Como aplicar a LGPD nos cartórios?

set 30, 2020

O presente artigo traz algumas reflexões sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de dados no âmbito das serventias extrajudiciais (cartórios) e traz, ainda, questões pontuais acerca da regulamentação da matéria no Estado de São Paulo.

I – Introdução

Recentemente, como tem sido amplamente noticiado, entrou em vigor a Lei nº 13.709/18, a chamada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A LGPD estabelece sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive aqueles nos meios digitais. Ela estabelece sobre o tratamento desses dados por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, objetivando principalmente proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

A LGPD traz, grosso modo, um regulamento de como esses dados pessoais obtidos por essas pessoas (empresas, bancos, clínicas médicas, órgãos do governo, etc) devem ser tratados, de forma a conservar a intimidade da pessoa sem denegrir sua imagem (falando especificamente dos chamados dados pessoais sensíveis). Assim, aos que descumprirem a lei há sanções, como o pagamento de indenização.

A LGPD classifica esses dados de maneiras distintas. Destacam-se, desta forma, os dados pessoais (informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável) e os dados pessoais sensíveis (esses, relativos a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, relativo à saúde ou à vida sexual).

A Lei conceitua, ainda, alguns personagens. A exemplo do controlador e do operador. O primeiro, é a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais (art. 5º, VI); o segundo é a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador (art. 5º, VII).

A Lei cria, ainda, a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), Órgão da Administração Pública Federal, integrante da Presidência da República (art. 55-A). Dentre as competências da ANPD destacam-se zelar pela proteção dos dados pessoais e elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade.

II – A LGPD e os Cartórios

Pois bem. Vista esta questão, passa-se a esclarecer que dentro dos conceitos acima pode-se dizer que se inserem as Serventias Extrajudiciais (os cartórios). Justamente por este motivo, deve-se compreender que os titulares dessas serventias (os titulares dos cartórios) estão obrigados a respeitar a LGPD.

Em razão disso, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em tempo, regulamentou a aplicação da LGPD nos cartórios através do Provimento nº 23/2020, que “dispõe sobre o tratamento e a proteção de dados pessoais pelos responsáveis pelas delegações dos serviços extrajudiciais de notas e de registro de que trata o art. 236 da CF […]”.

Inclusive, em um dos “Considerandos” do Provimento, se estabelece que os “responsáveis pelas delegações” dos Cartórios são “controladores de dados pessoais”.

III – Como conciliar a LGPD com a publicidade dos Cartórios?

Após a conclusão acima, passa-se a tratar especificamente sobre como se poderia aplicar, efetivamente, a LGPD nos Cartórios. A questão não é simples, pois se de um lado a LGPD protege a utilização de dados dos titulares, de outro lado existe todo um sistema que privilegia a publicidade de atos. Desta forma, algumas reflexões merecem destaque.

Inicialmente, como seria conciliado o art. 17 da Lei nº 6.015/73 (Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido.) com a LGPD, uma vez que o regime das certidões é público? Neste caso, se aplicariam as regras da LGPD, como a de seu art. 7º, que prevê hipóteses específicas para o tratamento de dados pessoais?

Outro questionamento seria em como conciliar a aplicação do Provimento nº 61 do CNJ (que estabelece a obrigatoriedade de informações e dados necessários à completa qualificação das partes nos requerimentos para a prática de atos nos cartórios) com as regras trazidas pela LGPD. Imagina-se que não mais seria possível que o titular apresentasse informações sensíveis não previstas em Lei.

Além disso, outra questão de ordem prática é com relação às certidões obtidas no Registro Civil de Pessoas Naturais (nascimento, casamento e óbito). Uma vez que toda a informação trazida nessas certidões é de natureza pessoal, como seria concretamente a aplicação da LGPD?

Há, ainda, outra colocação a ser feita especificamente quanto aos cartórios de protestos. É sabido que os Cartórios de protestos, com os Provimentos 86 e 87 do CNJ, podem intimar eletronicamente os devedores para a cobrança. E na prática muitas vezes esses cartórios contratam serviços de terceiros para obter informações desses devedores. Essas informações se enquadrariam na LGPD? Como seria tratada essa questão?

Mais um ponto diz respeito ao compartilhamento do cartão de autógrafos, regra trazida pelo art. 18, §1º do Provimento nº 100 do CNJ. Segundo a norma, o tabelião de notas pode compartilhar o cartão de autógrafos através de e-mail. Seria essa modalidade de compartilhamento adequada, agora tendo em vista a entrada em vigor da LGPD? Não haveria, aí, certa fragilidade no manejo das informações dos interessados?

