Como funciona o desconto do ITCD no inventário?

dez 09, 2020

É sabido que, salvo nos casos de planejamento sucessório (leia mais aqui), o inventário é o procedimento que deve ser realizado quando uma pessoa que deixou patrimônio falece. Trata-se de um procedimento que pode ser feito na justiça ou fora dela (no caso, nos cartórios).

No inventário, os herdeiros, que receberão os bens do falecido, deverão pagar algumas despesas. Dentre elas se destaca o Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação, o chamado ITCD (em alguns Estados se adota ITD ou ITCMD).

Neste contexto, o presente artigo se presta a esclarecer algumas questões sobre o pagamento do ITCD, como os descontos aplicáveis, o prazo de pagamento e eventuais isenções.

I – O que é ITCD?

Inicialmente, o ITCD (Imposto Transmissão Causa Mortis ou Doação) é o imposto que se paga quando ocorre uma doação em vida ou, ainda, quando ocorre uma transmissão através da herança. O imposto é cobrado pelos Estados (art. 35, CTN) e passa a ser devido (o que tecnicamente se chama fato gerador), via de regra, quando ocorre a transmissão da propriedade.

Em se tratando de tributo cobrado pelo Estado, cada Estado possui legislação específica sobre as especificidades do tributo. De modo que, a depender do local do bem, deve-se adotar determinada legislação para efeitos de regulamentação do tributo.

II – Existe isenção quando se trata de inventário ?

Como a legislação é Estadual, as regras de isenção também são Estaduais, de modo que não será possível tratar de todas as regras aplicáveis no país. Mas passa-se a trazer as regras do Estado de Minas Gerais:

Em Minas Gerais, a isenção está prevista no art. 3º da Lei Estadual nº 14.941/03. São isentos:

  • imóvel residencial com valor total de até 40.000 Ufemgs (quarenta mil Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais), desde que seja o único bem imóvel de monte partilhável cujo valor total não exceda 48.000 (quarenta e oito mil) Ufemgs, excetuando-se os bens descritos na alínea “c” deste inciso (que são roupa e utensílio agrícola de uso manual, bem como de móvel e aparelho de uso doméstico que guarneçam as residências familiares).
  • fração ideal de um único imóvel residencial, desde que o valor total desse imóvel seja de até 40.000 (quarenta mil) Ufemgs e o monte partilhável não contenha outro imóvel nem exceda 48.000 (quarenta e oito mil) Ufemgs, excetuando-se os bens descritos na alínea “c” deste inciso (que são roupa e utensílio agrícola de uso manual, bem como de móvel e aparelho de uso doméstico que guarneçam as residências familiares)

Lembrando que, no ano de 2020, cada Ufemg equivale a R$ 3,7116 (três reais, sete mil cento e dezesseis décimos de milésimos), segundo a Resolução 5.320/19.

III – Qual o valor do ITCD no inventário?

O valor do imposto é também definido por Estado. Atualmente, no Estado de Minas Gerais o imposto é de 5% sobre o total do valor fixado para a base de cálculo dos bens e direitos recebidos. Portanto, 5% sobre todo o patrimônio, incluindo-se os bens móveis e imóveis, incluindo-se ainda o dinheiro deixado na conta do falecido.

Assim, os 5% serão calculados sobre o valor venal (segundo o regulamento, é o valor de mercado do bem considerada a data de abertura da sucessão).

IV- Existe desconto no ITCD?

Caso não seja o caso de isenção, por não enquadramento nas situações acima, é possível que os herdeiros consigam desconto sobre o valor do imposto. No caso de Minas Gerais, a legislação estabelece um prazo para pagamento do imposto, sob pena de perda do desconto.

De acordo com o art. 13 da Lei Estadual nº 14.941/03, o imposto deve ser pago no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da abertura da sucessão. E se o inventário for feito no cartório, deve ser pago antes da lavratura da escritura pública.

Para efeitos de desconto, os interessados deverão pagar o imposto no prazo de até 90 (noventa) dias da abertura da sucessão (art. 10, parágrafo único, I da Lei Estadual). Caso em que será concedido um desconto de 15% (quinze por cento) sobre o valor, conforme art. 23, e seu §1º do Decreto 43.981/05.

