Entenda o funcionamento da Fidúcia – PL 4.758/20

nov 25, 2020

I – Introdução

O projeto de lei da fidúcia, de autoria de Enrico Misasi, atualmente encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Trata-se de um projeto que pretende viabilizar uma sistemática amplamente difundida no mundo, muitas vezes sob a constituição de um trust.

O trust, segundo a Convenção de Haia, se refere a relações jurídicas criadas por alguém, o outorgante, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para o benefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica.

Essa sistemática difundida da qual se falou inicialmente basicamente é aquela situação em que a administração de ativos é confiada a terceiro, administrador profissional, ao qual é atribuída a titularidade dos bens objeto do negócio.

Assim, o PL, em sua justificação, esclarece que é possível alcançar o mesmo efeito jurídico do trust mediante transmissão fiduciária, “pois tanto o trust quanto a fidúcia produzem o mesmo efeito de definir uma destinação para o bem transmitido e vinculá-lo à realização desse escopo específico, excluindo-o dos efeitos de eventuais situações de crise do fiduciário”.

Para que fique mais claro, caso o PL da fidúcia se torne lei, será possível a administração de heranças, de patrimônio de dependentes ou de investimentos financeiros.

II – O que é fidúcia?

O PL estabelece o chamado Regime Geral da Fidúcia (art. 1º), pois pretendeu estabelecer todo o regime jurídico do instituto em uma só lei.

A fidúcia é o negócio jurídico pelo qual uma das partes, denominada fiduciante, transmite, sob regime fiduciário, bens ou direitos, presentes ou futuros, a outra, denominada fiduciário, para que este os administre em proveito de um terceiro, denominado beneficiário, ou do próprio fiduciante, e os transmita a estes ou a terceiros, de acordo com o estipulado no respectivo ato constitutivo (art. 2º).

Portanto, são partes desse negócio:

  1. O fiduciante: aquele que transmite bens ou direitos;
  2. O fiduciário: aquele que administra esses bens e direitos, em proveito de um terceiro;
  3. O beneficiário: o terceiro, que se beneficia da administração dos bens ou direitos pelo fiduciário.

Necessário lembrar que a fidúcia pode também ser utilizada como forma de garantia (art. 2º, parágrafo único).

III – Como se constitui a fidúcia?

A fidúcia se constitui das formas seguintes:

  1. Por lei (art. 4º);
  2. Por contrato ou ato unilateral (art. 4º);
  3. Por testamento (art. 4º, §3º).

IV – Os requisitos da fidúcia

O PL traz, em seu art. 4º, §1º uma série de requisitos, como a individualização dos bens e direitos objetos da fidúcia e os direitos e obrigações das partes e dos beneficiários.

Lembrando que a exigência dos requisitos é impositiva, sob pena de nulidade (art. 4º, §1º)

V – O registro da fidúcia

Como já explicado, a fidúcia pode ser sobre bens e direitos.

O PL estabelece que se considera constituída a propriedade ou a titularidade fiduciária, e válida perante terceiros, mediante registro do ato de constituição da fidúcia no Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel dado em fidúcia, no Registro de Títulos e Documentos, na Comarca em que forem domiciliados o fiduciário e o fiduciante, ou no órgão a que a lei atribuir competência para esse fim (art. 4º, §2º).

VI – A separação do patrimônio

O regime da fidúcia estabelece, grosso modo, uma afetação patrimonial. O que significa dizer que o patrimônio do fiduciante e do fiduciário são separados, não podendo se misturar.

Assim, segundo o PL, o fiduciário deverá se esforçar para que os bens e direitos objetos da fidúcia, e também seus frutos, não se comuniquem, nem se confundam, com seus bens e direitos (art. 6º, §1º). Trata-se, portanto, de uma afetação patrimonial. Situação semelhante da que já ocorre na Incorporação Imobiliária com utilização do patrimônio de afetação (sobre esse tema, clique aqui).

Portanto, ao se estabelecer o regime da fidúcia em determinado negócio, os patrimônios ficam separados. Esse, inclusive, é o ponto central do PL.

Inclusive, a este respeito o PL estabelece que o patrimônio constituído pela fidúcia não se submeterá aos efeitos da falência ou da recuperação judicial da empresa, permanecendo esse patrimônio separado do falido (art. 13).

VII – Conclusão

Vistos alguns aspectos desse PL, verifica-se que o mercado já tem adotado essa sistemática em situações pontuais, como na Incorporação Imobiliária, na parceria público-privada, na securitização de créditos e nas operações de crédito do agronegócio.

A viabilização da fidúcia em sentido amplo, como é o que pretende fazer o PL, é louvável e fomentará novos negócios.