As reflexões são necessárias, uma vez que o regime que trata das serventias extrajudiciais é todo voltado a dar publicidade aos dados, às informações. De outro lado, a LGPD entra em vigor conferindo privacidade a esses dados, inclusive com sanções pelo descumprimento da lei.

Em seguida, passa-se a tratar da regulamentação da matéria no Estado de São Paulo.

IV – A regulamentação do Estado de São Paulo

Sem pretender esgotar o tema, passa-se a tratar somente de algumas questões pontuais acerca da regulamentação paulista diante da LGPD.

Uma das questões a serem tratadas é com relação a obtenção de certidões nas Serventias Extrajudiciais, com a redação do item 144 do Provimento nº 23/2020, cujo texto é:

Para a expedição de certidão ou informação restrita ao que constar nos indicadores e índices pessoais poderá ser exigido o fornecimento, por escrito, da identificação do solicitante e da finalidade da solicitação

Para efeitos de emissão de certidão pela serventia, o regulamento não obriga necessariamente que a Serventia exija o fornecimento da identificação por escrito do solicitante ou a finalidade da solicitação, uma vez que se utilizou da palavra “poderá”. Sendo, portanto, uma faculdade da Serventia Extrajudicial.

Outra questão é com relação ao tratamento dos dados pessoais destinados à prática dos atos nas serventias, que independe de autorização específica da pessoa natural que deles for titular (item 131 do Provimento nº 23/2020), indo de encontro com o previsto no art. 7º, I da LGPD, que exige o fornecimento de consentimento pelo titular. Neste ponto, entendemos que andou bem a regulamentação estadual, uma vez que mencionado consentimento estaria implícito no ato praticado. Mesmo porque o art. 11, II, da LGPD não exige o consentimento do titular em hipóteses como esta.

Ainda, dentre as questões trazidas pelo Provimento Estadual está a possibilidade de os titulares das serventias extrajudiciais nomearem operadores não integrantes de seu quadro de prepostos, desde que na qualidade de prestadores terceirizados de serviços técnicos (item 132). No entanto, deve-se lembrar que mesmo com essa nomeação, os titulares das serventias continuam responsáveis pelo cumprimento do correto tratamento de dados pessoais nas serventias (item 132.3).

Para efeito de aplicação da LGPD, cada serventia manterá, ainda, dentro de seus quadros, um encarregado que atuará como canal de comunicação entre o controlador e os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) (item 133).

V – As Centrais de Serviço e a LGPD

Ultrapassadas as questões acima, uma questão delicada é sobre as Centrais de Serviço, a exemplo do SREI (Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis). A ferramenta tem como objetivo facilitar o intercâmbio de informações entre os Ofícios de Registros de Imóveis, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral.

Em se tratando de uma Central que se utiliza de informações (dados), como ficaria a questão da LGPD no manuseio dessas informações? A questão, mais uma vez, não é simples. Isto porque, a depender de como a questão for tratada o próprio serviço das Centrais é inviabilizado. Portanto, somente a título de reflexão sugere-se que o primeiro passo é definir a natureza jurídica das Centrais, para só então verificar como a LGPD a elas se aplicaria. A questão não é simples e não será aprofundada aqui.

VI – Conclusão

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, os titulares das Serventias Extrajudiciais estarão diante de novos desafios e a necessidade de inúmeras adequações. É fato que o Estado de São Paulo saiu na frente com a edição do Provimento nº 23/2020. No entanto, apesar do provimento Estadual, muitas questões ficaram sem solução.

Lembrando que a questão, até então, somente foi regulamentada no Estado de São Paulo. No restante do território nacional a questão ainda está no limbo.

Assim, visando conciliar a LGPD com o regime jurídico das Serventias Extrajudiciais, é mais que necessário que haja uma regulamentação nacional por parte do Conselho Nacional de Justiça.

