Como ficam as incorporações imobiliárias na pandemia?

maio 19, 2020

A incorporação imobiliária é uma atividade complexa, que envolve diversos contratos e negócios. É através da incorporação imobiliária que o incorporador localiza um terreno, antevendo o futuro e antecipando aquilo que os consumidores terão interesse em adquirir anos depois (através de um estudo sobre a viabilidade daquele empreendimento, em todos os aspectos) e idealiza, assim como efetiva, a construção de um empreendimento para a venda de unidades futuras.

Basicamente, o trabalho do incorporador é gerir a atividade de incorporação e canalizar todas as relações jurídicas envolvidas para o fim único de promover a construção de determinado empreendimento. Trata-se de atividade complexa, que gera muitos questionamentos.

Ocorre que, diante do estado de calamidade pública que se instalou por consequência da pandemia do coronavírus, esses questionamentos aumentaram e têm gerado inúmeros debates por profissionais do setor.

Dentre os questionamentos que se apresentam, destacam-se: como estará o mercado imobiliário após o fim da pandemia? Como ficará a capacidade de compra do consumidor após o fim da pandemia? Como estará a oferta de créditos dos agentes financeiros e quais as condições de financiamento para o produto e o adquirente? Como fica o programa Minha Casa Minha Vida? Como estarão as possibilidades de recursos da Caixa, se ela tiver de ajudar a aquecer a macroeconomia? Seria possível o incorporador, em situação de imprevisibilidade, poder desfazer o negócio?

De todas as questões apresentadas, que não são poucas, o presente artigo pretende tratar especificamente do chamado prazo de carência do incorporador e da possibilidade (ou não) de sua suspensão, de forma a proteger a incorporação da forte crise financeira agravada pela calamidade ocasionada pela pandemia do coronavírus.

I – O prazo de carência do incorporador

Quando do registro da incorporação imobiliária no Cartório de Registro de Imóveis competente, pode o incorporador estabelecer um prazo de carência para a efetivação da incorporação imobiliária (arts. 33 e 34 da Lei nº 4.591/64).

Referido prazo de carência deverá ser feito através de uma declaração expressa que fixe o prazo para que o incorporador possa, eventualmente, desistir do empreendimento. Nessa declaração o incorporador deve, ainda, apresentar as razões pelas quais o autorizarão a desistir do empreendimento. A título de exemplo, dentre as razões possíveis, cite-se problemas de ordem técnica na edificação, conjuntura financeira negativa, manifestações populares organizadas contra o empreendimento, etc.

Caso haja interesse na desistência por parte do incorporador, ele deve protocolar requerimento no cartório de registro de imóveis informando a) os motivos que o levaram a desistir do empreendimento; b) os documentos que comprovem que os adquirentes foram devidamente comunicados da desistência da incorporação; c) declaração firmada pelo incorporador de que não houve celebração de nenhum documento de venda, promessa de venda ou de ajuste preliminar, etc; d) a data e assinatura do incorporador, com firma reconhecida por tabelião de notas da localidade do imóvel.

Já escrevi sobre este tema aqui e aqui.

II – Como fica o prazo de carência durante a pandemia?

Ultrapassada essa questão inicial, pergunta-se: como ficaria esse prazo em tempos de pandemia? Afinal, sabe-se que com a pandemia, por conta da decretação do estado de calamidade e o consequente fechamento do comércio e de várias atividades, grave crise financeira tem atingido o mercado.

Portanto, certamente se poderia concluir que durante o estado de calamidade pública, decorrido da pandemia do coronavírus, vários consumidores deixariam de adquirir unidades imobiliárias por conta da instabilidade financeira do momento.

Foi exatamente por conta desse motivo que recente julgado da juíza da Vara de Sucessões, Empresarial e de Registros Públicos de Juiz de Fora/MG, ainda em primeira instância, deferiu liminar no sentido de suspender o restante do prazo de carência de determinado empreendimento, enquanto perdurar a situação de calamidade pública (Processo nº 5007483-14.2020.8.13.0145).

