Como formalizar uma união estável? (inclui provimento 141, CNJ)

mar 29, 2023

O casamento é um instituto antigo, tendo sido sempre muito debatido. Seja sua relação com os filhos (alimentos, visita, etc), seja a questão do regime de bens (no divórcio, quem tem direito aos bens?).

Com o passar do tempo, a convivência entre duas pessoas (de sexos opostos ou do mesmo sexo) tem tomado novos contornos na jurisprudência e na legislação. Isso porque essa convivência nem sempre se torna um casamento. Pode ser um namoro (contrato de namoro) ou, ainda, uma união estável.

No que diz respeito à união estável, trata-se da relação entre duas pessoas que se caracteriza como uma convivência pública, contínua e duradoura que tem o objetivo de constituição familiar. Lembrando que não há prazo mínimo de tempo para que uma relação se caracterize como união estável.

Essa união estável pode não estar formalizada por documento algum. Dessa forma, será considerada união estável de fato.

Mas essa união estável pode ter sido formalizada através de escritura pública, junto ao tabelionato de notas. E na oportunidade, as partes a formalizam determinando um regime de bens específico. É o momento em que se estabelece de quem será o patrimônio numa eventual dissolução dessa união.

Existem diversos regimes de bens, que em regra, são de escolha do casal (há exceções). Uma vez realizada a união estável e escolhido o regime de bens, pode ser que no curso dessa união estável os companheiros decidam por alterar esse regime.

Verificada essa questão inicial, passa-se a tratar de algumas questões relativas a união estável e a alteração do regime de bens no curso dessa união.

I – Como fazer uma união estável?

Conforme já mencionado, se os conviventes não formalizam a união estável através de documentos, essa é uma união estável de fato. E qualquer reconhecimento posterior, por um dos conviventes, poderá ser obtido na via judicial.

Há, no entanto, outras formas de formalização dessa união estável.

A – Escritura Pública

É possível que os conviventes formalizem a união estável através de escritura pública junto ao tabelionato de notas (cartório de notas). Trata-se da escritura pública declaratória de união estável.

É essa a situação mais praticada, até então, por aqueles que formalizam união estável.

B – Termo declaratório de reconhecimento de união estável

Recentemente, o Provimento 141 do Conselho Nacional de Justiça regulamentou a possibilidade de realização, junto ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, do termo de reconhecimento de união estável.

Trata-se de uma declaração, por escrito, de ambos os companheiros perante o cartório de registro civil de pessoas naturais, com a indicação de todas as cláusulas, incluindo-se o regime de bens escolhido.

Esse termo será realizado pelos companheiros em qualquer cartório de registro civil (aqui, não há o que chamamos de competência territorial).

Lembrando que esse termo depende do requerimento de ambos os companheiros. Não basta que só um o faça.

Se já houver um termo realizado, o oficial de registro civil não poderá lavrar outro termo.

II – Como dar mais segurança à união estável celebrada?

Tanto a escritura pública declaratória de união estável quanto o termo declaratório de união estável poderão, mas não necessariamente, serão registrados no “Livro E” (art. 1º-A, §3º, Provimento 141, CNJ)

O registro do título no Livro E certamente vai dar maior segurança aos conviventes, à medida que isso vai gerar conhecimento a terceiros (publicidade). Mas, afinal, o que seria o Livro E?

No cartório de registro civil das pessoas naturais há diversos livros, onde serão registrados os atos praticados.

O Livro E é aquele onde serão feitos os registros de sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução de união estável, bem como de termos declaratórios e das escrituras declaratórias (art. 94-A, Lei 6015/73).

O registro no Livro E dependerá de requerimento de ambos os companheiros e deve ser feito onde os companheiros têm ou tiveram sua última residência (repare que aqui existe o que chamamos de competência territorial).

Para que seja feito esse registro, o registrador civil deve observar os requisitos previstos no Provimento 141, do CNJ.

III – Como alterar o regime de bens da união estável?

Pode ser que, após a formalização da união estável, os companheiros pretendam alterar o regime de bens escolhido. O que poderá, também, ser feito diretamente junto ao cartório de registro civil.

Para tanto, os companheiros devem formalizar o pedido pessoalmente ou por meio de procuração por instrumento público.

Caso qualquer dos companheiros seja interditado, essa alteração terá de ser feita na justiça.

Essa alteração poderá ser solicitada em qualquer cartório de registro civil (não há competência territorial).

Existe a possibilidade de essa alteração de regime de bens envolver proposta de partilha de bens. Situação em que os companheiros devem necessariamente estar acompanhados de advogado ou defensor público, pois aqui a complexidade do procedimento aumenta.

IV – Conclusão

A lei 14.382/22 trouxe inovações no registro civil de pessoas naturais. Até então, não havia uma norma regulamentadora mostrando como aplicar essas alterações. A norma foi então editada em todo o país, com o Provimento 141, do Conselho Nacional de Justiça, que alterou o provimento 37.

A norma é muito recente e sua aplicação prática e interpretação passarão, ainda, por um amadurecimento dos registradores civis e da jurisprudência.

Portanto, recomenda-se sempre que essas questões junto ao registro civil das pessoas naturais ou ao tabelionato de notas sejam assessoradas por um advogado especializado em direito notarial e registral, para que não haja prejuízo para o interessado.

Entenda a reintegração de posse “humanizada” do Ministro Barroso

nov 16, 2022

No dia 31/10/2022 o Ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, tomou uma decisão inédita, segundo a grande mídia: a de “humanizar”qualquer reintegração de posse no Brasil.

A revista Veja assim noticiou:

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, decidiu nesta segunda-feira, 31, de uma forma inédita no país, humanizar qualquer reintegração de posse no Brasil (Revista Veja, acesse aqui)

A decisão tomou tal repercussão que virou objeto da fake news, fazendo com que circulasse a falsa notícia de que Barroso acabara com a propriedade privada no Brasil.

A notícia tomou ainda maior peso, pois foi divulgada logo após as eleições. O que fez com que os desavisados leitores relacionassem a suposta “perda da propriedade privada” à ideologia do governo eleito. O que, por óbvio, não é real.

No presente texto, a questão será esclarecida.

I – A ação que culminou na decisão de Barroso

No ano de 2.021, o PSOL ajuizou a ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) com o objetivo de garantir os direitos à moradia e à saúde de pessoas em condição de vulnerabilidade.

Um dos pedidos da ação foi a imediata suspensão de todos os processos (e todas as medidas) de despejos, desocupações, reintegração de posse, etc enquanto persistissem os efeitos da crise do coronavírus.

O pedido de suspensão foi feito sob o argumento de que o direito à moradia está diretamente relacionado à proteção da saúde, tendo em vista que a moradia é essencial para o isolamento social. Defendeu-se, portanto, que diante de excepcional situação, os direitos de propriedade e de posse deveriam ser ponderados com a proteção da vida e da saúde das populações vulneráveis.

II – Entenda o contexto das decisões tomadas no processo

No processo em questão, algumas decisões foram tomadas relativas tanto às desocupações de imóveis urbanos e rurais, quanto aos pedidos de liminares em despejos.

De forma geral, nas primeiras decisões foi permitida a suspensão dessas desocupações para proteger o direito à moradia dos ocupantes. Em seguida, trecho de algumas decisões tomadas no início do processo:

Ocupações anteriores à pandemia:

suspender pelo prazo de 6 (seis) meses as medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis, nos casos de ocupações anteriores a 20 de março de 2020, quando do início da vigência do estado de calamidade pública.”

