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Como funciona a mediação nos cartórios?

21 out 2020

O movimento da desjudicialização – a resolução de demandas fora do poder judiciário – tem tomado grandes proporções na legislação e, ainda, na cultura jurídica do país.

Vários exemplos de iniciativas para a desjudicialização já foram tratadas neste espaço. Citem-se, por exemplo, a Execução Extrajudicial e o Despejo Extrajudicial, ambos ainda em Projetos de Lei. Mas há. ainda, outras situações que já são realidade entre nós, como a possibilidade de realização de Usucapião Extrajudicial (aquela feita nos cartórios) e a possibilidade de realização de Divórcio e Inventário Extrajudiciais.

No mesmo sentido, o presente artigo passa a tratar da possibilidade de se utilizar da Mediação no âmbito dos Cartórios. Para que se compreenda o tema é preciso esclarecer o que seria Mediação.

I – O que é mediação?

Para melhor compreender o que seria a mediação, é importante se ter em mente que existem dois métodos para a solução de conflitos. Os métodos Autocompositivos e os métodos Heterocompositivos.

a) Métodos autocompositivos

Nesta modalidade, as próprias partes resolvem seus conflitos. E isso pode ser feito com um facilitador ou sem um facilitador. Dentro desse método destacam-se a Mediação e a Conciliação.

Na mediação, as partes chamam um mediador para resolver o conflito. A função do mediador é abrir caminhos para que as próprias partes enxerguem no acordo a melhor solução do conflito. Portanto, o mediador se preocupa com o estado emocional das partes e não sugere o que deve ser feito, apenas conduz as tratativas para que as próprias partes cheguem a um consenso.

Na conciliação, há a participação de um conciliador. Este, sim, pode sugerir proposta de acordo sem se preocupar com o estado emocional das partes.

b) Métodos heterocompositivos

Neste caso, há um terceiro que participa da solução desses conflitos. É o que ocorre, por exemplo, quando existe um processo judicial (jurisdição) ou quando a questão é tratada em uma câmara arbitral. Caso em que a decisão fica a cargo de um árbitro (como se fosse um juiz). É como se fosse uma justiça particular.

II – Existe lei que regulamenta a Mediação no Brasil?

Entendido um pouco do que se trata a mediação, passa-se a esclarecer se existe ou não legislação que a regulamente.

O primeiro marco legal da mediação no Brasil foi a Resolução 125, do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Pública de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses

Em seguida, o novo Código e Processo Civil trouxe um estímulo a solução consensual de conflitos através da conciliação, mediação e outros métodos (art. 3º, §§ 2º e 3º).

Posteriormente, a Lei 13.140/2015 passou a dispor sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. A Lei trouxe, dentre outras questões, os princípios que norteiam a mediação, o funcionamento da mediação judicial (através dos centros judiciários de solução consensual de conflitos – CEJUSCs), etc.

Vista rapidamente essa questão, passa-se a tratar de como a mediação poderia ser realizada no âmbito dos cartórios.

III – A mediação realizada nos cartórios

Ultrapassada a questão introdutória acima, passa-se a tratar sobre a possibilidade de a realização de mediações dentro das serventias extrajudicial. Afinal, seria possível a solução extrajudicial de conflitos dentro de um cartório?

O Conselho Nacional de Justiça regulamentou a mediação e a conciliação no âmbito das serventias extrajudiciais (cartórios) através do Provimento nº 67. Assim, algumas questões pontuais sobre a mediação nos cartórios passam a ser trazidas em seguida.

a) A facultatividade da mediação nos cartórios

A primeira questão que merece ser tratada é sobre a facultatividade da mediação nos cartórios. Segundo o art. 2º do Provimento 67 do CNJ, os cartórios não estão obrigados a trabalhar com mediação. De modo que há uma facultatividade em adotá-la.

b) É necessária a contratação de advogado para a mediação em cartório?

Outra questão é sobre a necessidade ou não de advogado para a realização do procedimento da mediação junto às serventias. O art. 10, §§ 1º e 2º do Provimento trazem, em seu texto, que a pessoa natural e a pessoa jurídica “poderão” ser representadas por procurador constituído.

Há muita crítica sobre a utilização deste termo. No entanto, deve-se sempre levar em conta que a contratação de um advogado especializado na área de atuação é sempre o melhor caminho para garantir segurança a parte.

c) A confidencialidade do procedimento

Há, ainda, outra questão interessante a ser colocada. Como seria possível conciliar a sistemática da confidencialidade da mediação com a sistemática da publicidade dos cartórios?

Inicialmente, deve-se atentar para o fato de que já existe o dever de confidencialidade atribuído aos notários, conforme disposição do art. 30, VI da Lei 8.935/94. De modo que o Lei da Mediação segue a mesma sistemática.

Mas a questão também pode ser vista de outra forma: se por um lado a Lei 13.140/2015 tem como um de seus princípios a confidencialidade, devendo ser observada por todos os personagens do procedimento (vide também art. 8º, §1º do Provimento 67, CNJ), de outro lado há também um regramento de publicidade atribuído às serventias (já levantei esse dilema em outro artigo, quando tratei da aplicação da LGPD nos cartórios, leia aqui).

A doutrina (Fernanda Leitão, em https://migalhas.uol.com.br/depeso/280545/a-mediacao-e-o-provimento-cnj-67-18) sugere que se estabeleça um cerceamento dessa publicidade, como tem sido feito nos Estados, nos regulamentos Estaduais. Cite-se o exemplo desse cerceamento no Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro (art. 369-A), em que o fornecimento de certidões sobre testamento só se dará com a comprovação do óbito do testador.

d) A fiscalização pelo Poder Judiciário

O provimento estabelece, ainda, que os procedimentos de conciliação e mediação no âmbitos dos cartórios serão fiscalizados pela Corregedoria Geral de Justiça e pelo Juiz Coordenador do Cejusc.

e) Os emolumentos

Questão de relevo é aquela que diz respeito aos emolumentos que serão pagos ao cartório pelo interessado.

Inicialmente, é preciso dizer que os emolumentos são definidos por Estado. De modo que cada Estado possui sua tabela específica.

Salienta-se, ainda, que segundo o art. 36 do Provimento 67 do CNJ, “enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e DF, normas específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas na Lei 10.169/2000, aplicar-se-á às concilicações e mediações extrajudiciais a tabela referente ao menor valor cobrado na lavratura de escritura pública sem valor econômico”.

Trazendo esta situação para o Estado de Minas Gerais, teríamos o montante de R$ 46,74 (conforme a tabela de 2020) por ato. Ou seja, trata-se realmente de um valor ínfimo para a prática da mediação no cartório. Razão pela qual a questão tem de ser melhor colocada no âmbito dos Estados.

IV – Conclusão

Para que efetivamente passemos a aplicar a mediação nos cartórios, em nossa opinião, é preciso que ocorram algumas situações.

Primeiro, deve-se mudar a cultura jurídica dos advogados e das partes. Afinal, a iniciativa da mediação se inicia quando o próprio advogado, ao redigir um contrato, insere naquele contrato uma cláusula de mediação. Ou quando as próprias partes optam por esse procedimento.

Segundo, é preciso que as Corregedorias Estaduais que ainda não o fizeram editem provimentos regulamentando a matéria no âmbito do Estado.

Terceiro, é preciso que os próprios notários se adequem para atenderem aos cidadãos.

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