O funcionamento dos cartórios durante a pandemia

abr 11, 2020

Com a pandemia do coronavírus, foram editadas diversas normativas pelo CNJ para regulamentar o funcionamento dos cartórios. De forma que essas normativas, dentre outras questões, dispuseram sobre a continuidade dos serviços notariais e registrais e de questões outras, das quais se pretende tratar. Os provimentos números 91, 93, 94 e 95, bem como a Recomendação nº 45 do Conselho Nacional de Justiça serão, a seguir, didaticamente tratados, para melhor compreensão do leitor. I – Continuidade do serviço Os serviços públicos de notas e registros (cartórios) devem manter a continuidade e o seu funcionamento é obrigatório (art. 1º, §1º Prov. 95 CNJ). Assim, segundo as normativas apresentadas, os cartórios devem continuar a operar, seja de forma remota, seja presencialmente (em casos excepcionais). II – Adoção de medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação A Recomendação nº 45 do CNJ recomenda “às Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal a adoção de medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação com o novo coronavírus, causados da Covid-19, pelos delegatários e/ou responsáveis e usuários do serviço extrajudicial brasileiro” (art. 1º). Neste sentido, a Corregedoria do Estado de Minas Gerais estabeleceu que os atendimentos presenciais deverão ocorrer de forma controlada, observando-se rigorosamente as orientações das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, bem como ao Ministério da Saúde, sobre medidas de prevenção à disseminação do coronavírus (art. 1º, §3º c/c art. 3º da Portaria Conjunta nº 955/PR/2020). No caso dos notários que excepcionalmente resolverem implantar o atendimento ao público presencial, o Provimento nº 95 do CNJ traz alguns critérios:
  • intercalar cadeiras de espera com espaço mínimo de 2 metros entre um usuário e outro, para que fiquem com uma distância segura entre si;
  • limitar a entrada de pessoas nas áreas de atendimento, evitando aglomerações. Recomenda-se a triagem do lado de fora da serventia;
  • marcação de faixa de segurança a uma distância de 1,5 metros nas áreas de atendimento entre usuário e atendente;
  • orientar os usuários da possibilidade de realizar atos em diligência;
  • disponibilizar álcool em gel, luvas e máscaras aos atendentes que tenham contato com documentos em papel e com o público;
  • disponibilizar álcool em gel em local de fácil acesso aos usuários;
  • higienizar rotineiramente as máquinas e objetos, canetas e outros materiais de constante contato com os usuários.
III – Atendimento à distância obrigatório Quando o responsável pela serventia ou qualquer colaborador estiver infectado pelo vírus COVID-19, o atendimento à distância é obrigatório (art. 1º, §2º Prov. 95 CNJ). IV – Os registros de nascimentos no período da pandemia Quando dos nascimentos no país, o interessado tem, em regra, o prazo de 15 dias para apresentação das declarações de nascimento aos cartórios de registro civil. Quando o nascimento se dá em local distante mais de 30 km do cartório, o prazo pode chegar a 3 meses (art. 50, Lei nº 6.015/73). No período da pandemia (assim decretado Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional – ESPIN), pode o interessado apresentar a declaração de nascimento diretamente aos cartórios. Neste caso, vale a regra da lei. Se o oficial do cartório suspeitar da falsidade da declaração, pode exigir prova suficiente e, em caso de dúvida, poderá requerer ao Juiz as providências cabíveis para o esclarecimento do fato (art. 1º, §1º, Prov. 93 CNJ). No entanto, pode o interessado optar por não apresentar, de pronto, a declaração de nascimento aos cartórios. Isso porque no período de pandemia do coronavírus, os prazos para declaração de nascimento ficam prorrogados por até 15 (quinze) dias após a decretação do fim da emergência em saúde pública de importância nacional, ESPIN (art. 1º, Prov. 93 CNJ). Nestes casos, será consignado o motivo da dilatação dos prazos nos respectivos livros e assentamentos (art. 1º, §2º, Prov. 93 CNJ). Ainda por conta da pandemia, os hospitais, em caráter excepcional, podem encaminhar os documentos necessários à elaboração do atestado de nascimento ao e-mail do respectivo