Na decisão, a juíza entendeu que

é muito maior a chance de desistência do empreendimento nesse período, considerando-se a situação socioeconômica do pais decorrente do estado de calamidade pública que mudam as circunstâncias da venda dos imóveis. Outrossim, se a principal finalidade do prazo de carência é justamente ter a chance de mensurar a adesão a comercialização das unidades do empreendimento, é certo que o alcance dessa finalidade de proteção ao mercado resta prejudicada em virtude do cenário atual.

Portanto, na decisão a juíza suspendeu o prazo de carência do incorporador, de forma que quando cessar o estado de calamidade o prazo voltará a contar do momento que foi suspenso, garantindo proteção ao incorporador.

Em verdade, a situação da calamidade pública tem prejudicado sobremaneira as atividades da construção civil. É fato. E o estado de calamidade vivenciado é argumento suficiente para a suspensão do prazo conferido ao incorporador.

III – Conclusão

Neste momento, o mercado imobiliário enfrenta muitos questionamentos. As perguntas são tantas que cada problemática merece um artigo específico, demonstrando como a justiça tem enfrentado cada questão e quais os argumentos jurídicos a favor do incorporador.

Neste breve artigo, que se limitou a tratar do prazo de carência do incorporador, verificou-se que o estado de calamidade e a consequente instabilidade do mercado imobiliário justificam a suspensão do prazo de carência a favor do incorporador.

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O incorporador pode desistir do empreendimento?

