Como o PL das garantias vai aquecer o mercado imobiliário?

out 25, 2022

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4188/2021, o chamado “marco legal das garantias imobiliárias”.

Trata-se de projeto de lei que, se aprovado permitirá, dentre outras questões, a utilização de um mesmo imóvel como garantia em diferentes operações de financiamento.

Sabe-se que, em desacordo com a realidade, a mídia tem noticiado duras críticas ao projeto (veja aqui e aqui). Questão que oportunamente será tratada ao longo do presente texto.

Mas inicialmente, passa-se a explicar, de forma sintética, do que realmente trata o projeto de lei e por que sua entrada em vigor fomentará ainda mais o mercado imobiliário brasileiro.

I – Como funcionam as garantias imobiliárias?

Como de praxe, os textos deste BLOG são de caráter informativo. Estão longe de se tratar de um estudo técnico-jurídico e de aprofundamentos mais complexos.

Existem diversas garantias imobiliárias na legislação do país. As garantias reais e as garantias fidejussórias. A primeiras basicamente se apoiam no bem. As segundas se apoiam na pessoa.

Como garantias fidejussórias, citem-se a fiança, o aval e a caução. São garantias comumente, mas não só, utilizadas na locação de imóveis. Como garantias reais, citem-se a hipoteca e a alienação fiduciária de bem imóvel. Estas são comumente, mas não só, utilizadas no financiamento imobiliário.

Aquele que adquire um imóvel através de financiamento normalmente se submete a uma garantia real, como a hipoteca e a alienação fiduciária de imóvel.

De longe, sem que seja necessário recorrer a qualquer base de dados, sabe-se que a garantia real mais utilizada pelas instituições financeiras é a alienação fiduciária. Para um maior aprofundamento do tema, clique aqui e leia um texto sobre o instituto.

Basicamente, aquele que “adquire” um imóvel em financiamento fica como devedor do banco (quando o financiamento é realizado com a instituição financeira). O banco, por sua vez. fica como credor.

Uma vez quitado o financiamento, a propriedade plena vai para o adquirente do imóvel. Caso ele fique inadimplente, ocorre um procedimento extrajudicial de retomada do bem (os detalhes desse procedimento podem ser verificados no link acima).

II – O que vai mudar com a entrada em vigor do Projeto de Lei?

O projeto de lei é rico em detalhes, mas é possível destacar algumas questões interessantes, conforme se verifica em seguida.

a) A criação da instituição gestora de garantia – IGG

O PL cria a instituição credora de garantia (IGG). A IGG será responsável por, dentre outras questões, gerir administrativamente as garantias constituídas sobre bens móveis ou imóveis e realizar a interconexão com as instituições financeiras.

O detalhamento do funcionamento do IGG será ainda regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional.

b) O contrato de gestão de garantias

Com a aprovação do PL, a contratação da garantia será realizada através da assinatura do chamado contrato de gestão de garantias. Instrumento assinado entre a instituição gestora de garantia e a pessoa (física ou jurídica) prestadora do serviço.

No contrato, algumas questões deverão estar presentes, como a natureza da garantia, os serviços prestados, as condições da garantia, o valor máximo de crédito que poderão ser vinculados às garantias prestadas, o prazo de vigência do contrato, dentre outros (art. 5º, §§1º e 3º).

b) A possibilidade de dar um imóvel como garantia em mais de um financiamento 

Com a aprovação do PL, uma das leis que será alterada é a Lei nº 9.514/97 (Lei da Alienação Fiduciária de Imóvel). Uma das alterações na alienação fiduciária é a possibilidade de utilizar um mesmo imóvel para garantir mais de um financiamento.

Aliás, o PL permite que o credor utilize o procedimento de retomada do imóvel nos casos em que existirem sobre o imóvel mais de um credor.

c) A possibilidade de execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca

Com a vinda da alienação fiduciária de imóvel, em que é possível que o credor cobre a dívida sem entrar na justiça, o instituto da hipoteca caiu em desuso.

Isso porque, ao contrário da alienação fiduciária, o credor da hipoteca tem de ajuizar uma ação na justiça para cobrança dos créditos hipotecários.

Caso o PL avance, será possível que esses créditos garantidos por hipoteca sejam cobrados de forma extrajudicial. Ou seja, sem necessidade de ajuizamento de ação.

III – Por que não faz sentido o que a mídia tem noticiado?

No dia 18/06/2022, o jornal Estadão publicou:

Em 1º de junho de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) 4.188/21, que institui um marco legal para o uso de garantias destinadas à obtenção de crédito. Se aprovado, o texto vai permitir, entre outros pontos, que um imóvel dado como garantia de uma dívida seja penhorado, mesmo que seja o único bem da família – hoje, existe a impenhorabilidade desse tipo de bem.

Outros canais de notícia, assim como o jornal Estadão, noticiaram que a aprovação do PL permitirá que a pessoa perca seu único imóvel, tratado como bem de família.

Na realidade, antes mesmo da aprovação do Projeto de Lei, se uma pessoa financia um imóvel e o dá como garantia (na alienação fiduciária, por exemplo), essa pessoa já pode perder seu imóvel, ainda que seja considerado bem de família.

Neste sentido, veja-se o que tem entendido a justiça:

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL E ANULATÓRIA DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL C/C TUTELA DE URGÊNCIA – IMPENHORABILIDADE – BEM DE FAMÍLIA – GARANTIA OFERECIDA PELOS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL – PROTEÇÃO AFASTADA. Ao ser dado em garantia fiduciária, o imóvel perde a impenhorabilidade decorrente da proteção oriunda do bem de família, disposta na Lei nº 8.009/1990.

(TJ-MG – AC: 10000170555122003 MG, Relator: Claret de Moraes, Data de Julgamento: 23/11/2021, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/11/2021)

Em diversos julgados tem se entendido que, se o interessado oferece seu bem de família como garantia de determinado financiamento, ele automaticamente abre mão da proteção de seu bem de família.

Apesar de essa questão não estar clara na legislação, esse tem sido o entendimento da justiça. Diversos julgados têm trazido essa interpretação.

É claro que, como toda legislação, o PL possui seus pontos positivos e negativos.

Portanto, o leitor de jornais deve sempre fazer uma leitura crítica do que é noticiado.

IV – O que esperar do futuro?

O presente texto foi escrito no dia 25/10/2022. Assim, a expectativa é que o projeto de lei das garantias seja votado após as eleições. E, como toda nova legislação, dependerá de algumas regulamentações para que seja efetivamente utilizado no mercado.

Do ponto de vista do mercado imobiliário, trata-se de uma inovação que, espera-se, fomentará as negociações imobiliárias. De longe, o simples fato de se possibilitar a utilização de um imóvel para garantir mais de um financiamento será um grande passo para a economia.