Ocupações posteriores à pandemia:

“suspender pelo prazo de 6 (seis) meses as medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis, nos casos de ocupações anteriores a 20 de março de 2020, quando do início da vigência do estado de calamidade pública.”

“com relação às ocupações ocorridas após o marco temporal de 20 de março de 2020, referido acima, que sirvam de moradia para populações vulneráveis, o poder público poderá atuar a fim de evitar a sua consolidação, desde que as pessoas sejam levadas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada.”

“suspender pelo prazo de 6 (seis) meses, a contar da presente decisão, a possibilidade de concessão de despejo liminar sumário, sem a audiência da parte contrária (art. 59, §1º, da Lei nº 8.425/1991), nos casos de locações residenciais em que o locatário seja pessoa vulnerável, mantida a possibilidade da ação de despejo por falta de pagamento, com observância do rito normal e contraditório.”

No curso do processo, os efeitos de algumas decisões foram prorrogados.

III – O que foi decidido no dia 31/10/2022?

Ultrapassadas as questões acima, a decisão que deu o que falar na mídia recentemente foi o deferimento parcial de uma liminar para determinar a adoção de um regime de transição para a retomada da execução de decisões suspensas, nos termos seguintes:

(a) Determino que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalem, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes e, principalmente nesse primeiro momento, elaborar a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada;

(b) Determino a realização de inspeções judiciais e de audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva, inclusive em relação àquelas cujos mandados já tenham sido expedidos. As audiências devem contar com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos locais em que esta estiver estruturada, bem como, quando for o caso, dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situe a área do litígio, nos termos do art. 565 do Código de Processo Civil e do art. 2º, § 4º, da Lei nº 14.216/2021.

(c) Determino que as medidas administrativas que possam resultar em remoções coletivas de pessoas vulneráveis (i) sejam realizadas mediante a ciência prévia e oitiva dos representantes das comunidades afetadas; (ii) sejam antecedidas de prazo mínimo razoável para a desocupação pela população envolvida; (iii) garantam o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos (ou local com condições dignas) ou adotem outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia, vedando-se, em qualquer caso, a separação de membros de uma mesma família. Autorizo, por fim, a imediata retomada do regime legal para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo (Lei nº 8.245/1991, art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX).

Assim, trocando em miúdos foi determinado que os tribunais instalem comissões de conflitos fundiários, bem como, no caso dos imóveis com ocupações coletivas, para que previamente a essas retomadas sejam realizadas audiências de conciliação.

Ou seja, em momento algum houve supressão da propriedade privada, tampouco se pretendeu dificultar a retomada dessas posses. Na realidade, pretendeu a decisão possibilitar a retomada dos imóveis de forma cautelosa, como ressaltou o ministro:

“Ainda que no cenário atual a manutenção integral da medida cautelar não se justifique, volto a registrar que a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo. Por isso, em atenção a todos os interesses em disputa, é preciso estabelecer um regime de transição para a progressiva retomada das reintegrações de posse” (Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/barroso-toma-decisao-inedita-sobre-reintegracoes-de-posses/)

https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/barroso-toma-decisao-inedita-sobre-reintegracoes-de-posses/

Comprei um lote irregular, e agora?

maio 27, 2022

O mercado imobiliário, sobretudo a venda de loteamentos, tem crescido bastante nos últimos anos. Segundo notícia do TERRA, o mercado de loteamentos cresceu quase 200% durante a pandemia do coronavírus[1]. Em outro canal de notícias datado de junho de 2021, observa-se que a pandemia reaqueceu o setor de terrenos e reduziu os lotes disponíveis[2]. Aliado a isso, em algumas localidades se percebe um grande crescimento, inclusive, de novos loteamentos.

Mas a aquisição de um terreno, seja em um loteamento, seja fora dele, pode deixar de ser um sonho e se tornar um verdadeiro horror. No próprio noticiário existem vários exemplos em que os adquirentes se deram mal. Cite-se caso de Contagem/MG, cuja operação embargou loteamento irregular[3] e de Piracicaba/SP[4].

Diante desse contexto, o presente artigo pretende informar ao leitor algumas questões relevantes a serem observadas antes da compra.

I – Como saber se o loteamento é regularizado?

Questão extremamente importante na aquisição de um lote dentro de um loteamento é observar a documentação do imóvel, em especial a matrícula do imóvel. Isso porque o loteamento, para ser vendido, tem de estar registrado, conforme dispõe o art. 37, da Lei nº 6.766/79:

Art. 37. É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado.

Outra questão importante, é verificar na matrícula se o imóvel já é urbano ou se ainda é rural. Sem pretender entrar em conceitos jurídicos mais complexos, grosso modo o interessado deve verificar na matrícula se aquele imóvel possui cadastro no INCRA (CCIR). Se possuir, para o parcelamento em lotes menores que a fração mínima de parcelamento, é preciso que haja a descaracterização de urbano para rural.

Essa questão é extremamente importante, pois a lei proíbe o parcelamento de imóveis rurais em áreas menores que a fração mínima de parcelamento[5]. Trocando em miúdos, se o interessado “comprar” por “contrato de compra e venda” (que, na realidade é uma promessa ou um compromisso) um lote de tamanho inferior à fração mencionada, o cartório não lavrará a escritura pública.

Além das questões acima, é preciso verificar se esse loteamento foi realmente aprovado pela Prefeitura Municipal. Para tanto, costuma existir a numeração do processo junto ao Município.

Existem, ainda, questões ambientais relevantes a serem observadas. Para o loteamento ser realizado o loteador deve cumprir todas as exigências ambientais necessárias, como a não intervenção em áreas ambientalmente sensíveis, a obtenção da outorga para os recursos hídricos, etc.

II – O que fazer se comprei um lote irregular?

Se o interessado perceber que assinou uma promessa de compra e venda de um lote em um loteamento irregular, é preciso avaliar especificamente quais as questões de irregularidades e as cláusulas contratuais.

Mas uma dica é que o interessado envie ao vendedor (ou à empresa do loteamento) uma notificação para que ela supra as irregularidades então existentes. Recomenda-se que a notificação seja realizada através de cartório, para maior segurança na resposta.

Caso não ocorra o suprimento das irregularidades, a depender das cláusulas contratuais e das irregularidades encontradas, deve-se pensar na resolução contratual por descumprimento por parte do loteador. Inclusive, com cobrança de multa a favor do adquirente.

III – Posso ficar com o lote irregular e regularizar posteriormente?

Pode ser que a aquisição do lote seja um sonho e que valha a pena o risco de continuar naquela situação. Mas antes é preciso salientar que a aceitação de um lote irregular pode ter consequências. Pode ser, por exemplo, que o verdadeiro proprietário do lote[6] tenha tantos problemas judiciais que a justiça mande penhorar ou torne indisponível seus bens. Situação que pode implicar em penhora do lote adquirido. Outro exemplo são eventuais danos ambientais existentes no lote.

Se mesmo assim for interessante manter o lote para futura regularização, existem alguns caminhos. Cito dois deles:a usucapião e a reurb.

Para a usucapião, o adquirente deve ter, sobre o lote, posse mansa, pacífica e com ânimo de dono. Deve-se comprovar essa posse com testemunhas, sob pena de não ser possível sua regularização. A usucapião pode ser realizada na justiça ou no cartório. Em ambos os casos, recomenda-se um advogado especialista na área.