jan 14, 2020

A incorporação imobiliária é a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Assim, antes de se dar início às vendas das futuras unidades autônomas (de apartamentos, por exemplo), deve o incorporador arquivar a incorporação no cartório de registro de imóveis competente, apresentando diversos documentos cujo rol se encontra no art. 32 da Lei nº 4.591/64. Assim, suponha que o incorporador deu início à incorporação e lançou seu empreendimento, mas verificou que o mercado imobiliário não estava propício àquele lançamento. Sendo assim, o incorporador poderia desistir da incorporação? A questão será respondida à seguir. I – O incorporador pode desistir do empreendimento? Para responder a esta questão, é importante observar o teor do art. 34 da Lei nº 4.591/64:
O incorporador poderá fixar, para efetivação da incorporação, prazo de carência, dentro do qual lhe é lícito desistir do empreendimento
Assim, a lei dá o direito do incorporador fixar o chamado “prazo de carência”, que seria basicamente um prazo em que o incorporador poderia desistir do empreendimento. Portanto, caso estabeleça o prazo de carência, pode o incorporador desistir. II – Pode o incorporador desistir do empreendimento sem ter fixado o prazo de carência no cartório? Se o incorporador não fixou o prazo de carência no cartório ou se o fixou, sem que fosse por declaração expressa, à partir do momento em que negociar qualquer unidade imobiliária, estará o incorporador obrigado a promover a incorporação. Sendo assim, não poderá ele desistir do empreendimento. II – Como estabelecer o prazo de carência e qual seria esse prazo? O prazo de carência será estabelecido através de declaração expressa, junto ao cartório de registro de imóveis competente. O prazo em questão, segundo o art. 34, §2º da Lei nº 4.591/64, não pode ultrapassar o termo final do prazo de validade do registro. Assim, como a lei estabelece que o prazo de validade do registro é de 180 dias (art. 33 da Lei nº 4.591/64), não pode o prazo de carência superar este valor. Conta-se, pois, o prazo de carência da data do registro da incorporação imobiliária no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, o prazo de carência pode ser qualquer um, desde que não ultrapasse os 180 dias. III – A desistência do incorporador deve ter uma explicação? Na  declaração que estabelecer o prazo de carência, deverá o incorporador especificar, de forma clara e objetiva, as razões que permitirão eventual desistência da incorporação, com as quais ficará o incorporador rigorosamente vinculado. Essas razões poderiam ser, por exemplo, dificuldades jurídicas e administrativas, problemas de ordem técnica na edificação, conjuntura financeira negativa, reação negativa do mercado na aceitação ou receptividade do empreendimento imobiliário, manifestações populares organizadas contra o empreendimento, etc. IV – Uma vez estabelecido o prazo de carência, como o incorporador pode evitar problemas com o consumidor? Suponha-se que o incorporador estabeleceu, nos moldes da lei, o referido prazo e carência. Suponha-se, ainda, que algumas unidades imobiliárias foram prometidas a venda a alguns consumidores. Se o incorporador estabeleceu prazo para desistir do empreendimento, ele deve mencionar a existência do prazo em todos os documentos e materiais que envolver o empreendimento, tais como documentos preliminares e contratos. Nesses documentos deve haver cláusula expressa e destacada neste sentido (art. 32, §3º da Lei nº 4.591/64). V – Como deve ser feita a desistência? Se o incorporador efetivamente desistir, ele deve protocolar requerimento junto ao cartório de registro de imóveis. Nesta comunicação, deve constar:
  • os motivos que levaram o incorporador a desistir do empreendimento
  • os documentos que comprovem que os adquirentes foram devidamente comunicados por escrito da desistência da incorporação
  • declaração firmada pelo incorporador de que não houve celebração de nenhum documento de venda, promessa de venda ou de ajuste preliminar, etc.
  • a data e assinatura do incorporador, com firma reconhecida por tabelião de notas da localidade do imóvel
Ato contínuo, o oficial de registro averbará na matrícula do imóvel a respectiva desistência. VI – E se o incorporador quis desistir, mas já passou o prazo para a desistência? Pode ocorrer de o incorporador ter vontade de desistir do empreendimento mas deixar o prazo se esgotar. Se isso ocorrer, o proprietário do terreno pode apresentar o requerimento com a desistência, quando tiver outorgado procuração para o construtor ou o corretor de imóveis atuarem como incorporador (art. 35, §3º da Lei nº 4.591/64). Sendo assim, o proprietário do terreno terá o prazo de 5 dias para denunciar a incorporação ao oficial, contado a partir do término do período de carência. Ocasião em que o proprietário do terreno ficará solidariamente responsável com o incorporador pela obrigação de restituição aos adquirentes à aquisição dos valores pagos, com seus acréscimos legais. Isso deve constar expressamente de sua comunicação ao registro de imóveis. VII – O cancelamento da incorporação cancela automaticamente a “venda” das unidades imobiliárias? Por óbvio, o cancelamento da incorporação com a desistência do incorporador não gera o cancelamento automático das alienações. Para tanto, o registrador exigirá que o incorporador apresente os seguintes documentos:
  • rescisão comprovada do contrato, devidamente formalizada; ou
  • requerimento conjunto das partes contratantes, se capazes, com firmas reconhecidas;
  • decisão judicial transitada em julgado
VIII – Conclusão Diante de tudo que foi explicado acima, o incorporador pode usar o prazo de carência para “testar o mercado”, uma vez que a denúncia da incorporação dentro desse prazo é medida de avaliação da viabilidade do negócio.

