepcionalidade da medida, não se comprovando que o de cujus estava a beira de morte ou em situação de perigo – Não provimento. (TJ-SP – APL: 994093426070 SP, Relator: Enio Zuliani, Data de Julgamento: 08/04/2010, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/04/2010)
Outro exemplo é um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
TESTAMENTO. Testamento particular excepcional. Declaração que não descreve a situação excepcional que autoriza a dispensa de testemunhas. Ausência de requisito essencial previsto no art. 1.879 do CC. Morte da testadora, ademais, ocorrida mais de seis anos depois da subscrição da declaração. Prova oral inadmissível no caso concreto. Cerceamento de direito inexistente. Indeferimento da inicial mantido. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 30021763520138260586 SP 3002176-35.2013.8.26.0586, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 26/05/2015, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/05/2015)
Não obstante a evidente situação emergencial vivida no mundo, na utilização do testamento emergencial não se pode deixar de mencionar expressamente na cédula as circunstâncias vivenciadas pelo testador que justificariam a ausência de testemunhas no ato. Mesmo porque isso é um requisito que a lei traz para que a questão seja posteriormente confirmada pelo juiz. Desta forma, após a realização da declaração pelo interessado, aos herdeiros caberá o ajuizamento de ação para que o juiz “confirme” se aquele procedimento observou todos os requisitos da lei e “valide” o ato. Assim, em se tratando a pandemia do coronavírus de situação obviamente emergencial, o enfermo poderia se utilizar do testamento emergencial como forma de planejar seu patrimônio para depois de seu óbito. III – TESTAMENTO PARTICULAR COM TESTEMUNHAS Caso o interessado não esteja passando por situação que justifique a utilização do mencionado testamento emergencial, é possível que ele se utilize do testamento particular disposto no art. 1.876 e seguintes do Código Civil. Assim como no testamento emergencial, o testamento particular pode ser escrito de próprio punho. Pode também ser através de processo mecânico, conforme a lei. No testamento particular, ao contrário do emergencial, três testemunhas devem acompanhar o ato e assinarem juntamente com o testador. Após a morte do testador, referido escrito deverá ser submetido ao juiz, para sua confirmação. III – QUAL O PRAZO DOS TESTAMENTOS PARTICULAR E EMERGENCIAL?
Uma vez realizado o testamento emergencial pelo interessado, caso ele não venha a óbito nos próximos 90 (noventa) dias, o documento caducará. De forma que para que aquelas disposições se tornem válidas, o testador, após a pandemia, deve realizar seu testamento da forma tradicional. O prazo de 90 (noventa) dias é utilizado pela doutrina, por conta do prazo expresso nos arts. 1.891 e 1.895 do Código Civil. Portanto, recomenda-se a observância do prazo acima para que os interessados não tenham problemas com a validação do testamento na justiça.
 
 

Posso doar todos os meus bens?

jan 13, 2018

Dúvida recorrente é sobre a doação de todos os bens de uma determinada pessoa. Seja para os filhos, seja para terceiros, ainda que não sejam da família. Pois neste breve artigo a questão da possibilidade ou não de doação de todos os bens de uma pessoa será esclarecida adiante. A doação está tratada no Código Civil, entre os arts. 538 a 554. Mas há uma regra específica dentre estes dispositivos que estabelece o seguinte:
Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador
De forma que o doador deve sempre garantir para si bens suficientes para sua subsistência. Mas há, ainda, outra regra tratada pela lei que não permite que o doador disponha de mais e 50% de seu patrimônio, vejamos:
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
E este artigo deve ser analisado em conjunto com outro dispositivo, a seguir:
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Para que fique claro, os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. De modo que metade dos bens do doador devem ser mantidos em seu patrimônio para que seja garantido o direito dos herdeiros necessários. É o que a lei chama de legítima. Então, em resumo a pessoa pode doar metade do seu patrimônio a qualquer um, seja herdeiro ou estranho. Mas a outra metade não pode ser doada, pois é a legítima. E conforme o próprio art. 549 estabelece, a doação de mais da metade do patrimônio de determinada pessoa é nula. É o que se chama doação inoficiosa. E caso ocorra, o prejudicado pode ir à justiça.