A reurb é a regularização fundiária urbana. Não é um instituto novíssimo, mas tomou uma nova roupagem e nomenclatura com a entrada em vigor da lei nº 13.465/17. É um procedimento que tramita junto ao Município e que deságua no cartório de registro de imóveis. Como se trata de um procedimento multidisciplinar, o interessado vai precisar de um advogado especialista, um engenheiro civil, técnicos da área ambiental, etc.

Para ambas as soluções, não é recomendável a contratação de generalistas. Ambos os procedimentos são extremamente complexos e a legislação imobiliária, notarial e registral tem sofrido modificações constantes.

III – Conclusão

Antes da aquisição de qualquer imóvel, recomenda-se fortemente a consultoria prévia de um especialista. Afinal, as consequências posteriores podem ser muito mais onerosas e desgastantes ao interessado.

Fellipe Duarte é advogado especialista e com atuação exclusiva em Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG, subseção Juiz de Fora; co-autor das obras “O direito notarial e registral em artigos, vol IV”, Editora YK; “Atos eletrônicos em notas e registros” e “Questões atuais do direito ambiental: uma visão prática”, ambos do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

www.fellipeduarte.adv.br

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NOTAS:

[1] Mercado de loteamentos cresce quase 200% durante a pandemia:, disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/dino/mercado-de-loteamentos-cresce-quase-200-durante-a-pandemia,3cac440888cdd56135d83c95544b26cba6nu714c.html

[2] https://noticias.r7.com/economia/pandemia-reaquece-setor-de-terrenos-e-reduz-lotes-disponiveis-20062021

[3] https://www.contagem.mg.gov.br/novoportal/operacao-autua-e-embarga-loteamento-clandestino-em-vargem-das-flores/

[4] https://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2021/09/16/forca-tarefa-inicia-fiscalizacao-de-loteamentos-clandestinos-e-identifica-23-obras-sem-supervisao-adequada-em-piracicaba.ghtml

[5] A fração mínima de parcelamento pode variar, de região para região. Há locais que a FMP é de 2 hectares. Ou seja, 20 mil metros quadrados.

[6] Proprietário é aquele que está na matrícula/registro do imóvel. O adquirente, por enquanto, só é o possuidor do lote.

Como fugir do georreferenciamento de imóveis rurais?

fev 19, 2022

Se você chegou aqui, provavelmente está diante da seguinte situação: precisa vender seu imóvel ou, ainda, precisa realizar alguma questão relativa a seu imóvel e, portanto, precisa realizar o georreferenciamento do imóvel. Sendo ou não sendo esta sua situação, o presente artigo tratará sobre o chamado georreferenciamento e trará, talvez, uma saída para postergar sua realização.

Antes de entrar na questão, ressalto que não existe fórmula mágica. Mas com o profundo conhecimento da legislação e o conhecimento sobre o tema, além da prática notarial e registral, é possível solucionar questões de maneira mais simplificada.

Pois bem. Passamos ao tema de maneira didática, como de costume, para que haja a correta compreensão do leitor.

I – O que é georreferenciamento de imóvel?

O georreferenciamento de imóvel é basicamente um procedimento para definição da forma, dimensão e localização do imóvel, através de levantamento topográfico.

O chamado “geo” foi criado para que fossem eliminadas falhas de levantamentos topográficos antigos, como a sobreposição de áreas junto aos cartórios de registro de imóveis. Essa situação gerava muitas discussões jurídicas e uma certa insegurança aos proprietários.

Portanto, a Lei 10.267 de 2001, alterando alguns dispositivos de outras legislações, trouxe a necessidade da realização do georreferenciamento nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais.

Seu regulamento (Decreto 4.449/2002) trouxe, portanto, a obrigatoriedade do procedimento conforme o tamanho da área. Assim, a cada dia que passa, mais imóveis têm de se submeter ao geo, a saber:

Já vigente para imóveis acima de 250 hectares;

Já vigente para os imóveis com área entre 100 a menos de 250 hectares;

20/11/2023 para os imóveis com área de 25 a menos de 100 hectares;

20/11/2025 para os imóveis com área inferior a 25 hectares.

Dessa forma, se você está lendo esse artigo no ano de 2.022 e se seu imóvel tem entre 25 e 100 hectares, você ainda não está obrigado realizar o geo. Se seu imóvel já tem mais de 100 hectares, já deve realizar o procedimento.

II – Como funciona o georreferenciamento?

De maneira prática, para a realização do procedimento é preciso procurar um profissional técnico (profissional especializado em topografia rural). Esse profissional elaborará uma planta e um memorial descritivo e submeterá a questão ao INCRA.

Para que o procedimento ocorra, é necessário que a planta seja assinada pelos confrontantes diretos (art. 9º, §6º, Dec. 4449/02). Ou seja, aqueles proprietários vizinhos diretos do imóvel que está sendo georreferenciado.

E é justamente a necessidade das assinaturas que, muitas vezes, atrasa sobremaneira o procedimento. Porque enquanto a planta não é completamente assinada pelos confrontantes, ela não entra no cartório de registro de imóveis.

III – É possível a realização do geo sem a assinatura dos confrontantes?

Embora o Decreto 4449/02 tenha trazido a necessidade de anuência dos titulares de direito real confrontantes do imóvel para a realização do geo, a Lei 13.838/2019 alterou a Lei de Registros Públicos para dispensar a anuência dos confrontantes nos casos de desmebramento, parcelamento e remembramento de imóveis rurais.

A questão é instigante, mas como o objetivo do presente artigo não é o aprofundamento da referida dispensa, a questão não será tratada aqui.

Passo, então, ao questionamento que dá o título do artigo.

IV – Como fugir do georreferenciamento?

Verificado todo o contexto acima, existe uma forma de o proprietário “fugir” da realização do georreferenciamento.

O proprietário do imóvel cujo tamanho (no caso do ano de 2022, mais de 100 hectares) já seja exigido o georreferenciamento não conseguirá se aproveitar dessa fuga. Portanto, se este é seu caso, o georreferenciamento é obrigatório.

No entanto, para aquele proprietário de imóveis menores, é possível se utilizar desta fuga. A questão, em uma leitura rasa, pode parecer óbvia. Afinal, se não está no prazo, não há fuga. Apenas não estaria no prazo.

No entanto, há aqueles casos em que o imóvel possui 150 hectares e possui vários coproprietários. Neste caso, se seu Zé das Couves é dono de 12 hectares dentro de um todo (em uma única matrícula), ele não poderia vender seu imóvel a terceiros, uma vez que o registrador de imóveis deve considerar o tamanho total da gleba para interpretar a lei do geo.

Assim, seu Zé das Couves não conseguirá registrar a compra e venda da área de 12 hectares dentro de uma gleba de 150 hectares. Ainda que seja possível lavrar essa escritura, o cartório de registro de imóveis apresentará uma nota devolutiva (um documento explicando que não é possível registrar a compra e venda) exigindo a realização do georreferenciamento.

Mas neste caso, seu Zé da Couves consegue fugir do chamado georreferenciamento. Como? Através da estremação do imóvel. Sob qual fundamento? Para efeitos de estremação de imóvel, há recomendação de que o cartório de registro de imóveis deve considerar o tamanho do imóvel a ser estremado, e não o tamanho do todo (conforme enunciado nº 39 do Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais).

V – O que é estremação?

A estremação (com “S” mesmo) é um procedimento extrajudicial (portanto, não há necessidade de ir para a justiça) em que o proprietário em condomínio pode separar sua parte da matrícula em condomínio. Já escrevi sobre esse tema em meu blog, aqui (embora o artigo esteja desatualizado, consegue explicar bem o procedimento).