Entenda o projeto de lei do "distrato" de imóveis

jun 10, 2018

Recentemente, jornais de todo o país noticiaram a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 1220-A/2015, que visa disciplinar a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano. O texto original foi alterado, tendo como Relator o deputado José Stédile. O presente artigo pretende trazer ao leitor as inovações que o projeto de lei visa introduzir na legislação. Mas, claro, sem a pretensão de esgotar o tema. E para facilitar a compreensão, favorecendo a didática do leitor, as modificações trazidas pelo Projeto de Lei serão abaixo indicadas, em tópicos:
  • Atraso de 180 dias: O primeiro destaque é para a questão do prazo de 180 dias, que o incorporador tem de carência para a entrega do imóvel. O texto prevê que caso esteja expresso no contrato, de forma clara e destacada, a possibilidade do atraso de 180 dias pelo incorporador, este fato não ocasionará a resolução do contrato por parte do adquirente, nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador. Questão esta, aliás, que já vinha sendo pacificada pela justiça. O que fez a lei foi deixar claro este entendimento.
  • Atraso superior a 180 dias com resolução do contrato: caso haja atraso superior aos 180 dias previstos, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, ele pode resolver o contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida em contrato. Tudo, em até 60 (sessenta) dias corridos da resolução. Devendo ainda ser corrigidos, na forma da lei.
  • Atraso superior a 180 dias sem resolução do contrato: caso a entrega do imóvel demore além dos 180 dias e não haja resolução do contrato por parte do adquirente, será a ele devida, na entrega do imóvel, indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, de maneira corrigida. Mas note que isto só ocorrerá para o adquirente adimplente.
  • Multa: A lei prevê, ainda, que a multa acima indicada não pode se acumular com a multa aplicada em caso de resolução do contrato.
  • Distrato ou resolução por inadimplemento: A lei acrescenta também o art. 67-A na lei de incorporação imobiliária, que estabelece que caso seja desfeito o contrato, mediante distrato ou resolução por inadimplemento total de obrigação do adquirente, haverá devolução de quantias por ele pagas, atualizadas, que serão deduzidas da integralidade da comissão de corretagem e, ainda, haverá penalidade no pagamento de 25% da quantia efetivamente paga.
  • Aluguel e encargos sobre o imóvel: E em função do período em que a unidade imobiliária esteve à disposição do adquirente, ele deverá ainda arcar com os impostos incidentes sobre o imóvel e as cotas condominiais e contribuições devidas a associação de moradores, e também ao valor correspondente ao período que usufruiu do imóvel a título de aluguel. E, ainda, demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas em contrato.
  • Compensação: Os débitos do adquirentes e as deduções acima demonstradas poderão ser pagos mediante compensação com a quantia a ser restituída.
  • Patrimônio de afetação: quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente. A lei prevê que, neste caso, a pena de 25% estabelecida possa chegar em até 50% da quantia paga.
  • Incorporação sem regime da afetação: caso a incorporação não esteja submetida ao regime de afetação, após as deduções admitidas, se houver remanescente a ser ressarcido ao adquirente, será realizado em parcela única, após o prazo de 180 dias do desfazimento do contrato.
  • Revenda da unidade: caso ocorra a revenda da unidade antes dos prazos estabelecidos (de 30 dias e de 180 dias), o valor remanescente devido ao adquirente será pago em até 30 (trinta) dias, devendo ser corrigido com base no índice estabelecido em contrato, aquele estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel.
  • Contratos firmados em estandes de venda/fora da sede do incorporador: A lei estabelece o prazo de 7 dias para que o adquirente se arrependa da compra, caso tenha sido realizada em estandes de venda e fora da sede do incorporador. Situação em que todos os valores eventualmente antecipados, bem como a comissão de corretagem, sejam devolvidos. Mas para que o adquirente tenha este direito, ele deve demonstrar este fato através de carta registrada com aviso de recebimento. Neste ponto, importante destacar que no Código de Defesa do Consumidor existe previsão semelhante para produtos adquiridos fora do estabelecimento comercial.
  • Condições diferentes mediante acordo: A lei permite que as partes possam estabelecer diferentes condições daquelas previstas na lei, mediante instrumento de distrato.
  • Resolução por fato imputado ao adquirente: Neste ponto, a lei cria regras para o ressarcimento de valores pagos pelo adquirente, estabelecendo alguns descontos, como valores correspondentes à eventual fruição do imóvel pelo adquirente (limitando a 1% ao mês sobre o valor atualizado do lote definido em contrato); montante devido por cláusula penal e despesas administrativas (incluindo-se arras ou sinal), limitando a um desconto de 10% do valor atualizado do contrato; encargos moratórias; débitos sobre impostos contribuições condominiais, associativas ou outras do tipo; comissão de corretagem, desde integrada ao preço do lote;
  • Prazo para o pagamento da restituição: A lei estabelece o prazo de até 12 parcelas mensais, para o pagamento da restituição a que se refere o tópico acima. O prazo inicial está descrito caso a caso na lei.
  • Nova venda: Após o “distrato” com o adquirente, somente será feito o registro de contrato de nova venda se ficar comprovado o início da restituição ao antigo adquirente, exceto se as partes houverem pactuado expressamente de forma diversa em distrato por elas assinado.
O projeto de lei passou na Câmara de Deputados. Agora está pendente de apreciação pelo Senado Federal. Caso a lei seja finalmente aprovada, as incorporadoras e os adquirentes terão regras mais claras a serem aplicadas aos negócios imobiliários. A esperança é de que haja maior segurança jurídica nas relações entre as partes, muito embora possam existir novas interpretações pelo poder judiciário.      