cartório, que pode ser obtido em www.arpenbrasil.org.br (art. 1º, §4º, Prov. 93 CNJ). V – Os óbitos durante a pandemia Quanto às declarações de óbito, estas poderão ser assinadas presencialmente pelos declarantes nos hospitais e posteriormente enviadas ao e-mail do cartório competente, no endereço divulgado no site www.arpenbrasil.org.br (art. 2º, Prov. 93 CNJ). Sendo que a cópia de identidade do falecido e do declarante poderão ser digitalizadas e enviadas ao cartório (art. 2º, §1º, Prov. 93, CNJ). Se o oficial do cartório suspeitar da falsidade da declaração, pode exigir prova suficiente e, em caso de dúvida, poderá requerer ao Juiz as providências cabíveis para o esclarecimento do fato (art. 2º, §4º, Prov. 93 CNJ). VI – A recepção dos títulos de forma eletrônica  É permitido que os notários, a seu exclusivo critério, recepcionem títulos de forma eletrônica, por outros meios que comprovem a autoria e integridade do arquivo. Neste caso, deve-se observar o art. 10, §2º da MP 2200-2/2001, segundo o qual:
§ 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
Portanto, é possível que os cartórios recepcionem os títulos de forma eletrônica. VII – O e-protocolo O e-protocolo é um sistema operado no www.registrodeimoveis.org.br em que o usuário cadastrado poderá enviar o arquivo na plataforma, escolhendo o cartório que receberá o título. VIII- As certidões dos cartórios de registro de imóveis No que diz respeito aos registros de imóveis, é possível se obter certidões em praticamente todo o país através do site www.registrodeimoveis.org.br (já era assim antes da pandemia). Existe, ainda, um sistema em Minas Gerais, onde também é possível praticar os atos junto ao registro: https://www.crimg.com.br. As certidões digitais solicitadas durante o horário de expedientes, com indicação do número da matrícula ou do registro será emitida e disponibilizada dentro de, no máximo, duas horas. Exceto nos casos de manuscritos, cuja emissão deve ocorrer em até 5 dias (art. 8º, Prov. 94 CNJ). IX – Protocolos via internet O art. 6º do Provimento 95 do CNJ (e o art. 4º do Prov. 94 do CNJ) admite que durante a ESPIN, todos os oficiais de registro e tabeliães deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade de serviço. O art. 6º, §1º do Prov. 95 CNJ estabelece que:
§ 1º. Considera-se um título nativamente digital, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles já referidos no Provimento CNJ 94/2020, de 28 de março de 2020, e na legislação em vigor, os seguintes:
I – O documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas: II – A certidão ou traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto; III – Os documentos desmaterializados por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP- Brasil. IV – As cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, por meio de acesso direto do oficial do registro ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento do interessado.
Ocorre que o §1º acima exposto dispõe a expressão “sem prejuízo daqueles já referidos no Provimento CNJ 94/2020. Aqueles então referidos são:
III – o resumo de instrumento particular com força de escritura pública, celebrado por agentes financeiros autorizados a funcionar no âmbito do SFH/SFI, pelo Banco Central do Brasil, referido no art. 61, “caput” e parágrafo 4o da Lei no 4.380, de 21 de agosto de 1.964, assinado pelo representante legal do agente financeiro IV – as cédulas de crédito emitidas sob a forma escritural, na forma da lei; V – o documento desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP- Brasil.
Assim, os títulos apresentados são, para os devidos fins, considerados documentos nativamente digital. X – Os prazos nos registros de imóveis Os prazos não serão suspensos durante a pandemia. Enquanto perdurar o sistema de plantão, os prazos de validade da prenotação (protocolo) e os prazos de qualificação (pelo registrador) e de prática dos atos de registro serão contados em dobro. Com exceção dos prazos para emissão das certidões e os registros dos contratos de garantias reais sobre bens imóveis que sejam condição para a liberação de financiamentos concedidos por instituições de crédito, observados o controle do contraditório e a ordem cronológica de apresentação dos títulos.  

