Posso despejar o inquilino sem entrar na justiça?

ago 06, 2020

O movimento da desjudicialização tem, ao longo do tempo, retirado do poder judiciário a exclusividade na solução das questões. Pode-se citar como exemplo a possibilidade de realização de divórcio e inventário através de escritura pública (Lei nº 11.441/97) ou, ainda, o procedimento extrajudicial de retomada do imóvel em garantia (Lei nº 9.514/97), sobre o qual já escrevi neste artigo.

Apesar de termos, no país, uma forte cultura de judicialização, o movimento da desjudicialização é, realmente, um caminho sem volta. A cada dia que passa, são publicadas novas legislações, que conferem a outras “classes” poderes de resolução de conflitos que não o judiciário.

Neste sentido, uma pergunta que se faz é: seria possível o locador despejar o locatário sem entrar na justiça? Seria isso viável? Por enquanto não, mas caso o Projeto de Lei nº 3.999/2020, de autoria do Deputado Federal Hugo Leal, se torne efetivamente lei, essa será uma feliz realidade. Assim, o presente artigo pretende demonstrar, didaticamente, como se dará o “despejo extrajudicial” com a conversão do projeto em lei.

I – Quando é possível se utilizar do despejo extrajudicial?

É importante verificar que o despejo extrajudicial só poderá ser utilizado no caso de o locatário deixar de pagar o aluguel e seus acessórios (condomínio, iptu, etc).

II – O que o locador deve fazer para despejar o locatário sem entrar na justiça?

O locador que estiver sem receber o aluguel deverá requerer ao tabelião de notas da comarca onde está localizado o imóvel a elaboração de uma ata notarial (saiba mais sobre ata notarial aqui), em que deverá constar o seguinte procedimento:

III – Quais os documentos necessário para o despejo extrajudicial?

Deverão ser apresentados:

  1. documento de identificação e comprovante de domicílio do locador;
  2. prova do contrato de locação;
  3. prova de tentativa de negociação por parte do locador, ou seu preposto, esclarecendo ao locatário o uso do despejo extrajudicial em caso de insucesso;
  4. planilha para fins de purga da mora;
  5. indicação de conta para depósito dos aluguéis e encargos, para fins de purga da mora.

IV – A notificação do locatário pelo locador

Em até 30 dias da lavratura da ata notarial pelo tabelionato de notas, o locador deverá notificar o locatário, para que o locatário pague o que deve em até 30 dias corridos ou para desocupar voluntariamente o imóvel, no mesmo prazo.

A notificação será realizada através do Cartório de Títulos e Documentos (que, atualmente, já é possível ser realizada on-line, em www.rtdbrasil.org.br).

É importante salientar que esta notificação deverá ser assinada também por advogado (art. 66-C, §1º), sob pena de nulidade.

Devem constar, na notificação, informações relativas a ata notarial lavrada pelo tabelião de notas.

Além disso, após realizada a notificação pela serventia competente, o locador deverá apresentar o comprovante de notificação do locatário. Exceto se este já tiver pago (purgado a mora).

V – E se o imóvel estiver ocupado por pessoas diversas do locatário?

Se o imóvel estiver ocupado por pessoas outras, que não o locatário ou seus familiares, essa informação constará da notificação sempre que possível. E os ocupantes serão tidos como efetivamente notificados.

VI – O que deve constar na notificação?

O projeto de lei traz algumas informações que deve, necessariamente, constar na notificação, sob pena de nulidade:

  • Os valores discriminados de aluguel, multas ou penalidades contratuais, juros de mora, custas e honorários de advogado do locador;
  • a indicação de banco, agência e conta para depósito dos aluguéis e encargos vinhedos, a partir da data do protocolo no Ofício de Notas;
  • a indicação de que a notificação se faz com fundamento no art. 66-A e seguintes da Lei nº 8.245/91.

VII – O que o locatário pode fazer ao receber a notificação?

Recebida a notificação pelo Registro de Títulos e Documentos, o locatário pode:

  1. desocupar o imóvel, com a entrega das chaves ao tabelião de notas; ou
  2. pagar o que deve (purgar a mora), com o depósito na conta indicada pelo locador.

Lembrando que, se o locatário entender que houve irregularidade no procedimento, ele poderá provocar o juiz competente. Aqui, leia-se, entrar na justiça para que o juiz aprecie irregularidade no procedimento ou erro na planilha apresentada pelo locador.

Por isso é muito importante que todo o procedimento seja devidamente analisado por um profissional experiente, sob pena de a desjudicialização cair por terra e a questão ter de ser, posteriormente, submetida ao judiciário.

VIII – E se o locatário não pagar?

Imagine-se que o locatário, após o recebimento da notificação e o prazo para pagamento (ou desocupação) não paga e continua no imóvel.

Neste caso, o tabelião de notas encerrará o procedimento, descrevendo minuciosamente os acontecimentos, ficando desde logo rescindida a locação e decretado o despejo compulsório.