Nesta situação, se uma matrícula possui 15 coproprietários, um deles pode realizar uma estremação para sair dessa matrícula. Oportunidade em que se cria uma nova matrícula para esse coproprietário. Daí, seu imóvel será uma matrícula separada com um tamanho inferior àquele da matrícula maior.

No caso de seu Zé das Couves, ele sairia de uma matrícula de 150 hectares para uma matrícula de 12 hectares. Estaria, portanto, fora do prazo para o georreferenciamento. O que o possibilitaria de vender o imóvel sem que o cartório de registro de imóveis exija o procedimento.

VI – A estremação é possível em todo o Brasil?

Você pode estar se questionando que no seu Estado não haveria regulamentação para a estremação. Afinal, a estremação nasceu no Rio Grande do Sul e, atualmente, não possui regulamentação em todos os Estados da Federação.

No entanto, com a entrada em vigor da Lei 13.465/17 e a vinda da Reurb (também já escrevi sobre isso aqui), é possível sim a realização da estremação. Só que neste caso o procedimento passaria necessariamente pelo Município e pelo Cartório de Registro de Imóveis. Ficando a questão, assim, submetida a uma análise mais pormenorizada da legislação municipal.

VII – Conclusão

O tema comentado acima não está nítido na legislação. Portanto, não se trata de questão simples de ser realizada. Assim, se faz relevante procurar um profissional especialista na área para que os procedimentos sejam corretamente conduzidos e haja êxito na regularização.

Fellipe Duarte é advogado especialista e com atuação exclusiva em Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG, subseção Juiz de Fora; co-autor das obras “O direito notarial e registral em artigos, vol IV”, Editora YK e “Atos eletrônicos em notas e registros”, do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

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A mansão de Flávio Bolsonaro, a lavagem de dinheiro e os Cartórios

mar 03, 2021

Recentemente, foi noticiado em diversos jornais do país suposta lavagem de dinheiro através de compra de imóveis subfaturados pelo senador Flávio Bolsonaro. A notícia pode ser lida, por exemplo, na Folha de São Paulo ou no Estadão. Na Folha do dia 3 de março de 2021, a notícia trazia “Flávio Bolsonaro compra mansão em área nobre de Brasília por R$ 6 milhões: denúncia das ‘rachadinhas’ apontava elo de negócios imobiliários com lavagem de dinheiro'”.

De antemão, alerto o leitor de que este não é um artigo com viés político. Não serão trazidas, neste espaço, questões ideológicas acerca da política nacional.

Feito o alerta, a notícia trouxe à tona questão interessante que envolve o Direito Imobiliário: a utilização de imóveis para lavar dinheiro. Neste sentido, o presente artigo pretende tratar especificamente de como funciona e qual o papel das serventias extrajudiciais na prevenção da lavagem de dinheiro.

I – O que é lavagem de dinheiro?

Lavagem de dinheiro é uma prática utilizada para encobrir a origem de dinheiro ilegal. É um esquema para fazer parecer que, recursos obtidos por meio de atividades ilegais, o foram por meios legais.

Dinheiro obtido com práticas ilícitas (tráfico de drogas, furto, corrupção, etc) não pode simplesmente ser utilizado, pois a Receita Federal perceberia essas irregularidades. De modo que a lavagem de dinheiro é utilizada para “limpar” o dinheiro e fazer parecer ter origem lícita.

II – Como foi a suposta lavagem de dinheiro praticada no caso concreto?

Sem entrar em maiores detalhes, segundo o que tem sido noticiado, o senador comprou imóveis pagando parte do dinheiro “por fora”. Os promotores, no caso em concreto afirmaram que:

“Essa prática de subfaturamento de registros imobiliários na compra possibilita a simulação de ganhos de capital em patamares expressivos na ocasião da revenda, razão pela qual são instrumentos corriqueiramente utilizados para lavagem de capitais já catalogados, inclusive, no artigo 9º, IX da Resolução nº 24/2013 do COAF” (Retirado do Estadão)

Portanto, em suma a pessoa compra um imóvel passando uma escritura pública por um valor baixo e pagando o restante em dinheiro, de modo que esse dinheiro não é declarado.

III – O crime de lavagem de dinheiro

A lavagem de dinheiro está prevista na Lei 9.613/98, que também criou o chamado Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

A questão penal não será pormenorizada, uma vez que o Direito Penal não é objeto do presente BLOG. De modo que importam as questões que envolvem o Direito Imobiliário e os Registros Públicos.

IV – O papel dos tabeliães de notas na lavagem de dinheiro

A compra e venda de imóveis certamente envolve a lavratura de uma escritura pública. O que é realizado pelo tabelião de notas, conforme as competências da Lei 8935/94.

Daí, se pergunta: o que deve o tabelião fazer ao se deparar com uma escritura pública subfaturada?

Visando a prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento 88. Em outra oportunidade, escrevi neste BLOG um artigo sobre o provimento, que pode ser lido aqui.

Ao se deparar com uma compra e venda que pareça suspeita ao tabelião, é sua obrigação comunicar a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), por meio do Siscoaf, aquela operação, conforme o art. 6º do Provimento 88, CNJ.

Inclusive, segundo a própria norma do CNJ, o tabelião é responsável pela implantação das políticas, procedimento e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no âmbito da serventia (art. 8º, prov. 88, CNJ).

Há, ainda, previsão de que a pessoa exposta politicamente, e não só, seja cadastrada no “Cadastro de Clientes e Demais Envolvidos”, conforme manda o art. 9º, parágrafo 1º, III, k do Provimento.

V – E se o tabelião não fizer a devida comunicação?

O provimento trouxe grande responsabilidade aos responsáveis pelas serventias extrajudiciais. De modo que o notário ou o registrador, ainda que interventor ou interino, que deixar de cumprir as obrigações do provimento, sujeitam-se às sanções do art. 12 da Lei 9.613/98, dentre as quais:

  1. Advertência;
  2. Multa pecuniária variável, de acordo com o previsto no art. 12, II da Lei nº 9.613/98;
  3. Inabilitação temporária, pelo prazo de até 10 anos;
  4. cassação ou suspensão da autorização para o exercício da atividade, operação ou funcionamento.

Caso isto ocorra, certamente o tabelião será submetido a um processo administrativo, respeitando-se o devido processo legal, podendo apresentar defesa.

Quando é devido o ITBI? O que muda com a decisão do STF?

fev 24, 2021

I – Introdução

O ITBI (imposto de transmissão inter vivos) é um imposto cobrado pelos Municípios nas operações de transferência de bens imóveis. Portanto, grosso modo, é o tributo que se paga ao Município quando ocorre, por exemplo, uma compra e venda.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1294969, com repercussão geral (Tema 1124), decidiu que:

O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro

O acórdão que concluiu pela ementa acima concluiu sobre a impossibilidade de se exigir o recolhimento do ITBI nas operações de promessa de venda e compra e cessão de direitos.

Daí, fica o questionamento: o que muda com a decisão do Supremo? E afinal, quando pode ser cobrado o ITBI? Esses questionamentos serão colocados em seguida.

I – O que é ITBI?

Se você está acostumado a comprar imóveis provavelmente já teve a obrigação de pagar esse tributo.

O ITBI está previsto na Constituição Federal no art. 156, II, cujo texto se transcreve:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

Assim, cada Município possui sua legislação que trata sobre a cobrança do ITBI. Mas a Constituição Federal deixa claro que esse imposto incide quando ocorre a transmissão “entre vivos”, por ato oneroso (ou seja, que produza vantagens e obrigações para ambas as partes), de direitos reais sobre imóveis.