A hipoteca reversa como fonte de renda para os idosos

abr 19, 2019

Em tempos de mudanças nas regras de aposentadoria, torna-se necessário discutir novos temas de direito imobiliário, sobretudo aqueles que têm os idosos como os principais beneficiários. Nos Estados Unidos, existe um instituto chamado Reverse Mortgage. Trata-se de um produto oferecido pelas instituições financeiras que possibilita ao idoso auferir renda de sua propriedade imobiliária, tendo em vida o aumento da expectativa de vida. No Brasil, tramita no Senado o Projeto de Lei do Senado Federal (PLS 52/2018) de autoria do Senador Paulo Bauer, que visa regulamentar a chamada Hipoteca Reversa. Caso a hipoteca reversa se torne lei, será possível que um idoso maior de 60 anos, que seja proprietário de imóvel, obtenha renda de forma vitalícia, com a condição de, futuramente, com o falecimento do idoso, a propriedade do imóvel reverter para a instituição financeira. O projeto apresenta como justificativa o seguinte:
A precária situação dos aposentados no Brasil vai melhorar, se for aprovado este projeto de lei, que propõe a criação da hipoteca reversa de coisa imóvel para aumentar suas paupérrimas aposentadorias e pensões, na maioria em mãos do INSS e que são, em média, de um salário mínimo mensal. Esse projeto tenta, justamente, aumentar a renda das pessoas das classes mais carentes da nossa população, por meio de um contrato firmado entre o maior de sessenta anos, que seja proprietário de um bem imóvel, e uma instituição financeira, que ficará obrigada a pagar uma quantia vitalícia, sob a condição de se tornar, no futuro, proprietária do imóvel hipotecado reversamente.
O Projeto de Lei pretende inserir alguns dispositivos na Lei 9.514/97, aquela que dispõe sobre a alienação fiduciária de bem imóvel. Pretende-se inserir o Capítulo II-B, intitulado “Da Hipoteca Reversa de Coisa imóvel”. I – O QUE É HIPOTECA REVERSA? Segundo a lei, a hipoteca reversa, juridicamente falando, é
“o negócio jurídico pelo qual o credor hipotecário reverso, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao devedor hipotecário reverso da propriedade resolúvel de coisa imóvel” (art. 33-G)
Grosso modo, o idoso dará seu imóvel em garantia para o banco e receberá um numerário mensal, de forma vitalícia. Quando de seu falecimento, o banco se tornará proprietário efetivo do imóvel. É basicamente uma forma de o idoso obter renda da propriedade de seu imóvel, suprindo assim sua aposentadoria. II – COMO SE DÁ A HIPOTECA REVERSA? A hipoteca reversa será constituída mediante o registro do contrato no respectivo cartório de registro de imóveis (art. 33-H). De forma que ocorre então o desdobramento da posse, surgindo dois personagens: a) credor hipotecário reverso: este é o idoso, que contratou a hipoteca reversa. Ele fica como possuidor direto do imóvel; b) devedor hipotecário reverso: esta é a instituição financeira, que fica sendo a possuidora indireta do imóvel. III – QUEM PODE CONTRATAR? De acordo com a Lei, qualquer pessoa física ou jurídica poderão contratar a hipoteca reversa. De forma que não é instituto privativo das entidades que operam o sistema de financiamento imobiliário (SFI), nos termos do parágrafo primeiro do art. 33-G da lei. IV- O QUE OCORRE COM O FALECIMENTO DO IDOSO? Se o idoso falecer nos 5 (cinco) anos subsequentes a constituição da hipoteca reversa, o imóvel dado em garantia será entregue aos herdeiros do falecido, descontados em benefício do devedor hipotecário as condições de reposição do empréstimo ou do crédito da hipoteca reversa, acrescida dos juros legais, juros contratuais, correção monetária e demais despesas para a formalização e resolução do contrato (art. 33-I, §4º). Lado outro, se ocorrer o falecimento após este prazo, resolve-se, com a quitação da dívida, a propriedade hipotecária reversa do imóvel. De forma que o domínio útil se consolida em nome do devedor hipotecário reverso (art. 33-J) Ou seja, falecendo o idoso, o imóvel se torna do banco. O banco, por sua vez, levará o imóvel a leilão, que terá como base o valor do imóvel, que será indicado no contrato de constituição (art. 33-I, IX). V – COMO FICAM OS HERDEIROS E OS BENS DO FALECIDO NO IMÓVEL? Com o falecimento do idoso que contratou a hipoteca reversa, o inventariante e os herdeiros do falecido terão o prazo de 30 dias para retirar os bens que guarnecem o imóvel, bem como para levantar suas respectivas benfeitorias voluptuárias (art. 33-J, §2º). VI – COMO FICA A SITUAÇÃO DO INQUILINO DO IMÓVEL DADO EM GARANTIA? Segundo a lei, o imóvel dado em garantia ao contrato de hipoteca reversa não poderá ser objeto de locação ou sublocação pelo credor hipotecário reverso. Neste sentido, caso o imóvel seja locado, a locação poderá ser denunciada no prazo de 30 (trinta) dias, para que seja o imóvel desocupado pelo inquilino. No entanto, caso a locação tenha sido realizada com aquiescência por escrito do devedor hipotecário reverso, o prazo para a denúncia será de 90 (noventa) dias. Tudo nos termos dos arts. 33-L e seu parágrafo único. VII – CONCLUSÃO Em tempos de mudanças nas regras para aposentadoria e em tempos em que a população idosa aumenta a cada dia, a entrada em vigor deste projeto é de suma importância. Com a possibilidade da constituição da hipoteca reversa pelo idoso, ele poderá complementar sua renda no momento mais necessário de sua vida.