Como os cartórios podem ajudar na solução de conflitos?

jan 03, 2019

No Brasil, quando se fala em conflito entre pessoas – físicas ou jurídicas – é lugar comum se imaginar que muito provavelmente este conflito irá desaguar no Poder Judiciário. Imagina-se que uma das partes interessadas no conflito – em resolvê-lo, muito embora muitas vezes se procure a “briga” – ajuizará uma ação em face da outra parte. Assim, a visão tradicional do brasileiro quanto à solução de conflitos passa necessariamente pelo crivo do poder judiciário. Quanto a esta visão ora denominada “tradicional”, ela tem sido por alguns profissionais do direito evitada. Sobretudo diante da dificuldade de uma rápida solução judicial. Entende-se que este caminho é importante, mas como último recurso. Mesmo porque os caminhos do poder judiciário passam pela incerteza do julgamento de um terceiro (o julgador), com um ponto de vista diverso dos litigantes. Assim, diversas situações podem ser resolvidas sem a participação do Poder Judiciário. E é exatamente neste ponto que os cartórios passam a servir de aliados ao cidadão na solução de seus conflitos. A seguir duas situações serão tratadas, de forma que podem ajudar o cidadão na solução de seus conflitos. I – A mediação extrajudicial nos cartórios Como exemplo, cite-se a mediação. A mediação pode ser judicial ou extrajudicial. Aqui será tratado somente acerca da mediação extrajudicial, vide art. 42 da Lei 13.140/15:
“aplica-se esta lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências”.
Desta feita, evidente que os cartórios podem realizar a Mediação. Em especial porque o Conselho Nacional de Justiça, através do Provimento nº 67, regulamentou a questão, como será demonstrado. Conforme o art. 2º do Provimento, aos cartórios são facultados os procedimentos de conciliação e mediação. Note que a lei trouxe uma faculdade. Ou seja, não existe uma obrigatoriedade, mas somente a possibilidade de o cartório passar a realizar estes procedimentos. Assim, o cartório que se interessar pela realização deste procedimento deve pedir autorização aos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) e as corregedorias-gerais de justiça do Estado correspondente (art. 4º, Prov. 67 CNJ). As regras para a submissão ao procedimento estão detalhadamente descritas no Provimento 67 do CNJ. O NUPEMEC, de acordo com a lei, deverá manter um cadastro de conciliadores e mediadores habilitados. Estes dados serão publicados anualmente para o conhecimento da população (art. 5º, §2º, Prov. 67 CNJ). Desta forma, a mediação extrajudicial é um enorme reforço que a lei trouxe ao cidadão. E ao interessado em submeter sua situação ao crivo da mediação extrajudicial dos cartórios, é importante que se aconselhe com um advogado especialista em Direito Notarial e Registral, que representará seus interesses. Além de que a situação envolve matéria específica, cujo conhecimento é relevante para a boa assessoria jurídica. II – A utilização da advocacia extrajudicial como forma de evitar conflitos e trazer segurança ao cidadão É também de se dizer que além dos procedimentos de mediação extrajudicial, os cartórios são grandes aliados na prevenção e mesmo solução de conflitos. Isto porque muitas situações podem ser resolvidas com a Advocacia Extrajudicial. Questões pontuais serão demonstrada: a) Cobrança em face de devedor que não paga Quando ocorre uma eventual inadimplência, normalmente se pensa no ajuizamento de uma ação de cobrança na justiça. No entanto, uma forma realmente eficaz de cobrar um devedor inadimplente é através da utilização do Cartório de Protesto de Títulos. A sistemática está definida na Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97). Assim, depois da protocolização do título ou documento de dívida, em 3 (três) dias úteis o título será protestado (art. 12, Lei 9.492/97). De forma que o devedor será informado em tempo hábil a pagar aquela dívida. Trata-se, assim, de uma forma célere e eficaz de cobrança. b) A utilização dos cartórios nas notificações extrajudiciais Outra solução segura e eficaz que os cartórios podem trazer ao cidadão é a notificação extrajudicial, realizada pelos cartórios de títulos e documentos. Como exemplo da segurança deste procedimento, acompanhe o raciocínio abaixo. Em questões específicas, como a locação de imóveis, por diversas situações é necessário que uma das partes notifique a outra para se assegurar de um direito. A notificação através do cartório de títulos e documentos é segura e eficaz porque evita a ocultação ou fuga do notificado. De forma que se o notificado se recusar a receber ou assinar qualquer notificação, para se esquivar de um procedimento, o oficial do cartório certificará este fato no documento. A certidão do oficial alegando que o notificado recusou a assinar o documento serve como prova de que ele realmente foi achado e se fez ciente daquela notificação, muito embora tenha se recusado a recebê-la. Isto porque o oficial tem fé pública, de forma que o que está sendo dito pelo oficial é verdadeiro. c) As diversas soluções através de escrituras públicas Por fim, e não menos importante, é preciso dizer que há inúmeras situações que podem ser resolvidas através da realização de escrituras públicas. Cite-se, por exemplo, a estremação, procedimento que permite a vários proprietários em condomínio de um imóvel a “separar” cada qual sua parte. Para maiores esclarecimentos sobre a estremação, acesse este link. Outro exemplo é a Escritura Pública Declaratória de únicos herdeiros, que na prática tem sido muito utilizada para fins de receber seguros de vida ou DPVAT junto as seguradoras. Há, ainda, situações como o divórcio consensual, a escritura de pacto antenupcial, a cessão de direitos hereditários, dentre outras. III – Conclusão A utilização dos cartórios para soluções extrajudiciais tem sido excelente saída para aqueles que não querem se submeter a morosidade e à incerteza da solução dada pelo poder judiciário. Enfim, a utilização dos cartórios é extremamente valiosa para o cidadão, em especial se for bem assessorado por um especialista em Direito Notarial e Registral. Afinal, a área é específica e demanda conhecimento profundo sobre a matéria.