Portanto, o ITBI é devido na compra e venda de imóvel, mas não só. Trata-se de um imposto pago ao Município, conforme estabelece a legislação daquele Município.

II – O que é fato gerador de um tributo?

Sem pretender um aprofundamento na questão tributária, é necessário esclarecer o que é fato gerador. Como o próprio nome indica, fato gerador é ocorrência de uma situação que dá ensejo a obrigação de cobrar o tributo. Em outras palavras, é aquilo que gera a obrigação do pagamento do tributo.

III – A prática do ITBI nas cessões de direitos e na lavratura de escritura pública de venda e compra

Muitas vezes ocorre de o verdadeiro proprietário do imóvel (aquele que possui seu nome no registro, que chamaremos de Ricardo) realizar um contrato particular de promessa de compra e venda para determinada pessoa (que chamamos de Maria) e essa, sem registrar o imóvel em seu nome, realizar uma cessão de direitos através de contrato para um terceiro (chamaremos de João).

Neste caso, quando João vai ao cartório de notas para lavrar a escritura pública para, finalmente, passar o imóvel para seu nome, o tabelião exige o recolhimento do ITBI nas duas operações (bitributação). Tanto na transmissão de Ricardo para Maria, quanto na de Maria para João.

Já na lavratura de escritura pública de venda e compra, mesmo sem existir cessão de direitos, a praxe é o tabelião de notas exigir a quitação previa do ITBI. De modo que na prática tem ocorrido de o imposto ser exigido antes mesmo de seu fato gerador, que é o registro.

O tabelião procede desta forma por alguns motivos: a) primeiro, porque é dever do notário fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que deve praticar (art. 30, XI Lei nº 8.935/94), de modo que ele é responsável por isso; b) segundo, porque ele deve observar a lei. Sobretudo a lei Municipal, que muitas vezes exige o recolhimento; c) terceiro, ele o faz em observância à cadeia dominial do imóvel.

IV – A decisão do STF e sua repercussão nas serventias extrajudiciais

No tópico anterior, tratou-se da prática acerca do recolhimento do ITBI nos Municípios. Ocorre que, no julgamento cujo acórdão fora publicado dia 19/02/2021, o STF redefiniu claramente que o fato gerador do tributo somente se dá com a transmissão da propriedade, o que ocorre mediante o registro. Na decisão ficou claro também que não se pode cobrar o tributo na cessão de direitos.

A decisão do STF não surpreende, afinal:

a) o próprio art. 1.245 do Código Civil é enfático ao estabelecer que “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”;

b) antes da referida decisão do STF existiam jurisprudências esparsas confirmando que foi, agora, reafirmado pelo supremo.

Desta forma, questiona-se: como os notários vão se portar diante da jurisprudência do supremo?

Diante dessa questão, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) publicou a Nota Técnica nº 01/2021, sobre a tese firmada pelo STF, cuja conclusão se transcreve:

Desse modo, o IRIB ESCLARECE e RECOMENDA aos registradores imobiliários do país, respeitada obviamente a sua independência jurídica, que continuem observando a legislação local em vigor (princípio da legalidade estrita), especialmente as leis tributárias do município e normas das egrégias Corregedorias-Gerais da Justiça, até que as mesmas se adequem à tese firmada pelo STF, se for o caso.

Portanto, apesar da tese firmada pelo STF, considerando que os notários e registradores têm de respeitar a lei e considerando que as legislações Municipais ainda não sofreram modificação, acredita-se que a situação na prática será mantida.

No entanto, diante dessa tese e considerando a repercussão da temática, espera-se que os Municípios adequem suas legislações e, ainda, que os Estados se manifestem através de provimentos acerca da cobrança do ITBI nessas operações. Só aí é que os notários e registradores se sentirão motivados a trabalharem de forma diversa.

V – Conclusão

A tese firmada pelo STF certamente acarretará inúmeras movimentações no sentido de serem mudadas a regra do jogo. Afinal, é sensato que associações e institutos representativos de classe se unam para que o que fora firmado se torne prática no mercado imobiliário. Se o itbi só é devido com o registro, não há motivo de as legislações Municipais manterem a exigência (diga-se, inconstitucional) do recolhimento do imposto nas cessões de direitos e, ainda, antes do registro do título no cartório de registro de imóveis.

A questão é delicada e ainda repercutirá em diversas classes. Aguardemos o desenrolar da matéria no âmbito dos Municípios e das normas de serviços das corregedorias.

O que acontece se o cartório não informar a venda de imóveis da União?

fev 10, 2021

Recentemente, a Portaria SPU/ME nº 24.218/20 passou a estabelecer a obrigatoriedade de os cartórios de Notas, de Registro de Imóveis e de Títulos e Documentos comunicarem as operações envolvendo terrenos da União, através do envio da DOITU (Declaração de Operações Imobiliárias Terrenos da União).

Neste sentido, este breve artigo trará algumas questões relativas ao envio da DOITU e, ainda, as implicações de seu descumprimento pelos Notários e Registradores.

I – A obrigatoriedade de comunicação

Assim como o envio da DOI (declaração de operações imobiliárias) pelos cartórios, agora eles também ficam obrigados a comunicar as operações envolvendo terrenos da União.

Assim, aqueles cartórios (Notas, Registro de Imóveis e Títulos e Documentos) que promoverem operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos assentos de suas serventias que envolvam terrenos da União são obrigados ao envio da DOITU (art. 2º Portaria SPU/ME 24.218/20).

II – Como é feita a comunicação?

A comunicação é feita através do site www.patrimoniodetodos.gov.br, através do portal SPUnet. Já o prazo para o envio, segundo a regulamentação, é até o último dia útil do mês subsequente à data de lançamento do ato registral nos assentos da respectiva serventia (art. 3º, §4º Portaria SPU/ME 24.218/20).

III – E se o cartório não comunicar?

A ausência de comunicação, pelo cartório, no prazo estabelecido implica em aplicação de multa correspondente a 0,1% ao mês-calendário ou fração, sobre o valor da operação, limitada a 1% (art. 6º Portaria SPU/ME 24.218/20 c/c Art. 3º-A do Decreto nº 2.2398/1987).

Há a possibilidade de redução da multa para a metade, quando a declaração for apresentada antes de qualquer procedimento de ofício e a 75%, caso a declaração seja apresentada no prazo ficado em intimação.

Lembrando que se a declaração for apresentada com incorreções ou omissões, o responsável será intimado para retificá-la. O que não o eximirá de pagamento de multa de R$ 50,00 por informação inexata, incompleta ou omitida.

IV – Como funciona o recurso administrativo?

Da decisão do Superintendente do Patrimônio da União do Estado que aplicar sanção ao responsável, caberá recurso administrativo em primeira instância, no prazo de 10 dias, contados da ciência ou divulgação da decisão.

Apresentado o recurso em primeira instância, o Superintendente poderá reconsiderar sua decisão ou encaminhar o recurso para o Secretário de Coordenação e Governança do Patrimônio da União .

Da decisão do Secretário, cabe ainda recurso em segunda instância, a ser dirigido ao próprio Secretário, que poderá reconsiderar a decisão ou encaminhar os autos ao Secretário de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia.