Como o incorporador pode aumentar suas vendas?

abr 26, 2018

Na construção de edificações de unidades autônomas, tais como prédios comerciais e prédios de apartamentos, aquele responsável pela incorporação tem de observar rigorosas regras para comercializar estas unidades. Grande parte destas regras estão previstas na Lei de Incorporação Imobiliária, a Lei nº 4.591/64. Assim, diante do rigor do procedimento e diante do considerável aumento da concorrência de construtoras no país, é interessante trazer um importante instrumento jurídico, dentro da mais estrita legalidade, que, se bem utilizado, permite fazer com que o construtor/incorporador aumente significativamente suas vendas. Afinal, o consumidor deste tipo de produto (compra de imóveis na planta, por exemplo), num passado próximo, se deparou com situações extremamente inseguras. O exemplo mais conhecido foi o fatídico caso da ENCOL, que já foi considerada uma das maiores construtoras do país. E para que o leitor compreenda, a ENCOL foi uma grande construtora (na década de 90) que acabou por decretar falência, o que prejudicou milhares de consumidores. Para situar o leitor, segue trecho da revista IstoÉ Dinheiro sobre o caso da construtora:
“Ao pedir concordata em 1998, (a ENCOL) possuía 720 empreendimentos inacabados e deixou 42 mil famílias às portas do desespero. Outros 10 mil clientes já moravam em seus apartamentos, mas não tinham a escritura definitiva do imóvel”.
Pois bem, a construtora era líder do mercado e sua falência prejudicou milhares de consumidores. Em alguns casos, os consumidores conseguiram continuar as construções com outras empresas, embora o custo para o comprador tenha aumentado cerca de 25% do custo inicial da construção. Em outros casos, os consumidores perderam todo o dinheiro investido e estes imóveis continuam até hoje inacabados, jogados às traças. Portanto, acontecimentos como este toraram o consumidor deste tipo de produto cético quanto à segurança do negócio, o que de certa forma pode prejudicar a venda de imóveis, sobretudo das pequenas construtoras que estão recém inseridas no mercado imobiliário. É diante de fatos como este que o leitor deve se atentar para este instrumento jurídico que, se bem utilizado, pode fazer com que as vendas do construtor/incorporador aumentem significativamente. E é sobre este instrumento que abordarei a seguir. Existe uma forma de o incorporador de imóveis trazer mais segurança ao seu empreendimento, de forma que o dinheiro utilizado em determinado empreendimento não se misture com o capital de giro da construtora. Aliás, a utilização deste instrumento é uma forma eficaz de o incorporador garantir segurança ao empreendimento e fomentar suas vendas. A legislação trata deste instrumento em seu art. 31-A, senão vejamos:

Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. 

§ 1o O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.

O dispositivo acima trata do chamado Patrimônio de Afetação, instrumento que surgiu em 2004, através da Lei nº 10.931. E embora o instrumento seja de conhecimento de muitas incorporadoras, ele é pouquíssimo utilizado, pois não é obrigatório (a lei menciona “a critério do incorporador”).

Através deste instrumento, o patrimônio da incorporação imobiliária será apartado (separado) do patrimônio do incorporador. O parágrafo estabelece que este patrimônio não se comunica com os demais bens do incorporador e só responderá por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação.

Na prática significa dizer que caso a incorporadora “quebre”, aquele empreendimento em que se estabeleceu o patrimônio de afetação não será afetado pelas dívidas da construtora. Em outras palavras, isso trará uma enorme segurança para o consumidor, adquirente da unidade autônoma.

E para que o incorporador se utilize do patrimônio de afetação, é exigido que haja uma conta bancária exclusiva para aquele empreendimento e que a incorporadora convoque, logo no início das obras, a assembleia dos adquirentes para que seja eleita a comissão de representantes, que fiscalizará e acompanhará o patrimônio de afetação.

