É de conhecimento de boa parte da população que o poder judiciário está abarrotado de processos e, ainda, é fato que no brasileiro prevalece incutida a ideia da judicialização. Para tudo se judicializa. Desde questões complexas, que envolvem patrimônios vultosos até questões mais simples, como o mero atraso na entrega de um produto adquirido pela internet.
No entanto, sabe-se também que há algum tempo já existe um movimento de desjudicialização dos procedimentos. Basicamente, há parcela de juristas que vem caminhando no sentido de trazer as soluções de conflitos para o âmbito extrajudicial (soluções que não passam pelo poder judiciário).
As leis também têm seguido o movimento da desjudicialização dos procedimentos. Veja-se, a título de exemplo, a possibilidade de realização de divórcios e inventários nos cartórios (Lei nº 11.441/07) e a retomada extrajudicial do imóvel garantido por alienação fiduciária nos financiamentos imobiliários (Lei nº 9.514/97). Outro exemplo, ainda em fase de projeto de lei, é a possibilidade de despejo extrajudicial, que pode ser vista neste artigo.
Neste sentido, algo que certamente modificará a forma como as pessoas cobram das outras é a chamada Execução Extrajudicial, que virá com a aprovação do Projeto de Lei nº 6.204/2019. Tema que será tratado a seguir.
Existindo um título judicial ou extrajudicial (exemplos: escritura pública assinada pelo devedor, documento particular assinado pelo devedor e duas testemunhas, letra de câmbio, etc), será possível se utilizar de um procedimento extrajudicial de cobrança através do cartório de protestos.
Mas daí pode-se questionar: mas já não seria possível efetuar a cobrança através do cartório de protestos?
Sim. Já é possível levar a protesto títulos executivos certos, líquidos e exigíveis, como é o caso do contrato de locação de imóveis. Já escrevi sobre isso aqui.
O protesto de um título é o ato pelo qual se prova a inadimplência do devedor. Mas o Projeto de Lei tem o condão de trazer a possibilidade de um procedimento de cobrança extrajudicial mais robusto, possibilitando inclusive a penhora e avaliação de bens no âmbito do extrajudicial.
Trata-se, portanto, de procedimento diverso do que já ocorre nos cartórios de protestos. De modo que passa-se a analisar os principais pontos da Execução Extrajudicial.
I – O que se pode cobrar na execução extrajudicial?
Com a execução extrajudicial, será possível que o credor cobre do devedor qualquer dívida materializada em um título executivo judicial e extrajudicial.
Títulos judiciais, conforme o art. 515 do Código de Processo Civil, são:
- as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;
- a decisão homologatória de autocomposição judicial;
- a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;
- o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;
- o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;
- a sentença penal condenatória transitada em julgado;
- a sentença arbitral;
- a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
- a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;
Já os títulos executivos extrajudiciais são, conforme o art. 784, Código de Processo Civil:
- a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
- a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
- o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
- o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
- o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;
- o contrato de seguro de vida em caso de morte;
- o crédito decorrente de foro e laudêmio;
- o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
- a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
- o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
- a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
- todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
Portanto, havendo uma dívida reconhecida em um título (dentre os apresentados acima), será possível sua cobrança sem a necessidade de entrar na justiça, através da execução extrajudicial.
II – Será obrigatória a contratação de advogado para realizar essa cobrança?
Assim como na execução judicial (mediante a judicialização), será imprescindível que a cobrança seja realizada através de advogado, conforme estabelece o art. 2º do Projeto de Lei.
III – Como funcionará o procedimento de cobrança extrajudicial?
O credor, ora chamado requerente, vai apresentar requerimento inicial ao cartório, comprovando o recolhimento dos emolumentos prévios ou, ainda, requerendo ser beneficiário da gratuidade (quando o requerente não possui condições de arcar com o processo extrajudicial).
Uma vez protocolado o requerimento, o tabelião (chamado pelo PL de “agente de execução”) avaliará se o requerimento possui os requisitos legais. Caso não preencha, ele determinará ao requerente que efetue as correções necessárias em 15 dias úteis, sob pena de ser o requerimento cancelado.
Caso preencha os requisitos, o agente de execução citará o devedor para o pagamento do título, acrescido de juros e correção monetária, honorários advocatícios de 10% e emolumentos iniciais.
Na citação constará a informação de que a ausência de pagamento no prazo de 5 (cinco) dias úteis dará ensejo à penhora de bens de sua propriedade e subsequentes atos expropriatórios.
Se o devedor não pagar, será efetuada a penhora e avaliação dos bens necessários à satisfação do crédito, lavrando-se os respectivos termos, com intimação do executado.
Se o credor pagar integralmente no prazo de 5 dias, o valor dos honorários será reduzido pela metade.
IV – E se o devedor não for encontrado?
Caso o devedor não seja encontrado, ele será citado por edital, fixado na sede do tabelionato e publicado em seção especial do Diário da Justiça ou do jornal eletrônico utilizado para publicação dos editais de intimação de protesto (art. 11).
Para esse devedor, será nomeado curador especial, um advogado nomeado para representar seus interesses na cobrança extrajudicial.
V – Qual a saída para o devedor que tiver interesse em parcelar?
Citado o devedor, pode ser que ele tenha interesse em pagar a dívida de forma parcelada.
Em assim sendo, ele poderá, no prazo dos 5 dias da citação, depositar 30% do valor da dívida (incluindo-se os emolumentos, juros, correção monetária e honorários advocatícios) e pagar o restante em até 6 parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1 % ao mês (art. 10, § 5º PL).
VI – O devedor pode perder os bens?
Após todo o procedimento acima indicado, se não houver nem o parcelamento nem o pagamento efetivo da dívida, o devedor pode vir a perder os bens.
Para tanto, o agente de execução lavrará certidões referentes ao início da execução para fins de averbação nos registros competentes, para a presunção absoluta de conhecimento por terceiros (art. 12).
Lembrando que antes de “perder” os bens, o devedor pode pagar a dívida ou consignar a importância atualizada da dívida, com jutos, correção, emolumentos e honorários advocatícios.
VII – Como o devedor pode se defender da execução extrajudicial?
O projeto permite que o devedor oponha embargos à execução para sua defesa, conforme estabelece o art. 18 do PL.
Lembrando que nos embargos à execução o executado poderá alegar qualquer matéria que lhe seja lícito deduzir como defesa (art. 917, VI CPC, dentre outras questões, como penhora incorreta e avaliação errônea ou excesso de execução ou cumulação indevida de execuções)
VIII – Conclusão
Com o quantitativo de processos judiciais nos tribunais, é fato que a desjudicialização dos procedimentos é um caminho sem volta. Soluções extrajudiciais, como a mediação, a arbitragem e as soluções através dos cartórios são cada vez mais necessárias.