Vista essa questão, pode vir a surgir uma dúvida, já que, após o envio da declaração para o órgão fazendário, sua análise pode demorar e ultrapassar o prazo de 90 dias para a obtenção do desconto. Essa dúvida será melhor esclarecida em seguida.

V – É necessário pagar a guia antes do lançamento pela Fazenda para garantir o desconto?

Imagine que os herdeiros declararam todos os bens e os remeteram ao órgão fazendário Estadual para efeitos de lançamento. E o fizeram dentro de 90 dias, para a obtenção do desconto. A demora de análise pela Fazenda Estadual poderia fazer com que os herdeiros perdessem esse desconto?

A esse respeito, é interessante observar os julgados seguintes:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ITCD – ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE BENS E DIREITOS DENTRO DO PRAZO LEGAL – HOMOLOGAÇÃO DO CÁLCULO – INOCORRÊNCIA – REDUÇÃO DE 15% PREVISTA NO DECRETO Nº 43.981/2005 – CABIMENTO – SÚMULA Nº 114 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Estando em curso procedimento administrativo, com entrega da declaração de bens e direitos dentro do prazo de 90 (noventa) dias, mas sem definição da homologação do cálculo do imposto “causa mortis” por parte da Administração Fazendária, não se afigura, neste momento, a exigibilidade do recolhimento do ITCD, nos termos da Súmula nº 114 do STF, tendo os herdeiros, por corolário lógico, direito ao desconto de 15% (quinze por cento) sobre o mencionado imposto.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.19.058444-1/001, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/08/2019, publicação da súmula em 02/09/2019)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPOSTO POR TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO – DESCONTO – DECRETO ESTADUAL N. 43.981/05 – AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO CONTRIBUINTE EM TEMPO HÁBIL PARA A REALIZAÇÃO DO PAGAMENTO – COBRANÇA DE DIFERENÇA DE ITCD, JUROS E MULTA – IMPOSSIBLIDADE. Nos termos do artigo 23, §1º, do Decreto estadual n. 43.981/05, que regulamenta a Lei estadual n. 14.941/03, o contribuinte tem direito ao desconto de 15% (quinze por cento) se proceder à entrega da Declaração de Bens e Direito e efetuar o pagamento do imposto no prazo de 90 (noventa) dias. Tendo em vista que a Administração Fazendária não comunicou ao contribuinte em tempo hábil para a realização do pagamento, por erro exclusivamente seu, conforme, inclusive, confirma a autoridade coatora, não há de se falar, pelo menos nesse momento processual, na cobrança de diferença de ITCD, juros e multa.  (TJMG –  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.19.061873-6/001, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/11/2019, publicação da súmula em 14/11/2019)

Portanto, para que seja garantido o desconto é preciso que toda a documentação seja enviada a Fazenda Estadual dentro do prazo de 90 dias para que se garanta o desconto. Não pode a Fazenda, por seu atraso, deixar de considerar o desconto sobre o imposto.

No entanto, para evitar qualquer tipo de problema no futuro, é sensata a realização de pagamento no tributo antes do prazo de 90 dias, evitando-se assim, o ajuizamento de ações com esse tipo de discussão.

Como fazer um testamento durante a pandemia?

