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Situação verídica: outro dia, em um local público, ouvi a conversa de um corretor com seus clientes. O corretor estava levando os clientes para conhecer o imóvel e comentou que o inquilino já havia recebido a carta de preferência e não havia se interessado pelo imóvel. E avisou aos clientes: “assim que vocês comprarem, o inquilino terá 15 dias para sair do imóvel (sic)”. Esta situação ocorre de maneira recorrente no mercado imobiliário e é espantosa a falta de informação correta sobre o tema, que será claramente demonstrado a seguir. Ao vender um imóvel, o locatário (inquilino) tem preferência de compra daquele imóvel. Ou seja, antes de oferecer a terceiros, é preciso que o proprietário dê preferência ao inquilino na aquisição do imóvel, conforme a lei estabelece:
Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar – lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.Note que a preferência é em “iguais condições” e deve haver “ciência inequívoca” do locatário. Por iguais condições entende-se que se o imóvel for vendido por trezentos mil reais, ele deve ser oferecido pelo mesmo valor para o locatário. É preciso, portanto, que na notificação estejam expressas todas as formas e condições de pagamento, de forma que a notificação não pode ser aquela genérica, tão-somente alegando o interesse na venda sem mencionar as condições e valor. E por ciência inequívoca entende-se aquela que realmente chegue ao conhecimento do locatário, devendo o proprietário fazer prova de que o locatário tomou conhecimento. Geralmente pode ser realizada por carta com aviso de recebimento ou através do cartório de registro de títulos e documentos (aliás, modalidade esta preferível àquela). A lei estabelece, ainda, que o prazo para que o locatário se manifeste no sentido da compra do imóvel é de 30 dias. Note que esta manifestação também deve ser inequívoca, de forma que recomenda-se que seja também através de notificação. Pois bem, daí surgem algumas dúvidas: se o inquilino não se interessar pela compra e se o imóvel for realmente vendido, o inquilino deve se retirar do imóvel? Em qual prazo? Ou o novo proprietário deve respeitar os termos do contrato? E esse direito de preferência é válido mesmo se o locador for possuidor? Os temas serão a seguir tratados em tópicos, senão vejamos: I – O DIREITO DE PREFERÊNCIA É VÁLIDO QUANDO O LOCADOR NÃO É PROPRIETÁRIO? Muitos são os casos em que o locador tem somente o contrato de promessa de compra e venda, sem ter registrado o imóvel em seu nome. Às vezes o imóvel está em nome de terceiros e o locador só possui a posse indireta do imóvel. Quanto a esta questão, muitos não sabem, mas o inquilino só tem direito de preferência se o locador for efetivamente o proprietário do imóvel. E para ilustrar esta situação, vide questão já decidida na justiça:
APELAÇÃO CIVIL. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. MORADIA POPULAR LEGALMENTE CONSTRUÍDA COM PARTICIPAÇÃO DOS ASSOCIADOS À ENTIDADE CIIVIL SEM FINS LUCRATIVOS – COOPERATIVA HABITACIONAL. IMÓVEL LOCADO A TERCEIRO NÃO ASSOCIADO. SOLICITAÇÃO DE DESOCUPAÇÃO DESATENDIDA. PEDIDO DE PREFERÊNCIA NA COMPRA DO BEM NAS MESMAS CONDIÇÕES VENDIDAS AO ANTIGO ASSOCIADO, NEGADO. LOCAÇÃO ENTRE LOCATÁRIO E LOCADOR NÃO PROPRIETÁRIO, NÃO ENSEJA A APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 27 DA LEI DO INQUILINATO. PERMANÊNCIA DE PESSOA NÃO ASSOCIADA NO IMÓVEL APÓS SOLICITAÇÃO DO PROPRIETÁRIO SEM RESOLUÇÃO DO CONFLITO, ENSEJA INDENIZAÇÃO EM PERDAS E DANOS, COBRADA ATRAVÉS DE ALUGUÉIS. NEGADO PROVIMENTO AO APELO. (TJ-PE – APL: 2497689 PE, Relator: Alberto Nogueira Virgínio, Data de Julgamento: 18/12/2013, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/03/2014)Portanto, o direito de preferência, neste caso, só se aplica quando o locador for efetivamente o proprietário do imóvel. Mesmo porque o prazo para que o locatário preterido em seu direito de preferência pleiteie indenização por perdas e danos se inicia do efetivo registro do ato (da venda) no cartório de imóveis (art. 33 da Lei do Inquilinato). II – APÓS A VENDA DO IMÓVEL O INQUILINO DEVE SE RETIRAR? EM QUAL PRAZO? Aqui, é preciso que seja avaliada a situação em concreto. Existem duas situações: a) Quando o contrato possuir cláusula de vigência e for averbado na matrícula do imóvel: neste caso o comprador deve respeitar o contrato de locação até seu prazo final. Cláusula de vigência é aquela que menciona que caso o imóvel objeto do contrato seja vendido, o adquirente deverá respeitar o contrato em todas as suas cláusulas. É uma forma de dar proteção ao inquilino comercial, por exemplo. A averbação do contrato na matrícula do imóvel pode ser verificada por qualquer interessado junto ao cartório de registro de imóvel. Basta pedir uma certidão da matrícula do imóvel. Aqui, vale uma dica: nas cidades pequenas e médias, muitos funcionários de cartórios desconhecem totalmente a possibilidade de averbação do contrato de locação na matrícula do imóvel. b) Quando não houver cláusula de vigência no contrato e ele não for averbado na matrícula do imóvel: neste caso, o inquilino deve se retirar do imóvel no prazo de 90 (noventa) dias. Portanto, ao contrário do que fora falado pelo nosso amigo corretor a seus clientes, com a aquisição do imóvel, não estando averbado o contrato na matrícula e não havendo cláusula de vigência no contrato, o inquilino tem o prazo de 90 (noventa) dias para que desocupe o imóvel, e não os 15 dias mencionados. Locatários, locadores e proprietários de imóveis muitas vezes amargam prejuízos por não contarem com uma assessoria imobiliária de um advogado especialista na área. Portanto, é importante que um profissional avalie cada situação, de forma a proteger o patrimônio e o investimento das partes envolvidas nos negócios.