Lembrando que a decisão em grau de recurso deverá ser motivada, com a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos em que se baseia

Entenda o funcionamento da Fidúcia – PL 4.758/20

nov 25, 2020

I – Introdução

O projeto de lei da fidúcia, de autoria de Enrico Misasi, atualmente encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados. Trata-se de um projeto que pretende viabilizar uma sistemática amplamente difundida no mundo, muitas vezes sob a constituição de um trust.

O trust, segundo a Convenção de Haia, se refere a relações jurídicas criadas por alguém, o outorgante, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para o benefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica.

Essa sistemática difundida da qual se falou inicialmente basicamente é aquela situação em que a administração de ativos é confiada a terceiro, administrador profissional, ao qual é atribuída a titularidade dos bens objeto do negócio.

Assim, o PL, em sua justificação, esclarece que é possível alcançar o mesmo efeito jurídico do trust mediante transmissão fiduciária, “pois tanto o trust quanto a fidúcia produzem o mesmo efeito de definir uma destinação para o bem transmitido e vinculá-lo à realização desse escopo específico, excluindo-o dos efeitos de eventuais situações de crise do fiduciário”.

Para que fique mais claro, caso o PL da fidúcia se torne lei, será possível a administração de heranças, de patrimônio de dependentes ou de investimentos financeiros.

II – O que é fidúcia?

O PL estabelece o chamado Regime Geral da Fidúcia (art. 1º), pois pretendeu estabelecer todo o regime jurídico do instituto em uma só lei.

A fidúcia é o negócio jurídico pelo qual uma das partes, denominada fiduciante, transmite, sob regime fiduciário, bens ou direitos, presentes ou futuros, a outra, denominada fiduciário, para que este os administre em proveito de um terceiro, denominado beneficiário, ou do próprio fiduciante, e os transmita a estes ou a terceiros, de acordo com o estipulado no respectivo ato constitutivo (art. 2º).

Portanto, são partes desse negócio:

  1. O fiduciante: aquele que transmite bens ou direitos;
  2. O fiduciário: aquele que administra esses bens e direitos, em proveito de um terceiro;
  3. O beneficiário: o terceiro, que se beneficia da administração dos bens ou direitos pelo fiduciário.

Necessário lembrar que a fidúcia pode também ser utilizada como forma de garantia (art. 2º, parágrafo único).

III – Como se constitui a fidúcia?

A fidúcia se constitui das formas seguintes:

  1. Por lei (art. 4º);
  2. Por contrato ou ato unilateral (art. 4º);
  3. Por testamento (art. 4º, §3º).

IV – Os requisitos da fidúcia

O PL traz, em seu art. 4º, §1º uma série de requisitos, como a individualização dos bens e direitos objetos da fidúcia e os direitos e obrigações das partes e dos beneficiários.

Lembrando que a exigência dos requisitos é impositiva, sob pena de nulidade (art. 4º, §1º)

V – O registro da fidúcia

Como já explicado, a fidúcia pode ser sobre bens e direitos.

O PL estabelece que se considera constituída a propriedade ou a titularidade fiduciária, e válida perante terceiros, mediante registro do ato de constituição da fidúcia no Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel dado em fidúcia, no Registro de Títulos e Documentos, na Comarca em que forem domiciliados o fiduciário e o fiduciante, ou no órgão a que a lei atribuir competência para esse fim (art. 4º, §2º).

VI – A separação do patrimônio

O regime da fidúcia estabelece, grosso modo, uma afetação patrimonial. O que significa dizer que o patrimônio do fiduciante e do fiduciário são separados, não podendo se misturar.

Assim, segundo o PL, o fiduciário deverá se esforçar para que os bens e direitos objetos da fidúcia, e também seus frutos, não se comuniquem, nem se confundam, com seus bens e direitos (art. 6º, §1º). Trata-se, portanto, de uma afetação patrimonial. Situação semelhante da que já ocorre na Incorporação Imobiliária com utilização do patrimônio de afetação (sobre esse tema, clique aqui).

Portanto, ao se estabelecer o regime da fidúcia em determinado negócio, os patrimônios ficam separados. Esse, inclusive, é o ponto central do PL.

Inclusive, a este respeito o PL estabelece que o patrimônio constituído pela fidúcia não se submeterá aos efeitos da falência ou da recuperação judicial da empresa, permanecendo esse patrimônio separado do falido (art. 13).

VII – Conclusão

Vistos alguns aspectos desse PL, verifica-se que o mercado já tem adotado essa sistemática em situações pontuais, como na Incorporação Imobiliária, na parceria público-privada, na securitização de créditos e nas operações de crédito do agronegócio.

A viabilização da fidúcia em sentido amplo, como é o que pretende fazer o PL, é louvável e fomentará novos negócios.

Como funciona a mediação nos cartórios?

out 21, 2020

O movimento da desjudicialização – a resolução de demandas fora do poder judiciário – tem tomado grandes proporções na legislação e, ainda, na cultura jurídica do país.

Vários exemplos de iniciativas para a desjudicialização já foram tratadas neste espaço. Citem-se, por exemplo, a Execução Extrajudicial e o Despejo Extrajudicial, ambos ainda em Projetos de Lei. Mas há. ainda, outras situações que já são realidade entre nós, como a possibilidade de realização de Usucapião Extrajudicial (aquela feita nos cartórios) e a possibilidade de realização de Divórcio e Inventário Extrajudiciais.

No mesmo sentido, o presente artigo passa a tratar da possibilidade de se utilizar da Mediação no âmbito dos Cartórios. Para que se compreenda o tema é preciso esclarecer o que seria Mediação.

I – O que é mediação?

Para melhor compreender o que seria a mediação, é importante se ter em mente que existem dois métodos para a solução de conflitos. Os métodos Autocompositivos e os métodos Heterocompositivos.

a) Métodos autocompositivos

Nesta modalidade, as próprias partes resolvem seus conflitos. E isso pode ser feito com um facilitador ou sem um facilitador. Dentro desse método destacam-se a Mediação e a Conciliação.

Na mediação, as partes chamam um mediador para resolver o conflito. A função do mediador é abrir caminhos para que as próprias partes enxerguem no acordo a melhor solução do conflito. Portanto, o mediador se preocupa com o estado emocional das partes e não sugere o que deve ser feito, apenas conduz as tratativas para que as próprias partes cheguem a um consenso.

Na conciliação, há a participação de um conciliador. Este, sim, pode sugerir proposta de acordo sem se preocupar com o estado emocional das partes.

b) Métodos heterocompositivos

Neste caso, há um terceiro que participa da solução desses conflitos. É o que ocorre, por exemplo, quando existe um processo judicial (jurisdição) ou quando a questão é tratada em uma câmara arbitral. Caso em que a decisão fica a cargo de um árbitro (como se fosse um juiz). É como se fosse uma justiça particular.

II – Existe lei que regulamenta a Mediação no Brasil?

Entendido um pouco do que se trata a mediação, passa-se a esclarecer se existe ou não legislação que a regulamente.

O primeiro marco legal da mediação no Brasil foi a Resolução 125, do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Pública de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses

Em seguida, o novo Código e Processo Civil trouxe um estímulo a solução consensual de conflitos através da conciliação, mediação e outros métodos (art. 3º, §§ 2º e 3º).

Posteriormente, a Lei 13.140/2015 passou a dispor sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. A Lei trouxe, dentre outras questões, os princípios que norteiam a mediação, o funcionamento da mediação judicial (através dos centros judiciários de solução consensual de conflitos – CEJUSCs), etc.

Vista rapidamente essa questão, passa-se a tratar de como a mediação poderia ser realizada no âmbito dos cartórios.