E como isto pode aumentar as vendas do incorporador?

Ora, as construtoras/incorporadoras se utilizam de um importante profissional para a venda de suas unidades, o corretor de imóveis. A proposta é que a construtora organize um material para a venda de suas unidades e treine o corretor responsável para passar ao cliente a informação que mudará seu comportamento diante daquela construtora: a de que aquele empreendimento foi submetido ao regime do patrimônio de afetação.

Para isto, basta passar a informação correta ao corretor de imóveis e ao cliente, explicando de maneira clara o que é o patrimônio de afetação e como ele pode trazer maior segurança ao consumidor.

Assim, caso a incorporadora quebre, a unidade imobiliária adquirida pelo consumidor não sofrerá nenhum tipo de constrição judicial (como penhora, por exemplo). O que permitirá que os adquirentes das unidades daquele empreendimento se unam e deem continuidade em sua construção, de maneira independente da situação financeira do incorporador originário. Ou seja, o consumidor não perderá dinheiro nem o imóvel.

Este instrumento pode, ainda, ser uma poderosa forma de o pequeno incorporador se destacar e concorrer com grandes empresas do mercado imobiliário. Isto porque a legislação não obriga o incorporador a se utilizar do patrimônio de afetação. Ele é facultativo. Razão pela qual, pela experiência prática, ouso dizer que menos de 5% das incorporadoras se utilizam dele.

Portanto, está aí uma grande oportunidade para o construtor/incorporador se destacar em seu mercado e aumentar a credibilidade com seu cliente e, consequentemente, suas vendas.

BIBLIOGRAFIA:

Lei 4.591/64: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L4591.htm

Matéria IstoÉ Dinheiro: https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20060607/herdeiros-encol/15446

Incorporação imobiliária: cuidados necessários

mar 26, 2018

O termo incorporação remete ao verbo incorporar, que significa incluir algo em outra coisa. Em se tratando de construção, a compreensão é que o empreendimento será incorporado ao terreno. A legislação que trata da incorporação imobiliária é a Lei 4.591/64. No contexto do direito e do mercado imobiliário, incorporação é a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, conforme a própria lei conceitua (parágrafo único, art. 28, Lei 4.591/64). Desta forma, quando um edifício é construído com a finalidade de venda de suas unidades autônomas, antes é preciso que seja realizada sua incorporação imobiliária. Aliás, sua venda sem a incorporação prévia constitui contravenção, conforme a própria lei menciona, vejamos:

Art. 66. São contravenções relativas à economia popular, puníveis na forma do artigo 10 da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951:

I – negociar o incorporador frações ideais de terreno, sem préviamente satisfazer às exigências constantes desta Lei;

Assim, para que o incorporador não venha a ter problemas é preciso que em hipótese alguma se divulgue ou faça marketing do empreendimento no começo do projeto, por mais que ele esteja acordado e formalizado, pois isto pode vir a ser um problema.

É preciso, sobretudo, que antes se obtenha o registro da incorporação no cartório de registro de imóveis. A incorporadora deve, portanto, contratar um profissional especializado para conduzir o procedimento da incorporação junto ao cartório competente.

O procedimento junto ao cartório é regulamentado por Estado, de forma que cada Estado possui sua legislação específica. Em Minas Gerais, o Código de Normas Extrajudiciais trata do procedimento em seu Capítulo V, à partir do art. 955. E para o registro, é preciso que sejam apresentados diversos documentos, tais como o registro de incorporação, diversas certidões negativas referentes aos atuais proprietários do terreno e do incorporador, dentre outros.

Quanto à etapa da construção e da obtenção de autorizações, como existem muitos documentos e profissionais envolvidos,  é preciso que não sejam cometidos erros, pois isto pode acarretar a aplicação de multas e processos indesejados.

Por fim, é preciso salientar que o procedimento de incorporação imobiliária é complexo e deve ser realizado com muito critério, pois envolve responsabilidades tanto para o incorporador quanto para o cartório de registro de imóveis. E por esse motivo é que a lista de documentos exigida é tão extensa e demanda muito tempo e clareza na hora de elaborar.