maio 12, 2020

O ano de 2.020 trouxe ao mundo a pandemia do coronavírus. E com a pandemia, veio à tona grande insegurança com relação ao futuro, seja na saúde pública (ou na própria saúde), seja na economia. No dia da publicação desse texto a mídia já noticia mais de 11 mil mortos, somente no Brasil. Com tanta incerteza com relação ao futuro e com tantos óbitos, sobretudo de idosos, uma contribuição relevante que pode ser feita é levar às pessoas o conhecimento acerca da possibilidade de realização de um testamento de urgência. Afinal, em se tratando a pandemia de situação emergencial, a lei permite que o testador realize um testamento sem maiores burocracias. Neste sentido, o presente artigo tem o condão de informar e tratar de alguns aspectos do chamado testamento emergencial. A questão será, a seguir, tratada em tópicos. I – O QUE É UM TESTAMENTO? Um testamento é basicamente o ato mediante o qual uma pessoa dispõe de seus bens para depois de sua morte. Através de um testamento o interessado pode indicar quem ficará com o que. Se aquela casa ficará para um terceiro ou para alguém específico da família, etc. Em regra, um testamento exige diversas formalidades legais, sem as quais ele pode até ser invalidado no futuro. No entanto, existe uma situação em que a Lei permite com que o interessado elabore um testamento de próprio punho, sem maiores formalidades legais. Mas para isso é preciso que alguns requisitos mínimos sejam observados. Trata-se do testamento emergencial, que será tratado no tópico seguinte. II – TESTAMENTO EMERGENCIAL? O testamento emergencial está descrito no art. 1.879 do Código Civil, veja-se:
Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
Veja que a lei exige que seja realizado o testamento em circunstâncias excepcionais e que essas circunstâncias sejam declaradas na cédula.  Portanto, a circunstância excepcional deve ser declarada expressamente pelo testador. Diante dessa necessidade, no passado era difícil a aplicação prática desta modalidade de testamento, mesmo porque essas circunstâncias excepcionais deveriam ser comprovadas no processo para o convencimento do juiz. Como exemplo, cite-se julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Testamento emergencial e providências do art. 1.879 do CC – Para que o juiz confirme documento subscrito de próprio punho, sem testemunhas, como sendo testamento particular celebrado em condições excepcionais e que dispensariam as formalidades legais, será preciso provas cabais de que existiam motivos para esse procedimento, o que não foi produzido pelos interessados – Cerceamento de defesa não configurado, mantida a r. sentença de extinção [art. 267,1, do CPC] – Cédula (folha de agenda) que não descreve a excepcionalidade da medida, não se comprovando que o de cujus estava a beira de morte ou em situação de perigo – Não provimento. (TJ-SP – APL: 994093426070 SP, Relator: Enio Zuliani, Data de Julgamento: 08/04/2010, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/04/2010)
Outro exemplo é um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
TESTAMENTO. Testamento particular excepcional. Declaração que não descreve a situação excepcional que autoriza a dispensa de testemunhas. Ausência de requisito essencial previsto no art. 1.879 do CC. Morte da testadora, ademais, ocorrida mais de seis anos depois da subscrição da declaração. Prova oral inadmissível no caso concreto. Cerceamento de direito inexistente. Indeferimento da inicial mantido. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – APL: 30021763520138260586 SP 3002176-35.2013.8.26.0586, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 26/05/2015, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/05/2015)
Não obstante a evidente situação emergencial vivida no mundo, na utilização do testamento emergencial não se pode deixar de mencionar expressamente na cédula as circunstâncias vivenciadas pelo testador que justificariam a ausência de testemunhas no ato. Mesmo porque isso é um requisito que a lei traz para que a questão seja posteriormente confirmada pelo juiz. Desta forma, após a realização da declaração pelo interessado, aos herdeiros caberá o ajuizamento de ação para que o juiz “confirme” se aquele procedimento observou todos os requisitos da lei e “valide” o ato. Assim, em se tratando a pandemia do coronavírus de situação obviamente emergencial, o enfermo poderia se utilizar do testamento emergencial como forma de planejar seu patrimônio para depois de seu óbito. III – TESTAMENTO PARTICULAR COM TESTEMUNHAS Caso o interessado não esteja passando por situação que justifique a utilização do mencionado testamento emergencial, é possível que ele se utilize do testamento particular disposto no art. 1.876 e seguintes do Código Civil. Assim como no testamento emergencial, o testamento particular pode ser escrito de próprio punho. Pode também ser através de processo mecânico, conforme a lei. No testamento particular, ao contrário do emergencial, três testemunhas devem acompanhar o ato e assinarem juntamente com o testador. Após a morte do testador, referido escrito deverá ser submetido ao juiz, para sua confirmação. III – QUAL O PRAZO DOS TESTAMENTOS PARTICULAR E EMERGENCIAL?
Uma vez realizado o testamento emergencial pelo interessado, caso ele não venha a óbito nos próximos 90 (noventa) dias, o documento caducará. De forma que para que aquelas disposições se tornem válidas, o testador, após a pandemia, deve realizar seu testamento da forma tradicional. O prazo de 90 (noventa) dias é utilizado pela doutrina, por conta do prazo expresso nos arts. 1.891 e 1.895 do Código Civil. Portanto, recomenda-se a observância do prazo acima para que os interessados não tenham problemas com a validação do testamento na justiça.