III – A mediação realizada nos cartórios

Ultrapassada a questão introdutória acima, passa-se a tratar sobre a possibilidade de a realização de mediações dentro das serventias extrajudicial. Afinal, seria possível a solução extrajudicial de conflitos dentro de um cartório?

O Conselho Nacional de Justiça regulamentou a mediação e a conciliação no âmbito das serventias extrajudiciais (cartórios) através do Provimento nº 67. Assim, algumas questões pontuais sobre a mediação nos cartórios passam a ser trazidas em seguida.

a) A facultatividade da mediação nos cartórios

A primeira questão que merece ser tratada é sobre a facultatividade da mediação nos cartórios. Segundo o art. 2º do Provimento 67 do CNJ, os cartórios não estão obrigados a trabalhar com mediação. De modo que há uma facultatividade em adotá-la.

b) É necessária a contratação de advogado para a mediação em cartório?

Outra questão é sobre a necessidade ou não de advogado para a realização do procedimento da mediação junto às serventias. O art. 10, §§ 1º e 2º do Provimento trazem, em seu texto, que a pessoa natural e a pessoa jurídica “poderão” ser representadas por procurador constituído.

Há muita crítica sobre a utilização deste termo. No entanto, deve-se sempre levar em conta que a contratação de um advogado especializado na área de atuação é sempre o melhor caminho para garantir segurança a parte.

c) A confidencialidade do procedimento

Há, ainda, outra questão interessante a ser colocada. Como seria possível conciliar a sistemática da confidencialidade da mediação com a sistemática da publicidade dos cartórios?

Inicialmente, deve-se atentar para o fato de que já existe o dever de confidencialidade atribuído aos notários, conforme disposição do art. 30, VI da Lei 8.935/94. De modo que o Lei da Mediação segue a mesma sistemática.

Mas a questão também pode ser vista de outra forma: se por um lado a Lei 13.140/2015 tem como um de seus princípios a confidencialidade, devendo ser observada por todos os personagens do procedimento (vide também art. 8º, §1º do Provimento 67, CNJ), de outro lado há também um regramento de publicidade atribuído às serventias (já levantei esse dilema em outro artigo, quando tratei da aplicação da LGPD nos cartórios, leia aqui).

A doutrina (Fernanda Leitão, em https://migalhas.uol.com.br/depeso/280545/a-mediacao-e-o-provimento-cnj-67-18) sugere que se estabeleça um cerceamento dessa publicidade, como tem sido feito nos Estados, nos regulamentos Estaduais. Cite-se o exemplo desse cerceamento no Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro (art. 369-A), em que o fornecimento de certidões sobre testamento só se dará com a comprovação do óbito do testador.

d) A fiscalização pelo Poder Judiciário

O provimento estabelece, ainda, que os procedimentos de conciliação e mediação no âmbitos dos cartórios serão fiscalizados pela Corregedoria Geral de Justiça e pelo Juiz Coordenador do Cejusc.

e) Os emolumentos

Questão de relevo é aquela que diz respeito aos emolumentos que serão pagos ao cartório pelo interessado.

Inicialmente, é preciso dizer que os emolumentos são definidos por Estado. De modo que cada Estado possui sua tabela específica.

Salienta-se, ainda, que segundo o art. 36 do Provimento 67 do CNJ, “enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e DF, normas específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas na Lei 10.169/2000, aplicar-se-á às concilicações e mediações extrajudiciais a tabela referente ao menor valor cobrado na lavratura de escritura pública sem valor econômico”.

Trazendo esta situação para o Estado de Minas Gerais, teríamos o montante de R$ 46,74 (conforme a tabela de 2020) por ato. Ou seja, trata-se realmente de um valor ínfimo para a prática da mediação no cartório. Razão pela qual a questão tem de ser melhor colocada no âmbito dos Estados.

IV – Conclusão

Para que efetivamente passemos a aplicar a mediação nos cartórios, em nossa opinião, é preciso que ocorram algumas situações.

Primeiro, deve-se mudar a cultura jurídica dos advogados e das partes. Afinal, a iniciativa da mediação se inicia quando o próprio advogado, ao redigir um contrato, insere naquele contrato uma cláusula de mediação. Ou quando as próprias partes optam por esse procedimento.

Segundo, é preciso que as Corregedorias Estaduais que ainda não o fizeram editem provimentos regulamentando a matéria no âmbito do Estado.

Terceiro, é preciso que os próprios notários se adequem para atenderem aos cidadãos.

A mídia, Gusttavo Lima e a Súmula do STF

out 17, 2020

A relação de Gusttavo Lima com Andressa Suita tem gerado grande repercussão nas mídias sociais e, ainda, em canais de notícias. São inúmeras mídias noticiando informações acerca da separação e do patrimônio do casal.

Dentre essas informações, merece destaque aquela segundo a qual Súmula do STF poderia beneficiar Andressa Suita a ter direito de partilha de bens com Gusttavo Lima (veja as notícias aqui, aqui e aqui).

No jornal Extra, jornal popular de grande circulação, foi noticiado que “Pela súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, Andressa têm direito à metade dos bens de Gusttavo adquiridos após o casamento, em que ela tenha, direta ou indiretamente, participação na aquisição. Ou seja, bens adquiridos durante a união podem, sim, ser partilhados”.

Portanto, segundo as notícias, ainda que um casal tenha firmado o matrimônio sob o regime da separação de bens, os cônjuges teriam direito ao que foi adquirido após o casamento.

Mas será que é isso mesmo? A questão será melhor pontuada a seguir.

I – Como funciona o regime da separação de bens?

Sabe-se que os nubentes, antes de se casarem, podem estipular um regime de bens. Regime este que será aplicado sobre o patrimônio então existente e, ainda, sobre o futuro patrimônio dos nubentes.

Os nubentes podem estabelecer quaisquer regras, como bem entenderem. Sejam aqueles regimes que se apresentam no Código Civil, sejam outros não previstos.

No caso do regime da separação de bens, esses bens permanecem sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que pode alienar ou gravar de ônus real esses bens (art. 1.687, Código Civil).

Na separação de bens, os bens de cada um são de cada um. Ou seja, o patrimônio de um dos cônjuges não se comunica com o do outro. De modo que, havendo uma separação, cada qual continua com seu patrimônio. Para isso, deve ser feito um pacto antenupcial (art. 1.640, parágrafo único do Código Civil) com essas regras.

II – Como funciona a separação obrigatória de bens?

Ultrapassada a questão acima, há situações em que a lei obriga os nubentes que contraiam casamento sob o regime da separação de bens. Razão pela qual a lei se refere a separação obrigatória ou legal de bens.

Portanto, os nubente deve, obrigatoriamente, se casar pelo regime da separação de bens quando:

  • contrair o casamento sem observar as causas suspensivas da celebração do casamento. Cite-se o exemplo (todos previstos no art. 1.523, Código Civil) segundo o qual o divorciado, enquanto não realizada sua partilha de bens, deve contrair novo casamento obrigatoriamente pelo regime da separação legal de bens.
  • um dos nubentes for maior de 70 (setenta) anos;
  • se depender de suprimento judicial para casar: é o caso, por exemplo, em que um dos genitores nega autorização ao filho menor de idade de se casar. A falta de consentimento do genitor pode ser suprida por ordem judicial. Ou seja, o menor de idade, caso um dos pais se negue a autorizar o casamento, pode obter autorização judicial para tanto. De modo que esse casamento será através do regime da separação legal de bens.