O tabelião de notas enviará, assim, um ofício ao Tribunal de Justiça, informando todo o procedimento, anexando a ata notarial elaborada ao Ofício, para que seja distribuída ao juiz competente.

IX – A responsabilidade do tabelião no procedimento

Questão que não pode ser esquecida é a responsabilidade do Tabelião de Notas no procedimento do despejo extrajudicial. Segundo o projeto de lei, o envio do ofício ao juízo competente se dará em até 30 (trinta) dias corridos, sob pena de responsabilidade. Inicia-se a contagem da data de encerramento da ata notarial.

X – O direito de o locatário devolver o imóvel pagando multa

Assim como pode o locador despejar extrajudicialmente, pode também, segundo o projeto de lei, o locatário entregar as chaves perante o Tabelião de Notas.

Assim, o locatário que pretender entregar as chaves deverá, da mesma forma que o despejo, pedir a lavratura de ata notarial para este fim.

Lembrando a necessidade, também neste caso, da presença do advogado (art. 67-A, §1º).

XI – Já posso despejar ou entregar as chaves sem entrar na justiça?

O Projeto de Lei foi apresentado no dia 30/07/2020. Portanto, existe ainda todo um procedimento legislativo até sua aprovação. Isso se realmente for aprovado.

A nosso sentir, trata-se de uma evolução fomentada pelo movimento da desjudicialização, que vem ganhando espaço no ordenamento jurídico brasileiro.

Em que pese maiores discussões técnicas acerca do procedimento (como se sabe, toda lei nova é passível de diversos questionamentos e análises por juristas), é louvável a iniciativa.

Espera-se que um dia possamos, realmente, utilizar os cartórios para mais esse serviço.

Quais as vantagens de alugar um imóvel sem garantia?

set 27, 2018

Diante da insegurança econômica que o país vive atualmente, diversos imóveis têm permanecido por um longo espaço de tempo sem alugar. Isto gera prejuízo ao proprietário, que muitas vezes tem de arcar com os custos do bem (como IPTU e condomínio) e insegurança no sentido de o imóvel estar sujeito a invasores. Nas locações de imóveis é possível que o locador, como forma de garantir a locação, exija uma forma de garantia. Dentre as quais a caução e a fiança. Ocorre que nem sempre os locatários têm possibilidade de apresentar uma garantia, o que dificulta a locação do imóvel. Como alternativa a esta situação, o locador pode alugar seu imóvel sem qualquer garantia. Mas pergunta-se: existe vantagem na locação sem garantia? Muito embora o contrato esteja desprovido de garantias, em algumas situações a locação sem garantia se mostra vantajosa. A seguir serão enumeradas suas vantagens: 1. Facilita a locação, de forma que também diminui o tempo que o imóvel fica desocupado; Neste caso, aumenta a agilidade com que o locador ache um locatário. Pois contratos com garantias muitas vezes dificultam a locação, tendo em vista que nem sempre é fácil para o locatário achar fiadores com patrimônio e nem sempre esses inquilinos têm dinheiro para a prestação de caução. 2. A lei do inquilinato (Lei nº 8.245/91), em seu art. 42, permite a cobrança antecipada do aluguel caso não haja garantia. A cobrança antecipada do aluguel, aquela em que o locatário paga no início do mês para só então usufruir do imóvel, em regra é proibida pela lei. É, inclusive, contravenção penal (art. 43, III da Lei 8.245/91) fazê-lo. Ocorre que a lei permite esta cobrança antecipada quando o contrato está desprovido de garantias. 3. No despejo do inquilino, permite-se o despejo liminar para que o inquilino desocupe o imóvel em 15 dias (conforme art. 59, IX da Lei 8.245/91); Sabe-se que a justiça é morosa e processos judiciais demoram anos. Nas ações de despejo, por exemplo, o locador só consegue fazer com que o juiz mande que o locatário saia do imóvel depois de esgotados todos os recursos cabíveis no processo. Isso pode levar dois ou três anos. E no decorrer deste tempo o locador fica sem receber os valores referentes à locação. Mas quando o contrato não possui garantia, é possível que o locador peça uma liminar, ou seja, é possível que a retirada do locatário do imóvel se dê logo no início do processo. De forma que o juiz dá 15 dias para que o locatário desocupe o imóvel. Mas é importante salientar que para que esta liminar seja aprovada, o locador deve prestar caução em juízo, correspondente a três meses o valor do aluguel. Esta caução serve para eventuais perdas e danos que o locatário venha a ter. Ao final do processo o dinheiro pode ser levantado pelo locador. Portanto, se por um lado existem vantagens de um contrato sem garantias, também existe a desvantagem de que o contrato ficará “desprotegido”, de modo que existe o risco de o locador não receber a locação enquanto o imóvel tiver ocupado. Por fim, a depender do caso concreto, o locador deve decidir se vale ou não a pena a locação desprovida de garantias.