Algumas dessas causas suspensivas sofrem críticas por parte de alguns juristas. No entanto, o presente artigo não se presta a tratar dessas divagações doutrinárias. Assim, passa-se a tratar de como se aplicaria a Súmula do STF nesses casos.

III – Mas afinal, o que diz a Súmula 377 do STF e como ela se aplicaria ao caso?

Segundo a Súmula 377 do STF,

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Observe que a Súmula menciona especificamente o regime de separação legal de bens. Ou seja, aquele regime em que os nubentes têm de “optar obrigatoriamente” pela separação de bens. Em momento algum a lei faz menção ao regime da separação (convencional) de bens.

Não à toa que a própria jurisprudência mineira deixa claro que há uma clara diferenciação entre o regime da separação de bens (previsto nos arts. 1.687 e 1.688 do Código Civil) e o regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641, Código Civil), vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO – REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS –
ART. 1.641, I, DO CC/2002 (ART. 258, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CC/1916) – PARTILHA – SÚMULA Nº 377 DO STF – PRINCÍPIO DA COMUNICABILIDADE DOS BENS ADQUIRIDOS DURANTE O CASAMENTO – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. É sabido que o regime da separação total de bens, previsto nos arts. 1.687 e 1.688 do CC/2002 (arts. 276 e 277 do CC/1916), não se confunde com o regime da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641 do CC/2002 (art. 258, parágrafo único, I, do CC/1916), também regulado pelo teor da súmula nº 377 do STF em que os bens adquiridos na constância do casamento devem ser partilhados em proporção igualitária. 2. Recurso não provido.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0429.14.000576-1/001, Relator(a): Des.(a) Audebert Delage , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/09/2019, publicação da súmula em 04/10/2019)

São regimes distintos que devem ser também tratados de maneiras distintas. De forma que, a nosso ver, não se poderia aplicar o teor da Súmula 377 do STF aos casamentos contraídos pelo regime da separação convencional de bens.

Aliás, a própria jurisprudência mineira possui o entendimento do afastamento da Súmula 377 do STF em casamentos contraídos pelo regime da separação (convencional) de bens, veja-se:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – CASAMENTO – REGIME DE BENS – PACTO ANTENUPCIONAL – REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL E ABSOLUTA DE BENS – AFASTAMENTO DA SÚMULA 377 DO STF – PREVALÊNCIA SOBRE O REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS.
1. O regime da separação convencional e absoluta de bens afasta a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.
2. O regime de separação convencional e absoluta de bens, constante em pacto antenupcial, deve prevalecer sobre o regime da separação obrigatória de bens.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.19.048708-2/001, Relator(a): Des.(a) Carlos Henrique Perpétuo Braga , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/07/2019, publicação da súmula em 24/07/2019)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE PARTILHA DE BENS – DIVÓRCIO – CASAMENTO REALIZADO EM REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL – SÚMULA 377 DO STF – INAPLICABILIDADE – PARTILHA DOS AQUESTOS – DESCABIMENTO – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Pelo regime da separação de bens, cada cônjuge é responsável pela administração do seu patrimônio, conservando-se na posse e na propriedade dos bens que trouxer para o casamento, inexistindo, a princípio, a comunicabilidade dos aquestos. 2. Entretanto, com o escopo de evitar o enriquecimento sem causa, a súmula 377 do Supremo Tribunal Federal preconiza que, no regime de separação obrigatória de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento(aquestos), considerando que os nubentes não tiveram oportunidade de manifestar sua vontade. 3. Todavia, o enunciado não incide no caso do casamento realizado sob o regime de separação convencional, em observância ao princípio da autonomia da vontade, devendo prevalecer a escolha do casal em pacto antenupcial, salvo se verificada a existência de vício do negócio jurídico. 4. No caso concreto, não havendo alegação de vício de consentimento ou formal no pacto antenupcial, celebrado livremente entre as partes, que estabeleceu o regime da separação de bens, incabível a meação dos aquestos. 5. Sentença mantida. 6. Recurso não provido.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0349.10.001237-7/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/02/2019, publicação da súmula em 08/03/2019)

Desta feita, fica bem claro que, pelo texto da Súmula, ela se aplica tão somente ao regime de separação legal (obrigatória) de bens. De forma que não seria aplicada ao regime da separação de bens (convencional). Leia-se, aquele regime em que as partes, por livre vontade, estabelecem, através de pacto antenupcial, que o patrimônio de cada um ficará apartado.

IV – Então de maneira alguma haveria comunicação de bens no regime da separação convencional?

Em que pese o entendimento acima, há decisões do tribunal paulista que têm admitido a comunicação de bens no casamento contraído pelo regime da separação convencional de bens, quando há o esforço comum do casal, veja-se:

DIVÓRCIO C.C. PARTILHA DE BENS. Ação proposta pelo cônjuge varão. Partes que concordaram com o divórcio, tendo a ação prosseguido, apenas, no que tange à partilha de bens. Sentença de improcedência, em razão das partes serem casadas pelo regime da separação convencional de bens e tendo em vista que as questões sobre os bens são estranhas ao matrimônio, tratando-se de negócios jurídicos concluídos à margem dele, devendo ser discutidos em ações autônomas. Inconformismo do autor. Partes que celebraram pacto antenupcial estabelecendo o regime convencional da separação total de bens. Artigos 1.687 e 1.688, ambos do Código Civil, que dispõem que nesse regime não haverá a comunicação de qualquer bem, seja posterior ou anterior à celebração do casamento. Jurisprudência, todavia, que vem admitindo a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum do casal, se comprovada a existência da sociedade de fato. Pretensão, todavia, que deve ser buscada em ação própria, perante o juízo cível. Precedentes. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. 

(TJSP;  Apelação Cível 1000773-90.2019.8.26.0445; Relator (a): Ana Maria Baldy; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Pindamonhangaba – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/10/2020; Data de Registro: 05/10/2020)

Assim, tem-se admitido que, se amplamente comprovado que o cônjuge casado pelo regime da comunhão convencional concorreu diretamente, com capital ou trabalho, para aquisição de bens em nome do outro cônjuge, é cabível a atribuição de direitos àquele consorte.

Mas note que a decisão acima não leva em conta a aplicação da Súmula do STF. Somente mitiga a regra referindo-se ao esforço comum do casal. De modo que a Súmula permanece inaplicável aos casos em que o matrimônio é contraído sob o regime da separação convencional de bens.

V – Conclusão

Por fim, se por um lado a jurisprudência mineira considera inaplicável a Súmula 377 nos casamentos contraídos pelo regime da separação convencional de bens, por outro lado o tribunal paulista tem admitido, em alguns casos, a comunicação do patrimônio quando ficar amplamente comprovado que o consorte contribuiu para a aquisição dos bens.

Portanto, ao contrário do que fora noticiado pela mídia, não se pode aplicar a Súmula 377 do STF aos casamentos contraídos pelo regime da separação convencional de bens. Caso contrário, estaríamos expostos a enorme insegurança jurídica.

Assim, a nosso ver qualquer entendimento pela comunicação com a aplicação da Súmula seria equivocado. Em primeiro, porque a Súmula do STF é clara ao se referir especificamente ao regime da separação legal (obrigatória) de bens. Em segundo, porque a partir do momento que os nubentes escolhem o regime da separação convencional de bens, eles o fazem de maneira livre. De acordo com a autonomia de sua vontade. Ou seja, tomam essa decisão sabendo das consequências da escolha do regime.